sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

É oficial: deixo de comprar o Público
«...Este breve balanço, como já perceberam, é uma despedida. Catorze anos chegam hoje ao fim. Naturalmente. Sem rancores e já com inevitáveis saudades. A partir de agora, passo a ser só mais um leitor às sextas-feiras.»
Miguel Sousa Tavares

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

O chanceler Bismarck foi só mais um…
…filho da puta.
Três ficções que vi nas últimas semanas lembraram-me o que penso de África. As guerras, a pobreza, a fome e a morte; os vírus da sida e do ébola; as riquezas naturais, diamantes e petróleo; povos que não conseguem, por mais que queiram, vencer a seca fatal de tantas restrições naturais; a corrupção; o saque de há séculos e depois a partilha de Bismarck; os testes de medicamentos de hoje; um Portugal que reclamava, há semanas, a barragem levantada no Zambeze. E tanto mais.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Sem referente
Tudo começa com este dilema permanente em mim, entre dormir quando é noite ou fintar a cama e seguir em pé, como que perdido, vagueando de pensamento em ideia ou nota de post-it que ficou por apontar, de tentar sentar-me à mesa ou, como hoje, na cama, e escrever. Tentar escrever. Fazer o exercício que digo ser-me violento e caro, de tentar vomitar o que se me revolve no estômago, dias e dias a fio. Iludir o cansaço, flagrante quando for manhã, seja nos olhos ou no sinal de meio-dia que me assustará para fora do colchão, vencido que fui pela extinção temporária do ser que é o sono, então enfurecido por ter perdido horas, o tempo que o coelho da Alice tanto perseguia, perdido luz e sobretudo por reconhecer-me incapaz de controlar o meu corpo. Se pudesse, não dormia. E logo depois dormia toda a dívida acumulada. E não morria, ausência total de sentir, de me sentir, de consciência, que é isso que me assusta na morte.

Acho que nunca entrei naquela livraria ainda de dia. Hoje, novamente, os carros lá fora já circulavam de luzes acesas, o alcatrão estava ainda mais escuro e cheio do brilho dos reflexos na água da chuva, além do frio que nos torna a todos pequenas chaminés de caldeira ambulantes. Fui lá passar tempo, olhar lombadas coloridas, folhear livros de fotografias, anotar.

«Quem és tu? Como és tu? O que és tu? O que há dentro de ti?

A tua cara é redonda. Não digo que seja bolachuda, e rio-me disto. O teu cabelo é bonito. Os teus olhos parecem-me cansados, sempre, desde que te vi pela primeira vez. As tuas mãos são pequeninas, os teus dedos arredondados. O teu sorriso é esplêndido, assim como o teu olhar, que se transforma quando sorris.»

E levantei-me de um salto para me esconder, envergonhado não sei bem por quê, entre as Farpas e álbuns de fotografias, como quem elenca uma lista de Natal, que nunca faço. Passei pelos títulos mais óbvios, interessadíssimo, como se tentando iludir alguém. Que raio.

sábado, 26 de novembro de 2005

Eu não quero pagar o aeroporto da Ota
«...toda esta questão da Ota cheira mal à distância: cheira a voluntarismo político (...), que tanto dinheiro custou e continua a custar ao país, e a troca de favores com a clientela empresarial partidária, a que costumam chamar "iniciativa privada". Para esse peditório já demos. Já demos demais, já demos tudo o que tínhamos para dar. O país está cheio de fortunas acumuladas com negócios feitos com o Estado e pagos com o dinheiro dos impostos de quem trabalha, em investimentos cuja utilidade pública foi nula ou pior ainda...»
Miguel Sousa Tavares, in Público, 25Nov2005
(sublinhado meu)

sábado, 19 de novembro de 2005

O Pudim faz dois anos :)

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Quinze euros paga-se por um livro
Eu gastei-os numa agenda. Comprei um diário Moleskine, de formato A5, muito pseudo-intelectual, para anotar tarefas, ideias para textos [sim, que pretensioso], pensamentos e outras coisas. Encaro-o como o ponto de partida para uma nova etapa. Tal como a música que ouço agora me sugere, hunted by a freak, de Mogwai. A primeira página é em 2006, mas comecei hoje.

Os produtos Moleskine vendem a imagem de Hemingway, a preço alto. É-me indiferente. O que gosto neste diário começa na encadernação, porque detesto argolas, e termina na côr do papel, amarelada. Uma agenda tem que ter capa dura, como esta, que é preta, e ser grande o suficiente para entre páginas guardar bilhetes de cinema, cartões de visita, postais, folhas com anotações ou mapas de museus, até CDs e seja mais o que for que chegado a Dezembro lhe dê o dobro da espessura. Como esta.

O elástico que a envolve a todo o comprimento é dispensável, mas é uma marca. A fita marcadora interior é útil, mas prefiro o que a Vanessa me fez, já não sei há quanto tempo, e que me tem acompanhado desde então.

As páginas reservadas a endereços não me fazem falta. O envelope colado no verso da contracapa é útil.

Gosto da ideia de oferecer uma recompensa a quem encontrar este caderno perdido, uma das originalidades dos produtos da marca, e que é o que reforça a ligação entre o usufruente e o produto, uma vez que reconhece a importância e o valor que este tem para o seu dono — não é uma agenda; é um pedaço de si.

As folhas são finas e agradáveis ao toque, além de não nos roubarem espaço com coisas que não interessam, como as horas, impressas a corpo pequeno e discreto, como devem ser. Porque a hora é o que menos interessa, juntamente com linhas verticais, que não as há. Há apenas um jogo de linhas para ajudar a escrever direito. É a horizontalidade que faz sentido.

Preciso fechar portas. Tenho vivido neste eixo cartesiano de x e y, horizontal e vertical, procurando traçar-lhe uma linha de progressão geométrica. Este ciclo vicioso do “depois”, que faz depender o objectivo de um desejo do que se há-de ter e então sim, é totalmente errado.

Viver em antecipação não é sistema. O controlo total é impossível. O risco é necessário. O desconhecido não é sempre mau.
A senhora Puta vive
É favor confirmar aqui. E ler o editorial, no fundo da página.

domingo, 13 de novembro de 2005

Há uma garrafa de cerveja Sagres no pub londrino de “As Bonecas Russas”
Londres, Paris, Moscovo e outras cidades do nosso imaginário têm um rio, felizmente estreito, o que possibilita que cidade e rio existam em comunhão. Quem lá vive só ganha com isso. Lisboa tem um Tejo, evidentemente magnífico, mas largo por demais. E é acidentada. E a outra margem também. Se tudo isto é obra de um arquitecto superior, alguém me forneça o e-mail do gajo, porque quero contestar o projecto. Lisboa vive de costas para o rio. Eu vivo de costas para o rio.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Tanta coisa por aí e os dias continuam tendo só 24 horas. Xiça.

Dias de chuva
1) Num sábado que passou estive no DocLisboa 2005, na Culturgest, para ver “A Decent Factory”, documentário de Thomas Balmés que retrata as condições de trabalho em fábricas chinesas fornecedoras de equipamentos para a Nokia. O mote é a ética no trabalho, que preocupará uma finlandesa como a Nokia, e que não tem tradução prática na realidade das fábricas chinesas, nem mesmo quando o contratante é alemão. Turnos de 12 horas e semana de trabalho de seis dias, seja qual for o volume de encomendas; ausência de contratos de trabalho; escusado será dizer que seguros de qualquer tipo ou descontos para uma segurança social também não existem; a própria fábrica não está totalmente legal; manufactura em mais de 90 por cento das fases operacionais; 99 por cento dos operários são mulheres, ficando os homens com os cargos de supervisão, aproveitando para o enxovalhamento das primeiras; dormitórios nas imediações da empresa, horários rígidos de entrada, impossibilidade de saída, oito mulheres por cubículo, sem visitas, interdita a entrada de comida naquelas quatro paredes; gravidez é sinónimo de dispensa; as refeições fornecidas no refeitório não prestam — são as operárias quem o diz; falta de condições de higiéne e segurança, no trabalho e no dormitório; do salário é descontado um valor pelo alojamento e alimentação, o remanescente é quase metade do salário mínimo na província; os dois alemães representantes da empresa contratante, e os únicos residindo/trabalhando na fábrica, procuram um buraquinho onde se esconder, mas mesmo assim são sinceros e não têm pejo em pôr às claras os podres do negócio; etc.

Uma pergunta: a Nokia deixou de comprar aquele fornecedor? Um comentário: dizem-me que no comunismo era bem pior, nunca os chineses viveram tão bem e os que são explorados naquela fábrica preferem aquela vida à do campo, na aldeia onde nasceram, a mais de 10 horas de carro de qualquer centro urbano.

2) A edição de 2005 do Seixal Jazz já terminou e teve como ponto alto o concerto de Kurt Rosenwinkel.

3) Na noite passada caiu um telhado no Museu de História Natural, o que provocou uma ligeira inundação, contou-me o porteiro de serviço. O mesmo que me informou acerca do passe anual para o Jardim Botânico (por 7,5eur) e de como se contam pelos dedos de uma mão os portugueses — excluindo os velhinhos habitués — que visitam o Jardim diariamente, sendo que no Museu já teríamos que usar as duas mãos. Fui ver a exposição Fotógrafos da Natureza, da BBC Wildlife Magazine — disponível até 28 Nov. Fui o primeiro. Depois de mim chegou um casal de ingleses e dois casais de portugueses com os respectivos rebentos, com não mais de uns 7 anos, ele um bocado enfadado e ela verdadeiramente surpreendida e entusiasmada.

Do Museu destaco as paredes cinzentas do reboco de cimento, sem pintura, contrastantes com o mármore branco das ombreiras de portas e janelas, buracos aqui e além, denunciando as tubagens de electricidade e canalizações. Um Museu de história que é parte da História e cujos responsáveis devem querer que o aspecto o demonstre — velho e pior conservado que os exemplares de crustáceos em frascos de formol. Percebo o aspecto que se pretende, e até posso considerar museulógico, à falta de melhor palavra. Mas aquele edifício do século XVIII (edificado pouco depois do Terramoto) merece melhor. E no final não há um folheto informativo, institucional, que satisfaça a curiosidade do visitante, esclarece-me o António, que agora já bebe um café, roubado à máquina na outra sala, tal é o fraco movimento. Adeusinho.

4) Wallace & Gromit and the The Curse of the Were-Rabbit. E tantos outros que ficaram pelo caminho, raios.


Espreitar, sff
1) Nasceu a Prisma.com, uma publicação online dedicada à comunicação, informação, tecnologia e artes, propriedade do Centro de Estudos em Tecnologias, Artes e Ciências da Comunicação (CETAC) da Universidade do Porto.

2) E está para nascer o jornal digital “Comum”, do Grupo dos Alunos de Comunicação Social da Universidade do Minho (ver aqui). [no sítio onde estudo continua havendo zero e isso é especialmente ridículo quando os vizinhos das economias e gestões estão a planear um jornal electrónico]

2) A Rascunho já tem algum tempo.

3) O BlogReporters já arrancou, e apresenta-se como um espaço no qual «poderá encontrar notícias, reportagens, entrevistas ou fotografias da autoria de qualquer pessoa interessada em fazer jornalismo profissional».


Esta agora…
Bem, eu já sabia que o Público não era um jornal português, a julgar pelo código de barras iniciado com 977. Mas que os tipos que lá escrevem não são jornalistas, essa apanhou-me de surpresa. «Eurico Reis tem entendimento distinto. “Sem carteira, não podem ser qualificados de jornalistas”, diz, lembrando a violação ao Estatuto do Jornalista.» Soube por aqui.


DNa em risco de acabar
Li, incrédulo, que está a ser ponderado o fim do DNa, o suplemento cultural do DN (aqui). E a Grande Reportagem já sabe que vai deixar de ser impressa (aqui).

Se a primeira notícia me abalou, a segunda é-me indiferente, porque sempre considerei um assassinato da publicação a sua passagem a semanal e todas as mudanças de formato que isso implicou.

O sr Joaquim Oliveira já começa a arrumar a casa, que comprou com os 300 milhões emprestados pelo amigo Ricardo Salgado.


Duas novas “económicas” nas bancas
«Duas novas revistas mensais das áreas de economia e gestão chegaram ontem às bancas: a Just Leader e a Ed. A primeira, do grupo da revista Prémio, é dirigida por Freddy Vinagre, privilegia a área de gestão e é vendida a três euros. A segunda, que incide na área de economia e negócios, é da empresa Lagonda, tem como director Fernando Vicente e custa 1,9 euros. O grupo da Just Leader, já responsável pela revista Prémio — que detém os direitos do título norte-americano Business Week —, estabeleceu um acordo para a utilização dos conteúdos das revistas brasileiras Veja e Exame Brasil, tanto nestas publicações como na Prémio Viagens, um projecto com lançamento previsto para Novembro.»
in Público, 29Out2005-11-02


“Nós, os media”
Terminado o livro de Dan Gillmor, “Nós, os media”, faço minhas as palavras de Eduardo Cintra Torres, um destes dias no Público: «…um daqueles livros americanos de estilo messiânico nos quais se vão repetindo até à exaustão do leitor as ideias principais…». O livro, que tanto alarido causou quando foi lançado em Portugal, é francamente mau. Não consegui extrair uma ideia interessante, uma linha de pensamento construtiva, algo que valesse a pena anotar e parar para pensar.


O cidadão-jornalista de Eduardo Cintra Torres
«É certo que as novas tecnologias possibilitaram uma maior participação dos cidadãos nos media tradicionais e permitiram-lhes criar os seus próprios media, como os blogues. Isso contribui para aprofundar a democracia, para um alargamento do espaço público. Mas há uma forte deriva de determinismo tecnológico neste conceito que abarca ao mesmo tempo o jornalista dum jornal, o turista do telemóvel que filma o tsunami e o autor de um blogue diário. Não é por acaso que Gillmor escreve, com mais certeza do que um pastorinho em Fátima: "Não tenho dúvidas de que a tecnologia acabará por vencer" (p. 229). Mesmo o título do livro, Nós, os Media, faz do cidadão uma tecnologia (media) e não um autor de conteúdos, que é o que um jornalista é.Mas se é cidadão-jornalista aquele que enviou imagens do atentado no metro de Londres, como defendeu um dirigente da BBC (em 06/10), também o deveria ser o habitual informador verbal dos jornalistas. Por exemplo, a mulher que descreveu para a CBS o embate do primeiro avião nas Torres Gémeas ou a mulher que descreveu para a RTP o som da derrocada da ponte de Entre-os-Rios e os faróis acesos afundando-se no Douro. Essas pessoas usaram a velha palavra e uma tecnologia antiga - o telefone - para participar na informação. As pessoas que descrevem um incêndio para a câmara profissional ou para um bloco-de-notas dum jornalista também participam na feitura da notícia com a sua narrativa pessoal. Por que raio se chama jornalista ao transeunte que faz umas imagens no metro de Londres e não à velhota que telefona para a SIC a dizer que há mais um incêndio no seu concelho?
Se o nível de participação é diferente, a função do narrador in loco ou do indivíduo que grava um ataque terrorista no telemóvel é a mesma. O primeiro existe há séculos. O segundo há cinco anos. E todavia, porque o contributo de um é oral e do outro visual, são considerados diferentemente pelos teóricos do cidadão-jornalista.

E que dizer das máquinas de circuitos de vigilância da estação de Atocha no dia 11 de Março de 2004? Elas são tão "cidadãos-jornalistas" como os turistas que gravaram o maremoto na Tailândia ou na Indonésia em 2004.
Por captar imagens de água invadindo Pukhet o turista não é jornalista, da mesma forma que, ao atender o telefone, o Presidente da República não é telefonista. Quem compra tábuas no Ikea e monta o móvel em casa não é marceneiro, quem faz uma transferência bancária numa ATM não é empregado bancário e quem enche o depósito de combustível em auto-serviço não é gasolineiro. Quer dizer, não tem essa profissão.

(…)

O jornalismo não pode ser apenas a "tecnologização" da função do informador. A pessoa não se torna jornalista por participar no espaço público. O messianismo tecnológico e político dos Dan Gillmor que pululam pela Internet menoriza a actividade jornalística e contribui para a diluição do jornalismo (que, aliás, é desejada por Gillmor ou Outing) e para o apagamento das tarefas sem as quais não há notícias autênticas: estruturação, selecção, equilíbrio, factualidade objectiva, confirmação de fontes, estilo, responsabilidade, ética, serviço ao público.»
Eduardo Cintra Torres, in Público, dias 29Out e 1Nov de 2005 (artigo em duas partes)


O Ilharco foi beber o café ao bar da FCEE, viu aquele miudo que copiou o penteado a um tipo da TV, engasgou-se de riso, e “puf”, não se fez o Chocapic, mas surgiu o tema para a crónica quinzenal do Público
«Mas mais do que os D"ZRT parece ser a série "Morangos com Açúcar" que hoje em dia é uma espécie de critério comparativo, de modo de aferição e de valorização da vida de muitos adolescentes e sobretudo pré-adolescentes portugueses.»
(isto não interessa, mas é só pra contextualizar)

«Quando nos lembramos que numa sociedade tecnológica como a nossa o meio é a mensagem esquecemo-nos muitas vezes da conclusão óbvia de McLuhan: que o conteúdo são os utilizadores — somos nós. (…) Com a televisão em todas as divisões da casa, com a lógica de Hollywood, dos bons e dos maus, das marcas e dos produtos, em todos os écrãs do mundo, a realidade é hoje a imitação do universo digital em que vivemos.»
(isto sim, já interessa e é a sério)
Fernando Ilharco, in Público 31Out2005


Apontar na agenda
A edição de amanhã (hoje?) do Clube de Jornalistas, na Dois, é dedicada à questão da invasão da publicidade no espaço informativo. Mais info aqui.


«A malta é jovem… não explicam!...»
«O meu repórter era jovem, feliz com a sua juventude (feliz ou angustiado, o que vem a dar no mesmo). Não que eu tenha uma visão normativa da juventude não tolero tal atitude em relação à minha juventude, não a favoreço face à juventude dos outros. Seja como for, há um valor simbólico que as televisões instalaram no nosso quotidiano. Assim, a maior parte dos repórteres combina a ligeireza do olhar e a futilidade das observações com uma juventude que há muito deixou de ser um mero índice etário, para passar a funcionar como metáfora mediática: é jovem, logo tudo lhe pode ser permitido e desculpado.»
João Lopes, in DN 30Out2005


Ah pois é…

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Há uns meses dei aqui notícia de uma nova revista, a Fest Forward Magazine, a primeira publicação portuguesa dedicada a festivais de todas as vertentes artísticas, nacionais e estrangeiros.

Em Setembro saiu do prelo o número um (capa abaixo).


Acontece que a Fest, como lhe chamam os amigos, embora inicialmente pensada para ser de distribuição gratuita, tem elevados custos de produção e poucas receitas publicitárias — neste país ainda se julga que duas acreditações para cobrir um evento valem uma página de publicidade à borla. Ora esses mesmos custos ditaram que a revista passasse a ser vendida.

Mas não desesperem. Só custa 2 euros, uma pechincha para 68 páginas de conteúdos. Podem encontrar a Fest à venda num selecto rol de bancas, ainda curto mas em rápido crescimento. É só verificar a lista em www.festforward.com.

Procurem-na, comprem-na, leiam-na e passem palavra aos amigos — no café, por sms, nos blogs vizinhos e sei lá que mais. Usem a seguinte ladaínha, testada e comprovada: «é muito fixe, pá, é a primeira revista portuguesa dedicada a todo o tipo de festivais, ‘tás a ver como é porreiro?, e trata de eventos nacionais e estrangeiros, quem diria hein?, e lá por dentro divide-se em antevisões, reportagens, uma secção de apresentação de coisas novas, e ainda por cima tem sempre uma entrevista a uma personalidade daquelas desconhecidas do meio cultural ou lá próximo, ainda não compraste?»

A Fest Forward Magazine é trimestral e o próximo número, o #2, sairá perto de Janeiro.

Este post tem uma óbvia declaração de interesse…

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Manifesto para a desistência de Mário Soares
«Nós, cidadãos eleitores, admiradores do Dr. Mário Soares e seus potenciais eleitores, que de forma mais ou menos entusiástica reconhecemos o seu papel na luta contra a ditadura e na construção do estado democrático, recordados da elevação dos seus mandatos presidenciais e tendo ainda fresca na memória o clima verdadeiramente nacional e patriótico da comemoração do seu aniversário, pedimos ao Dr. Soares e aos elementos mais lúcidos da sua candidatura a coragem necessária para desistir. As portuguesas e os portugueses precisam do Dr. Soares onde ele estava. Generoso, informado, atento, no despacho da Fundação, em entrevistas e conferências onde discorra sobre a realidade do país e do mundo sem a avidez dos que agem por táctica e com a serenidade de quem não tem outra estratégia que a procura da verdade. É aí que o queremos continuar a ver.

Nem nós, nem o senhor precisa de ouvir a arquitecta Roseta dizer de si o que Mafoma não disse do toucinho. Nem de assistir à multiplicação das estátuas ao autor da Praça da Canção, à sua inclusão no segundo volume da Antologia Século de Ouro. Nem de ler o que a candidatura do Prof. Cavaco já começou a desenterrar das lixeiras. Nem de assistir, ao longo de quatro longos meses, ao esforço militante de Louçã e de Jerónimo.

Em nome da qualidade do ambiente, da esperança, mesmo que infundada, no futuro, do convívio intergeracional, da história de Portugal que os meninos futuros hão-de aprender, desista Dr. Mário Soares. Não houve e poderá não haver tempo para uma alternativa à esquerda para o Prof. Cavaco? É lamentável. Mas o senhor não é essa alternativa. Se ela existe irá aparecer, a esquerda e a mulher ou o homem que a possam representar. E se não aparecer tanto pior e tanto melhor. Assim todos saberão aquilo com que verdadeiramente podem contar.»

Luís Januário, eleitor 4288, freguesia dos Olivais, Coimbra

Copiado ali do lado, do Inansia.

domingo, 18 de setembro de 2005

Vinte e tal euros em revistas, parte IV

Courrier Internacional
edição portuguesa, 16 a 22 Set (semanal), n.º 24
2,50 euros 72 euros assinatura anual

Desde que lia o Pedro Rolo Duarte, ao sábado, no DNa, gabar o jornal e comentar o que lia na edição francesa do Courrier International, que suspirava por não encontrar a publicação nas bancas — excepto raras vezes numa tabacaria do CC Colombo — e mais ainda por ter deixado de praticar o francês, que hoje se resume a dizer que je ne parle pas du français e nem faço ideia se isto está bem escrito. Contudo, chegou a Portugal a edição feita pelo grupo do sr. Balsemão e só a comprei 24 semanas depois. Por ter a possibilidade de ler em português achava menos… charmoso? Não sei.

A verdade é que o jornal tem o seu interesse, é um bom produto para leitura ocasional — sim, ocasional, e não semanal. Porque qualquer serviço de clipping, selecção, tradução e corte, nunca é totalmente imparcial, objectivo — seja lá o que isso for — e desinteressado. Tal como o que faço abaixo.

Desta edição, que contém um punhado de textos relevantes, destaco excertos de um contraponto entre duas posições publicadas no Die Zeit, acerca da candidata a chanceler, Angela Merkel.

Por Susanne Mayer: «Finalmente! É possível? Um século após a obtenção do direito de votação para as mulheres, 50 anos após ter sido instituída a igualdade homens-mulheres na Lei Fundamental, 40 anos após a nomeação da primeira mulher ministra, 30 anos depois de uma mulher ter sido pela primeira vez presidente do Bundestag, ao cabo de décadas de avanços na formação das mulheres e de esforços por uma política de igualdade entre os sexos, é possível que tenhamos finalmente uma candidata à chancelaria? Uma mulher no topo da pirâmide! Em vez de provocar gritos de alegria, isso está a fazer nascer uma vaga de inquietação na Alemanha. Será que ela é capaz?, interrogam-se as pessoas. Será que a Alemanha pode permitir-se ser dirigida por uma mulher? Aliás, é uma mulher?»

Por Susanne Gaschke: «Só pode haver duas razões para votar numa mulher por ser mulher e não pelo seu programa político. A primeira seria o seu valor simbólico numa sociedade onde elas são politicamente discriminadas. Onde lhes é negada a capacidade de exercer a função de chanceler. Onde são afastadas das possibilidades de formação e de carreira e a política dos homens as põe à margem. Está longe de ser o caso da Alemanha.
A segunda razão para eleger uma mulher porque é mulher seria a ideia de que elas fazem uma política diferente, ou antes, melhor do que os homens. De que são mais meigas, mais sensíveis, mais concretas, menos pedantes. Exceptuando o biologismo que subentende uma tal argumentação, isso não corresponde em nada a Angela Merkel. O que a caracteriza é a rigidez, a ausência de escrúpulos, a vontade de poder que a anima para alcançar os seus objectivos (…) mas que não tem nada de especialmente feminino ou simpático.»

O Die Zeit é o semanário mais difundido na Alemanha, com tiragem de 490 mil exemplares, e o Courrier Internacional descreve-o como «tolerante e liberal, um jornal de grande informação e análise». Eu conheço um alemão que o lê e já me tinha passado essa ideia.
Vinte e tal euros em revistas, parte III

Briefing
13 Set (semanal), n.º 507
3,50 euros

O toque é agradável, esclarecendo a ficha técnica que se trata de papel de 115 gramas, mate (tipo jornal, mas bem mais grosso). O cheiro é proeminente e não vale a pena gozar, porque o cheiro do papel tem muito que se lhe diga, no que toca a ler produtos de imprensa. Eu, pelo menos, acho que sim. E o modelo gráfico é simples e de fácil leitura.

Contudo, a maior desilusão da Briefing — publicidade, media, omunicação e produção, está mesmo no seu conteúdo. À base de pequenas notícias e algumas colunas de opinião, a Briefing não oferece mais que uma visita diária ao site da Meios & Publicidade não cubra. E a julgar pelas páginas de publicidade, se o preço de capa pagar o papel e despesas de impressão e circulação (não consta nenhuma informação de tiragem), é lucrativa e poderia ser um produto melhor.

Foi a primeira e última compra.
Vinte e tal euros em revistas, parte II

Media XXI
Julho/Agosto 2005 (bimestral), n.º 82
4,00 euros

Dossier: comunicação e marketing político — técnicas e tendências em Portugal
Foi a primeira vez que comprei a Media XXI — revista de comunicação e sociedade da informação, uma das poucas revistas nacionais dedicada à temática dos media, comunicação, jornalismo e afins. E quer-me parecer que não o volto a fazer.

Por incrível que possa parecer, a Media XXI destaca-se pela fraca qualidade dos textos, muitas vezes bastante mal escritos. Como se isso não fosse já bastante, a revista não faz uso da máxima jornalística que diz haver sempre alguém que nos lê pela primeira vez, e todo um rol de vocabulário específico (e por vezes estrangeiro) surge inexplicado e grafado normalmente, contribuindo para a distracção e desmotivação na leitura, que fica a meio, muitas vezes. É, portanto, mas inassumidamente, uma revista feita por profissionais e para profissionais? Mesmo assim…

Mais — e sabendo que há quem me aponte como crítico excessivo — tenho a dizer acerca do grafismo, que não podia ser menos apelativo, com cores mortas, modelo gráfico nada imaginativo e tipo de letra pobre. E claro, o papel brilhante, impossível de ler sob qualquer luz directa.

Talvez por tudo isto não tenha muito a destacar sobre o tema de capa, comunicação e marketing político — técnicas e tendências em Portugal. Fica esta transcrição: «os eleitores aos quais se destina, prioritariamente, a comunicação eleitoral, não querem fazer política; querem entregá-la aos políticos e esperam deles que resolvam os seus problemas». Reflexo dos tempos.

Nota: acerca da Business Week, também desgosto do papel, de gramagem demasiado fina. No entanto, é mate.

sábado, 17 de setembro de 2005

Vinte e tal euros em revistas, parte I

Business Week
european edition, september 26
4,50 euros / 58 euros assinatura anual

“I’m outta here!” – Why Microsoft is losing some key talent
Gosto da Business Week. Habituei-me a lê-la (irregularmente) faz agora um ano e esta é a segunda vez que a revista me dá um insight sobre os problemas que atravessam algumas das grandes multinacionais norte-americanas. A primeira foi a Coca-Cola e agora a Microsoft do sr. Gates.

A Microsoft atravessa uma grave crise interna. A companhia continua lucrativa, sim senhor, mas apenas cresceu oito por cento no último exercício, o primeiro crescimento de apenas um dígito nos seus 30 anos de história. E são os trabalhadores quem se queixa. De quê? Disto: estagnação da produção, no sentido de falta de inovação; lento desenvolvimento de produto; burocracia em excesso, provocada pela estratégia de sincronismo; desmotivação da massa trabalhadora.

De há uns cinco anos a esta parte a Microsoft tem uma estratégia de sincronismo, ou seja, todos os departamentos – cada produto é um departamento específico, como Windows, Office, MSN, etc – têm que trabalhar em sintonia, para que todos os produtos estejam no mesmo patamar de integração, inovação e até para que as saídas para o mercado não distem muito no tempo. Acontece que quem marca o passo é o departamento Windows. E que esta estratégia de sincronia não é produtiva, porque priveligia uma lógica de manutenção e não de inovação – o que também leva a que os programadores de topo, desejosos de inovação, de criar, acabem deixando a empresa para trabalhar nos concorrentes Yahoo, Google e eBay –, além de óbvias dependências entre departamentos. A Microsoft limita-se a manter o monopólio. Outro dos problemas desta estratégia de sincronia é o tempo dispendido em reuniões entre departamentos, para pontos de situação, aprovação de ideias ou elementos em teste, etc. Isto leva os trabalhadores a pedir autonomia – «dá licença a que eu vá trabalhar, que inove?»

Outra das questões é o fosso salarial entre executivos e engenheiros – cada vez maior e a aumentar, para benefício dos primeiros –, e o corte das stock options a todos os novos funcionários, que apenas recebem o seu salário e nada mais – enquanto 90 por cento das empresas do sector continuam a oferecer opções de compra de acções como complemento salarial e prémio de produtividade. Aliás, a companhia tem cortado nos apoios em doença e compra de medicamentos, e até retirou as toalhas dos balneários – querem secar-se, tragam de casa!

Os trabalhadores queixam-se, igualmente, da falta de tempo para pensar: «like Google, Microsoft should set aside a slice of every employees time so they can think creatively about new business ideas, rather than simply following orders from supervisors», pode ler-se num documento intitulado Ten Crazy Ideas to Shake Up Microsoft, escrito por funcionários da empresa e enviado a Bill Gates.

É nestas coisas que gasto o meu [muito pouco] dinheiro…

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Ecos da crise
Já não me lembro qual foi o último disco que comprei numa discoteca de comércio tradicional (loja de rua ou de centro comercial citadino, daqueles pequenotes e antigos), nem quando o fiz. O mais recente sei que foi numa FNAC. Mas também já lá vai muito tempo. Pois é, a internet...
Estarei cá para ver se reabre após as obras.
Imagem roubada ao Indústrias Culturais
Se eu fosse o Bolívar…
…tinha cagado prá revolução e prá grande Colômbia e pátáti, pátátá… e tinha era fugido com a Amparo Grisales, que é um mulherão. É que era já. E não a seguir.


Hoje vi: Bolívar Soy Yo, fita colombiana, de 2002, ganhadora de um belo rol de prémios internacionais.
Mostra de cinema latino-americano, no Fórum Lisboa, até 24 Set (sáb). Bilhetes a 3 euros.
Mais info aqui: www.mostra-americalatina.web.pt

domingo, 4 de setembro de 2005

Extenso apontamento na tentativa de ser cómico e alertar para alguns problemas da sociedade da era da globalização, além de ter pura crítica social ao bom estilo daquele programa da SIC, em que as miúdas vão às festas recolher declarações de escárnio sobre o jet-set, escrito numa tarde de anhanço num centro comercial, porque não tive coragem de ir à praia sozinho, e uma ia pró Avante e o outro estava a trabalhar, e então olha, resolvi brincar um bocado com frases longas pra caraças, que o Grabriel Garcia Marquez também o faz e deram-lhe um Nobel

Não sou melhor que aqueles que desprezo cada vez que cá venho. Porque também eu vim para cá hoje, domingo, com 30ºC de temperatura exterior à sombra, e eu num centro comercial (CC, para facilitar). Costumo dizer, acerca desta gente, «não têm nada de melhor para fazer?» Pelo que vejo, eu também não tenho. E se tiver em conta que vim para aqui apenas para estar sentado a uma mesa, bebendo café e tomando notas no meu Moleskine, ao invés de ver montras, fazer compras ou comer um hambúrguer, e somar a isto o facto de estar numa zona de esplanada interior junto ao McDonalds, quando poderia estar numa muito mais pseudo-intelectual Fnac, então ainda sou pior que todos estes peões que para aqui andam e me enojam. Por indução, hoje sou um deles e hoje também eu sou vómito.

Começa por me irritar entrar no parque de estacionamento, que é gratuito, e ver carros estacionados fora dos recortes e nas zonas de passagem, próximos da porta mais próxima, quando o parque está longe de estar lotado. Suspiro, estaciono e sigo com precaução para não ser abalroado por um Saxo de mil de cilindrada mas com escape de versão Cup, ou por um AX ou Uno quitados e manuseados por gajos mais velhos que eu, usando boné, calça tipo corsário branca e sapato-ténis Nike ou chinelo havaiano chinês.

Consoante a porta de entrada no CC, o odor ambiente oscila entre o neutro fresco do ar-condicionado e a fragrância Big Mac viajada do segundo piso para o rés-do-chão – foi por aqui que entrei. Os CC têm um cheiro característico, nojento em qualquer dos casos, e depois de trabalhar no laboratório fotográfico de um deles durante mais de um ano e meio, o que mais me incomoda nos CC é o cheiro, que nem mesmo o pivete do nocivo e não inspeccionado líquido revelador de películas tão característico das Kodak Fotosport, consegue apagar da minha memória.

As pessoas que andam pelos CC, qualquer que seja a categoria a que pertençam, também me provocam asco. Os vigilantes, engravatados ou fardados com bota e boina de tropa, que de maus só têm mesmo… tudo menos um duro carácter, que não têm de ser musculados ou ter cumprido o serviço militar, lembram-me um colega do liceu que, não sendo incapacitado, era e continua sendo burro, escolheu a sistemática do charro, de querer ser preto sendo branco, brinco e anel de ouro, ensino recorrente só para despistar e não ter de ouvir os pais – afinal, é à noite que estão em casa –, não sendo isso sinónimo de sequer entrar na sala de aula, colega meu esse que encontrei como vigilante, há coisa de um mês, no recém inaugurado auditório municipal. Para manter o lifestyle diurno.

Além destes, há as lojistas, aquelas raparigas da minha idade, give or take uns dois anos, uma boa parte das vezes bastante boazudas, giras até, muito arranjadas, amiúde até demais e decalques das gajas que se vê na MTV, que trabalham nas perfumarias, boutiques de roupa, malas ou sapatarias, nunca na Fnac ou na Bertrand, miúdas que um gajo só de olhar até coloca a hipótese de poder partilhar um café e conversa durante uma horinha, bastando para isso que ela não esteja a bulir ou não tenha um cão-pastor condutor de chaço tunning-rátátá, que é a onomatopeia para os rátéres, mas depois ouvimo-las falar e percebemos que o 12º ano foi uma miragem, que “inadvertidamente” não aparece nos Malucos do Riso, na rádio Oxigénio ou no Curto Circuito, e é, muito provavelmente, uma palavra inglesa, «e eu sempre tive negas a inglês». Estas não me lembram nenhuma colega do liceu, porque na altura elas não mostravam o umbigo sob as calças de cintura descida e camisolas subidas, não arranjavam as unhas, não iam ao cabeleireiro sozinhas, a TV Cabo era uma raridade e voltando ao que interessa, a gente não sabia que elas eram boas. Só o descobrimos agora, já no fim da faculdade, depois de nos termos tornado amigos e já não dar.

A mais vasta categoria de pessoal que anda pelos CC é a maralha, que a um domingo como este vem maioritariamente aos grupos, com os putos pela mão ou no carrinho, e os avós cansados de tanto andar, que aqui se fazem quilómetros sem se dar por isso. Hoje está particularmente escasso o pai de camisola branca de alças, calção de praia e chinelo, aqueles que não empurram o carrinho, nem o do puto quanto mais o das compras. Mas há-os de t-shirt da JB arranjada pelo Alfredo do café, alguns de pólo!, com óculos escuros de armação plástica azul metalizada, no cimo da cabeça, calça de ganga também azulada – não vi nenhuma daquelas coçadas na coxa ou rasgadas na canela, muito trendy aí há uns anos –, sandália de tipo não-Excesso, vá lá, ou sapato-ténis desportivo, daqueles Puma para futebol de salão, sujeitos que fumam copiosamente e não falam do jogo da selecção com o cunhado porque os luxemburgueses levaram seis a zero e por isso eles estão contentinhos, ainda mais se tivermos também em conta que o Benfica não joga este fim-de-semana e assim não há hipótese de desgosto. Por ser domingo, a sogra, geralmente dele, também veio ao CC. As mães espelham no rosto algum alívio, saíram de casa pela primeira vez no fim-de-semana inteiro, a cozinha ficou longe e o jantar vai ser, pela certa, McDonalds. A mãe, que veste um modelito em que o sapato laranja bate certo com os motivos florais também cor-de-laranja da camisola branca, a mãe que bebe um café ou um Trina – já me esquecia: o pai já está na imperial –, nos espaços de tentar aquietar a miudagem. Estão aqui uns vizinhos meus.

Infelizmente este é o primeiro fim-de-semana de Setembro e a emigrantada já se foi toda embora, digo eu, que não ouço pelos corredores «Jean Pierre, vien ici! Ouvistes? ‘Tás aqui, ‘tás a levar!», Jean Pierre que é como se chama aos putos que nascidos cá teriam sido João Pedro, numa semana em que a TV tivesse avariado e a novela da Globo na SIC não tivesse entrado lá por casa.

Verdadeiro reflexo dos tempos modernos, isto só para elevar um pouco o nível da conversa, até porque desde as gajas lojistas fodíveis, que é uma palavra que aprendi no melhor blog do universo, que ninguém mais se riu, e portanto há que ter um apontamento inteligente, equilibrado e ponderado, que é uma palavra que começa com “P”, assim como Estado-Providência, também há velhos, casais de velhotes que vêm aos CC aos domingos, beber a bica, porque eles chamam-lhe bica e nós café, e passam umas horas sentados à mesa da esplanada, calados, olhando a carneirada, como este casal que está aqui à minha frente. Isto é um verdadeiro reflexo dos tempos modernos e da boa vida que se têm no Portugal de hoje, na medida em que há 40 anos atrás era inconcebível que os velhotes tivessem esta autonomia, almoçassem no restaurante ou fizessem turismo sénior, simplesmente porque não havia reformas. Nem do tipo da do Campos e Cunha nem nenhuma – não havia. Mesmo assim, hoje eles não parecem muito à vontade no CC, o ambiente continua sendo estranho para eles, cujos filhos estão a regressar de férias no Algarve, alugaram um apartamentozinho em Armação de Pêra, e os progenitores cá ficaram, na monotonia da solidão, tão igual à dos outros dias. Contudo, eles são diferentes delas. Eles não vêm em grupo, preferem ficar na taberna a jogar à lerpa; elas vêm, aos trios, arranjadas, para lanchar dois Sundaes de caramelo, um de morango e dois copos com água.

A malta nova também anda por aí. Elas parecem saídas dos telediscos da MTV, tão mal aloiradas que faziam melhor se estivessem a esbofetear violentamente a cabeleireira responsável por aquela merda, ou o namorado que lhes diz, enquanto ela carinhosamente lhe massaja a nuca na viagem de regresso ao bairro, no autocarro apinhado, «môr, tás linda, pareces a Shakira». Mas eles não estão melhor, parecem um dos manos Anjos, à vez, porque os há lambidos e com barba de três dias e igualmente com o cabelo espetado e carinha de menino, de jeans justos, carteira e telemóvel de terceira geração numa mão, gaja na outra e porta chaves pendurado ao pescoço. Ou então elas parecem-se com 90 por cento das gajas lá da faculdade, com calças largas e descidas, top de alças e penteado com franja, e eles também de calças largas, chinelinho e cabelo à surfista de água doce, como o rapazola que apresenta programas na MTV.

Há um ruído constante nos CC, das vozes das pessoas, berros das crianças, pratos e chávenas, moinhos de café, tabuleiros de plástico sendo batidos e arrumados pelas senhoras da limpeza. Gostava de poder medir o ruído num CC, com uma daquelas maquinetas engraçadas, mostrador digital, não sei quantos dB, lê-se dê-bê. As senhoras da limpeza, voltando à sociologia e ao preconceito, teorias de hierarquia social e afins, as senhoras da limpeza têm a minha compaixão. Passam oito ou 12 horas em pé, de um lado para o outro, a limpar as mesas que emporcalhámos e a recolher as merdas que lá deixámos, quando saímos sem nos preocupar. Ah e tal é o trabalho delas. ‘Tá bem, mas nós somos porcos. Estas senhoras, e há aqui algumas que aparentam ter passado a idade da reforma, são exploradas pelo valor mais baixo, neste país merdoso que vive a barreira dos 500 euros, que conheci um suíço e o tipo ficou parvo quando lhe disse que o salário mínimo nacional aqui ronda os 380 euros, muitas destas senhoras da limpeza são africanas e nem falam português, escondem-se da supervisora atrás dos pilares para atender o telemóvel, ninguém sequer lhes agradece quando levam a tralha da mesa. Por que raio agradecemos à brasileira que nos dá o café e cobra por isso, e desprezamos, sem lhe dirigir uma palavra, a senhora que nos limpa a mesa de borla?

Vou buscar um Big Mac. Não quero ser diferente.

quinta-feira, 1 de setembro de 2005

Feliz ano novo.

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Para variar...
...cinema europeu. De tanto bater o meu coração parou, directamente de França; Os edukadores, de Berlim. No King ou Monumental, em Lisboa.

quarta-feira, 24 de agosto de 2005

Basileia é a cidade mais quente da Suiça. No norte do país, cortada pelo Reno, ladeada por território alemão e francês, Basileia é uma antiga cidade industrial, com grande tradição na alquimia, a química de hoje e das grandes farmacêuticas. Porque o país é trilingue, Basileia pode ser Bale, em francês, ou Basel, em alemão e inglês. O turismo vende Basileia como a capital cultural da Suiça e a cidade alberga, de facto, cerca de 30 museus. Foi num deles que me deparei com O Português Emigrante, pintura de Georges Braque, datada de 1911. Agosto em Basileia, que mais pareceu Outono.


O Português Emigrante, 1911, Braque


O Kunstmuseum é o ponto de partida para qualquer périplo museológico pela cidade. Porque é o maior, porque a sua exposição permanente reúne todos os grandes nomes da história da pintura do velho continente, como Kandinsky, Picasso, Magritte, Chagall, Munch – onde pára O Grito? –, Gaugin, Van Gogh, Monet, Renoir, Manet, Cézanne, Degás, Delacroix, Bruegel – que assina um perturbador mas belíssimo O Triunfo dos Mortos, de 1569 (imagem grande) –, Miró, Dali e Matisse, entre outros.

O Triunfo dos Mortos, 1569, Bruegel


Foi lá que encontrei a exposição Covering the Real – art and the press picture, from Warhol to Tillmans, uma mostra sobre os media e a forma como é feita a cobertura de eventos que são notícia. Uma pérola.

Um trabalho de Sarah Charlesworth mostrava 45 primeiras-páginas de todo o mundo, do dia 21 de Abril de 1978, data em que o primeiro-ministro italiano Aldo Moro, que havia sido raptado e se cria morto, aparecia, afinal, vivo. Nas páginas tinha sido apagado todo o texto, ficando somente a fotografia alusiva ao evento e outras referentes a outras notícias (se as houvesse), bem como o título do jornal. O trabalho mostrava os diferentes enquadramentos feitos à mesma fotografia de agência, as diferentes localizações na página, tamanhos e destaque. Somente a imagem, sem contexto – para quem, como eu, a data nada dizia, só descobriria lendo o guia da exposição ou pesquisando. O que introduz uma série de questões, desde o mais imediato “porquê assim” do tratamento da imagem em cada periódico, até ao valor da imagem de imprensa por si só.


Neste mesmo tema, numa outra sala, eram projectadas fotografias recebidas em tempo real pela agência suíça Keystone. Somente as imagens, sem qualquer legenda, pela ordem aleatória em que chegavam à redacção. Sucediam-se sem intervalo de tempo predeterminado, que poderia durar dois minutos ou 30 segundos. As minhas notas:

- uma feira de livro algures num país asiático; pessoas folheiam livros numa longa banca, provavelmente de saldos;
- uma mulher vasculha caixotes numa venda de garagem ou mudança; América do Norte ou Latina;
- aviões da British Airways; uma porta de porão de carga aberta mostra apenas “british …ways”;
- incêndios num país tropical (é tudo verdejante); ou uma plantação de droga sul-americana que levou fogo;
- polícia indiana ou indonésia escolta um Volvo, em motas Suzuki de baixa cilindrada (250 ou 500 cm3);
- soldados… Kalashnikovs em punho;
- Durão Barroso :) na Comissão Europeia;
- (bandeira preta, branca e verde com um triângulo vermelho) uma coluna militar em carros civis;
- jovens turistas numa estação de comboio; nacionalidade imperceptível, dada a ausência de referências; os desenhos nas mochilas sugerem um encontro religioso;
- novamente a coluna militar em carros civis; Índia, Paquistão, Iraque?

A fotografia de imprensa, sem legenda, não tem valor? Não passa de uma fotografia banal? A verdade é que, sem legenda de qualquer espécie, apenas pude supor sobre o que ali via retratado. Acertei que os jovens turistas se deslocavam para o encontro religioso de Colónia, porque já havia ouvido falar disso. Mas os meus palpites sobre a nacionalidade dos soldados da coluna militar falharam em grande: a bandeira é da Jordânia. Tudo o resto e mesmo esta última não passou de imagens banais, sem qualquer significado. Quando vemos uma fotografia sem legenda tendemos a olhá-la demorada e atentamente; se a fotografia tiver legenda, acabamos por dar mais atenção à frase que à própria imagem, passando por ela como uma mera ilustração de suporte.

Para descortinar o seu significado, a fotografia de imprensa precisa, sempre, de texto: seja a peça/reportagem ou a legenda.

Porém, logo à entrada da exposição, no hall do terceiro piso do museu estava montada uma instalação de René Pulfer, artista da cidade. Sob o nome News, no chão estavam espalhados 24 pequenos ecrãs LCD, transmitindo a emissão de outras de tantas estações televisivas noticiosas, de diferentes continentes e fusos horários – sem SIC Notícias ou RTP-N.

Mas muito interessante e até engraçado era o trabalho do israelita Omer Fast. CNN Concatenated isolava dez mil palavras ditas por repórteres da estação, construindo-se um novo texto. O vídeo tendia a exprimir e questionar a autoridade – e o controlo, manipulação? – das notícias de televisão. «What the viewer realises is that news reports are riddled with stereotyped, endlessly repeated components that may not be immediately apparent but severely impair the media’s claim to impartiality, objectivity and adequacy.» As transcrições estão aqui.


Um pouco diferentes eram os trabalhos de Martha Rosler. Em Bringing the War Home: House Beautiful e In Vietnam, a nova-iorquina escolheu fotografias de guerra publicadas na revista Life, fazendo fotomontagens com cenas do quotidiano norte-americano.


O francês Bruno Serralongue cobriu o Encontro Intergaláctico contra o Neoliberalismo e para a Humanidade (1996), antecessor do Fórum Social Europeu, e a Cimeira Mundial para a Sociedade de Informação (2003) com uma câmara fotográfica de fole de formato 10x12cm.

De Andy Warhol estavam patentes quatro trabalhos de reprodução mecânica e alteração de fotografias de imprensa: Nine Jackies [Kennedy], Red Race Riot, Five Deaths Seventeen Times in Black and White e Suicide/Silver Jumping Man (tudo entre 1963 e 64).

No fim fica o arrependimento por não ter comprado o álbum/catálogo da exposição, por 60 francos suíços.

Enquanto terminava esta mostra, abria ao público na Fundação Beyeler a exposição René Magritte, a chave dos sonhos. Na mesma casa já se podia ver Picasso surrealista, 1924-1939. Do primeiro impressionaram-me especialmente The Titanic Days (1928), o cachimbo que não o é, The Treachery of Images (1928), The Ignorant Fairy (1950) – de que fiz uma leitura diferente: “a fé ignorante”; a vela é a fé; a fé não ilumina – e The Month of the Grape-harvest (1959) – tão actual: a janela da casa está aberta, todos nos olham lá de fora.

The Titanic Days

The Treachery of Images

The Ignorant Fairy

The Month of the Grape-harvest

De Picasso, para não me estender, apenas O Beijo (1931).

The Kiss

terça-feira, 9 de agosto de 2005

Ben Harper, o incompreendido
Ok, “o sentir vem primeiro”. Mas daí a dizer-se da música de Ben Harper que é essencialmente «muito de Verão (...) que se ouvem bem junto à praia ou na esplanada (...) não importa tanto as canções, que “são bonitas”, mas a forma como as canta, a emoção», isto é redutor.
(no Público de ontem; não linko porque não está disponível)

Ben Harper, caso de estudo pelo raro sucesso alcançado em Portugal - venha quando vier, seja em que sala ou palco for, enche sempre! - tem uma legião de fãs que o conheceu a meio da discografia e que não se preocupou em ver o que estava para trás. É certo que o próprio músico mudou, evoluiu num sentido diferente. Mas esquecer ou desconhecer Pleasure And Pain (1992), Welcome To The Cruel World (1994), Fight For Your Mind (1995) e The Will To Live (1997) e toda a politização da sua obra, é muito redutor.

É como dizer que a estrela vermelha na bateria dos Rage Against The Machine era pra enfeitar. “Fãzecos”...

domingo, 31 de julho de 2005

«Eles comem quase tudo»
«Portugal já foi anexado no mapa dos investimentos espanhóis. Em cinco anos, as mais de 2.000 empresas espanholas a operar em Portugal investiram 10 mil milhões de euros no país, que deixou de ser visto como um mercado externo para passar a fazer parte das regiões da Ibéria. “Nuestros hermanos” não param. O próximo passo desta invasão será a abertura de um novo armazém da cadeia El Corte Inglês. Depois de Lisboa e Gaia, segue-se Évora. Na banca, os nervos estão em franja, com receio de uma megaofensiva do BBVA. É que o sistema financeiro nacional foi abalado quando o Santander comprou o Totta de António Champalimaud e agora os dedos apontam para a aquisição do BPI e para as compras que o Popular quer fazer em Portugal. Tudo uma semana após a aquisição do Grupo Media apital pela Prisa do Jornal El País. Os espanhóis marcam presença em quase todos os sectores da actividade e nem a segurança foge à regra: a Prosegur ganhou o concurso dos aeroportos portugueses.»
Expresso, 30 Jul 2005, Economia & Internacional


Nem mesmo uma área de actividade desqualificada como a segurança as nossas empresas conseguem/querem agarrar? Mas, e os ‘tugas? Ah, claro, andam a construir [obviamente... saberão fazer mais alguma coisa?] em África e no Brasil, onde há dinheiro fácil. Mais fácil ainda que o nosso.

Como escreve, e bem, Nicolau Santos, os espanhóis estão a tomar posições em cinco áreas bem definidas: telecomunicações, energia, água, banca e media. «Perceberam ou é preciso explicar?» As páginas do Expresso deste fim-de-semana fazem o retrato.

Banca
A banca espanhola controla directamente cerca de 15% do sector financeiro português (Santander comprou o Totta a Champalimaud; Banco Popular comprou o BNC a Américo Amorim; BBVA analisa compra de um banco português de «média dimensão») e indirectamente a catalã La Caixa detém 16% do BPI e o Banco Sabadell é o maior accionista do Millenium BCP.

Construção
As construtoras espanholas controlam cerca de 30% do mercado português. A Sacyr comprou a Somague; ACS, número-um em Espanha, detém 10% do Grupo A. Silva&Silva e 45% da Sopol e da CME; Ferrovial detém a Ramalho Rosa; FCC é dona da Cobetar.

Imobiliário e Hotelaria
O Grupo Prasa tem interesses no Algarve e em Loures, além de ter comprado interesses da Lusotur em Vilamoura. No imobiliário português operam ainda as espanholas Hercesa, Aguirre Newmann, WLAR e Reália.
Na hotelaria, as cadeias NH e AC já têm unidades em Lisboa; a Sol Hott soma 11 unidades no país; a Hotusa já inaugurou o primeiro de três hotéis em Portugal, além de deter a gestão de cerca de uma centena de unidades; o Grupo Pransor controla os hotéis AS e as lojas de conveniência ARS.

Combustíveis
A Repsol é a segunda maior distribuidora em Portugal, depois da Galp e após ter comprado a rede Shell. A Cepsa, com 150 postos, está em quarto lugar.
[A Galp quer acabar com a refinação, para se dedicar ao gás natural (mais rentável, porque mais barato de operar - afinal, são só tubos, não é?). Se o fizer, deixa Portugal dependente não da matéria prima petróleo (como já é), mas também (e mais grave) do produto acabado!]

Energia
A Endesa está no capital da Tejo Energia e Central Termoeléctrica do Pego, além de ter comprado a Finerge (ramo eólico; comprou à Somague). A Iberdrola e a Gamesa são concorrentes (com a Galp) ao concurso de atribuição da energia eólica em Portugal. A Iberdrola detém 4% e 5,7% na Galp e na EDP.

Pronto-a-vestir
O Grupo Inditex controla a Zara, Massimu Dutti, Pull&Bear, Stradivarius, Oysho, Zara Home, somando 250 lojas. O Grupo Cortefiel, além das mega-lojas com o seu nome, detém as Springfield, Women's Secret, Pedro del Hierro, Douglas e Milano, totalizando mais de 50 unidades.

Alimentar
No sector alimentar os espanhóis têm uma quota não inferior a 15%. Panrico, Campofrio, Nutrexpa, La Menorquina e a líder mundial nos ultracongelados de peixe, Pescanova - são todas nossas conhecidas.

Media
O Grupo Prisa comprou a Media Capital (TVI; revistas Lux, Maxmen; jornal Metro; publicidade exterior e conteúdos para internet, como os portais Agência Financeira, Portugal Diário, Mais Futebol e IOL; rádios Comercial, Best Rock, Cidade e Rádio Clube Português). A Recoletos domina a imprensa económica, detendo o Diário Económico e o Semanário Económico. A Prensa-Ibérica fechou A Capital e O Comércio do Porto, na falta de comprador. Na distribuição, a Logista (ex-Midesa) reparte o mercado com a VASP - uma distribui o Público e outra o Expresso, por exemplo, além de dezenas de outros títulos.

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Ventilar
No DN, secção Media, edição de quarta-feira:
«Porém, as mesmas não chegaram a bom porto porque, segundo se ventilou na altura, o grupo espanhol terá colocado condições inadmissíveis...»

No DN, secção Media, edição de quinta-feira:
«Numa altura em que no mercado televisivo se ventila a hipótese de Francisco Penim vir a ocupar um alto cargo executivo...»

(o jornalista não é o mesmo, por isso será uma coincidência o termo aparecer no mesmo jornal e na mesma secção)

Os sublinhados são meus. O dicionário diz-me que ventilar significa, no figurativo, debater ou discutir. Olhando para o contexto dos excertos, eu diria que o uso do verbo está incorrecto, porquanto o sentido que lhe pretendem atribuir estará mais próximo de veicular, falar, dizer, conversar ou mesmo comentar. Assim: numa altura em que no mercado televisivo se fala/comenta a hipótese de etc e tal.

Vi/ouvi (sim, TV e rádio...) pela primeira vez esta aplicação do verbo ventilar nas notícias desportivas. E por preconceito, ri-me, desculpei, engoli. Agora, na imprensa de referência?

De resto, a palavra é... nojenta! Sai um dicionário de sinónimos prá redacção ali à Av. da Liberdade.

quarta-feira, 27 de julho de 2005

«Blitz, música e cultura jovem»
Passaram anos sem comprar, folhear ou sequer olhar a primeira-página do Blitz. Hoje larguei o meu euro e levei o jornal comigo para a mesa do café, com o único objectivo de “deixa-me cá ver como é que isto está de saúde”.

(sublinhados meus)
Página seis, com o título «Baile de finalistas», soltei o primeiro suspiro. «A primeira banda do reggae branco deleita um coliseu cheio de público nostálgico» era o sub-título ou super-lead (?), de um texto que passei à frente. Aparte o erro e a imprecisão do super-lead (?), pergunto ao Gonçalo Frota: não havia título mais vazio?

Na página oito, encimado pelo título vazio, morto e nada apelativo «A tua presença», e pelo super-lead «A verdadeira diva da MPB conquistou o Coliseu dos Recreios na primeira de três noites para lançar o novo álbum», estava um texto sobre um concerto de Maria Bethânia. Da peça destaco «…estava rendido a Bethânia desde que ela entra em palco ao som da…», além de duas referências a uma MPB não explicada – apesar de facilmente se conjecturar que seja Música Popular Brasileira – e de duas frases começadas por «E, …». Belo trabalho, Jorge Mourinha.

Na página 10 havia uma reportagem sobre o Festival Tejo. Um redundante «Noites do Tejo» abriu um trabalho de Tiago Carvalho, uma reportagem que tentou ser madura e focar o carácter inter-geracional dos festivais de música da época de Verão. Daí as imensas referências que o jornalista fez à idade dos veraneantes com quem falou: Alexandra, 40 anos; uma senhora de 61 anos; Francisco, 45; Rita, 17; Telma, 21. Pena que o texto não deite uma gota, quando espremido. Lá no meio, assim como que caída do céu, esta construção: «Antes da entrada em palco dos Xutos…».

Na página 20, com o título «O mundo num castelo», que já não comento, encontrei uma peça sobre o Festival Músicas do Mundo e no lead um FMM caído de pára-quedas, mais uma vez.

Parei no cinema, à página 29, num texto de Jorge Mourinha, bem redigido e interessante. Somente saltaram à vista o título rebuscadíssimo «Sexo, drogas e rock’n’roll» e – logo na primeira linha, isto é que é pontaria – uma «Antárctica». Nota positiva, pá. Mas, ou é Antártica ou Antárctida.

É esta a imprensa portuguesa de «música e cultura jovem». Oh dona Rosa, tome lá o jornal de volta e dê-me antes um pacote de pastilhas, se faz favor...

domingo, 24 de julho de 2005

TVI: lê-se "tê ubê i", em castelhano, por supuesto!
Em Portugal trabalha-se para sustentar Espanha. Olhe-se para Miguel Pais do Amaral, que vendeu os activos da Media Capital à espanhola Prisa.

Perguntem lá outra vez: porque é que o país não cresce?

sexta-feira, 22 de julho de 2005

Agenda-setting

Após ler no Lóbi isto...
«Estava a ver o Telejornal (RTP) quando surge uma reportagem que relatava uma investigação a 14 alunos que alegadamente copiaram no exame de Matemática. Como não queria acreditar que esta notícia tivesse a dimensão de uma notícia nacional, mudei. A TVI estava a acabar uma peça sobre fraude no desemprego e inicia, imediatamente, a reportagem sobre a hipótese de 14 alunos terem copiado o exame nacional de Matemática.Mudei novamente. No FOX está a dar Will & Grace. Estou-me nas tintas para o país.» (post aqui)

...perdi uns minutos, embora apressados, confesso, a alinhavar este comentário:
«Existem oito principais critérios de noticiabilidade, a saber: actualidade; proximidade; proeminência; curiosidade; conflito; suspense; emoção; consequência. Não obstante a forma, certa ou errada, adequada ou não, como certos acontecimentos são tratados pela imprensa televisiva (portuguesa ou não), tento aqui ajudar a perceber (e a perceber eu mesmo, com este exercício) a noticiabilidade desse evento, a suspeita de que 14 alunos de uma escola de Braga tenham copiado no exame nacional de matemática.

A actualidade resulta aqui essencialmente do factor de oportunidade do evento, no sentido da sua contemporaneidade para com o público.

A proximidade, que será temporal, geográfica, psico-afectiva e social, justifica-se neste caso tendo em conta o destinatário daquela notícia: um jovem estudante, sua família; todos os jovens estudantes que realizaram o exame (dezenas de milhares?), suas famílias. Temporalmente, porque é esta a altura dos exames nacionais (por si e por cá, motivo de notícias variadas); geograficamente, porque é um caso bem localizado (centralizado em Braga, envolvendo 14 pessoas), mas que, por outro lado, tem alcance nacional; socialmente porque, sendo sobre uma franja da sociedade (os estudantes do 12º ano), envolve dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares de pessoas, directa e indirectamente (alunos, famílias, professores, sistema de ensino).

A curiosidade compõe-se de o desejo de ver ou conhecer, estimulado por factos que têm algo de estranho ou raro. Este acontecimento não será, por si, raro, pois estou certo que todos os anos haverá dezenas de provas anuladas na hora por cábulas ou afins, que não são notícia. Posteriormente, quando o corrector detecta casos estranhos, é curioso que este se construa de 14 alunos de uma mesma escola. (Faz lembrar o caso dos alunos que meteram atestado médico para não fazer exame, aí há uns anos, caso esse também bastante centralizado)

O suspense entra aqui em cena porque se trata de um caso de suspeita. Ou seja, o desfecho é desconhecido e por si, é motivo de interesse.

Agora JCS, quantas outras notícias há, mais pobres que esta em motivos para serem emitidas, todos os dias nas TVs portuguesas? Nem tudo agrada a todos os públicos. E isto é a agenda mediática a trabalhar: conteúdos diversificados para públicos variados. E pelo menos esta notícia teve interesse para uns bons milhares de miudos. Eu mesmo, se fosse há uns anos, teria ficado muito curioso. Apetece dizer: “give the kids a break”.

Abraço

P.S.: não obstante, o Verão é a época mais pobre na imprensa nacional… ainda não começaram a aparecer os cães surfistas?»

domingo, 17 de julho de 2005

WORLD PRESS PHOTO
Chega a Lisboa dia 30 de Setembro.
www.worldpressphoto.nl

quinta-feira, 14 de julho de 2005

Nasceram duas publicações
Jazz.pt é uma nova tentativa de entrada no mercado de uma revista sobre jazz, em português. Bimestral, custa 5,00eur e encontra-se na Fnac, por exemplo. Propriedade do Jazz ao Centro Clube.



Fest Forward Magazine é pioneira no género: uma revista em forma de guia dedicada a festivais, sejam eles de música, dança, teatro, cinema, fotografia e demais correntes artísticas. Uma lufada de ar fresco no mercado. Aliás, qual mercado?! A Fest Forward Magazine custa nicles, é trimestral e o número-zero já anda a circular por aí, com a promessa do número-um para Setembro (abordando o trimestre Out/Nov/Dez). Procurem-na (para já, à porta do festival mais próximo), porque vale a pena.

Filipe Pedro é o Director, Gonçalo Guedes-Cardoso o Director-Adjunto e Ana Serafim a Editora, que dirigem um leque de jovens escribas.

terça-feira, 12 de julho de 2005

O choque [tecnológico] necessário
O país precisa de um choque tecnológico. Disse-o o Governo e digo eu, pese embora as minhas ideias diferirem um pouco das do Primeiro-Ministro, o Eng. José Sócrates – ou Socky, daqui em diante.

Em traços gerais, a estratégia do executivo é levar a banda larga a todo o país, a todo o tipo de serviços, dotando os públicos disso mesmo e facilitando (?) aos privados o acesso. Serviços de impostos, de justiça, de administração e gestão, local ou não, o Socky quer tudo online. Os hospitais em vídeo-conferência, para que não se perca no interior a oportunidade de ter um especialista do Santa Maria a ver um doente de caso bicudo. A criação de empresas numa hora. Pedir segundas-vias de livretes e registar veículos na DGV pela internet. E tudo o mais que se possa imaginar. Este é, grosso modo, o choque tecnológico do Socky e dos seus amiguinhos.

Já eu, assim a modos que vejo as coisas de forma diferente. E vou falar somente do tecido privado, supostamente – ou “preconceituosamente” – de melhor e mais longa formação, mais competitivo em todas as unidades da sua verticalidade e horizontalidade – porquanto está sujeito à concorrência, dos lugares e dos outros –, mais preparado e mais “século XXI”. Ora quando o tecido privado não sabe usar a internet, estamos bonitos. Quando um email demora dias a ser respondido (quando é), e quando a resposta não tem nada do que se solicitou, estamos um bocado verdes. Quando a internet deveria servir para diminuir custos e tempo, mas nos pedem que, ou «envie por correio ou por fax», ou ainda que telefonemos, estamos a achar pouca graça. Quanto, pronto ‘tá bem, optámos por telefonar e nos dão o «número directo» ao invés de passar a chamada, ou ainda quando se justificam que é melhor ligar e perguntar «porque senão eu tenho de procurar isso aqui no “sistema” e ‘tá a ver, não é?», então estamos… com cara de parvos, concerteza.

Por isto e muito mais, eu proponho o choque eléctrico. Sim, esse mesmo, em cadeira de carvalho ou pinho, à moda do Texas. Porque de outra forma não vamos lá. Ou melhor, vamos sim, e vão os que têm dois dedinhos de testa, para outro lado – leia-se, para um país civilizado. Portugal é o melhor sítio para se viver, sem dúvida. Mas se se quer trabalhar, é de fugir.

sábado, 9 de julho de 2005

24º Estoril Jazz, 2005
8 de Julho, JAPP – The Charlie Parker Legacy Band


E à quarta noite fez-se jazz
Charlie Parker Legacy Band – o nome, só por si, já augura bons momentos, não tivesse Parker deixado uma marca indelével naquilo a que chamamos jazz. E o que é isso, precisamente, de jazz? Que nem se perca tempo tentando delimitar um conceito, porque tal é impossível e a resposta é tão simples quanto complexa. Porquê? Porque jazz, meus senhores, jazz foi o que se ouviu ontem, na quarta noite do festival do Estoril.

Só pela aparência o sexteto já cumpria com a imagem habitualmente predefinida do que é jazz: músicos negros americanos, barrigudos quanto-baste, daqueles que têm jazz nas veias e por isso tocam de olhos fechados, bem-humorados, e no que aos saxofonistas diz respeito, expressivos nas caretas de esforço e prazer que todos os fotógrafos desejam poder registar, a preto-e-branco, obviamente.

Logo aos primeiros acordes o público presente no Parque Palmela não conseguiu conter a satisfação. Porque o repertório de Parker é largamente conhecido, os comentários de fila de trás, daqueles que nos batem na nuca, foram uma constante entre os cavalheiros que, quixotescos, iniciavam suas donzelas no culto do jazz, quais booklet de CD, enquanto no palco os temas desfilavam alegres.

Como se tratou de interpretar pautas alheias, não houve espaço para improvisos ecletistas, somente para muita melodia. E nisso teve especial responsabilidade o trio de saxofonistas-alto, que bem aproveitou e muito agradou. Vincent Herring, repetente no Estoril, mais uma vez não deixou ninguém indiferente, porquanto o seu talento parecia sair em chamas do seu saxofone – admirável. Jesse Davis, natural do sítio onde tudo começou, Nova Orleães, também sobressaiu, apaixonado, cheio, estupendo. Wess Anderson, o mais jovem, foi porventura o mais fraco, contudo irrepreensível.

No conjunto, um nome saltava à vista. O veteraníssimo Jimmy Cobb, nascido no ano em que Wall Street “crashou”, baterista de formação que ao longo da sua carreira tocou com tantos e tão dotados músicos de jazz que só menciono um – Cobb é o último dos homens que gravaram o histórico Kind of Blue, de Miles Davis. Ontem, Cobb encantou e os seus solos fizeram-me perceber que até então eu vinha sendo intrujado por sucessivos bateristas. E confirmaram que o epíteto “lenda viva” serve, unicamente, aqueles que além de tocar há muito tempo, tocam muito, realmente muito bem.

A prestação de Ray Drummond, o baixista, foi a melhor que já vi no meu parco trajecto de jazz in loco. Nas mãos de Drummond – “lenda júnior”, nas palavras de Herring – o baixo não é um acessório, não está só lá no fundo, não passa despercebido e, acima de tudo, “percebe-se”.

Embora discreto, o pianista Ronnie Matthews foi peça essencial em todo o espectáculo, uma enorme bússola.

No final, era visível a satisfação estampada no rosto de quem descia o macadame rumo ao mar, ainda trauteando um “Quasimodo” ou “Parker’s Mood”. Que raio, nem o vento apareceu!

quarta-feira, 6 de julho de 2005

24º Estoril Jazz, 2005
1 de Julho, Quarteto de Von Freeman


Von Freeman, o maratonista do saxofone
Jazz em modo long play é a primeira ideia que ocorre sobre a prestação de Von Freeman e seu trio ontem à noite, no concerto inaugural do 24º Estoril Jazz/Jazz num dia de Verão. Isto porque o espectáculo, dividido em duas partes, ficou marcado pela longa duração dos temas tocados, uma vez que, quase sem excepções, Freeman e o seu trio solaram à vez. Apesar dos seus 83 anos, o saxofonista tenor correspondeu ao que se poderia esperar e nunca deixou esmorecer o público.

Ao agradável espaço do auditório do Parque Palmela, mesmo apesar do vento frio do mar, compareceu uma audiência capaz de compôr a casa, embora não tenha chegado à lotação máxima. A assistência pareceu heterogéna quanto-baste, ainda que se notassem muitos experimentados. Não, não digo que fossem velhos, que esses são os trapos. Mas sim que, para quem frequenta a época de espectáculos de jazz da grande Lisboa, havia muitas caras repetentes e cabeleiras grisalhas, o que, se por um lado é prova da consolidação destes eventos, por outro é imagem da dificuldade desta corrente musical em chegar a públicos mais jovens. O que será que falta fazer?...

Von Freeman, uma das velhas figuras da escola de Chicago, ali envergando uma singela camisola amarela, casaco de “fato-de-treino” e óculos escuros, apesar de não conseguir sprints dignos de registo olímpico, quando era hora de regressar à frente do palco – uma vez houve que o músico, depois de ter entregue o palco aos seus jovens acompanhantes, não conseguiu regressar a tempo e teve que começar a tocar sem estar perto da frente nem do microfone –, venceu na corrida da performance. Várias vezes gritou ao seu trio um irónico «go for it baby!», a fim de o mandar calar, pois era tempo de entregar todo o seu fôlego ao saxofone, em improvisos nuns momentos mais duros – Perrilo, o pianista, não disfarçou algumas caretas –, noutros mais melódicos e perceptíveis a ouvidos menos treinados.

As interpretações foram longas, como já se disse, mas variadas. Em Speak Like a Child, de Herbie Hancock, o trio Ron Perrillo (piano), Denis Carroll (baixo) e George Fludas (bateria) teve espaço para brilhar, com Perrillo conseguindo até arrancar do público a maior parte dos gritos e assobios de aplauso da noite. Tiveram ainda lugar Miles Davis, uma fenomenal e intensa versão de A Night in Tunisia, de Dizzie Gillespie, e quando as luzes já estavam acesas e a assistência aquecia só com a ideia de regressar ao interior dos seus automóveis, Freeman voltou para uma Yardbird Suite, de Charlie Parker. Se disser que tudo durou mais de duas horas e um quarto, com o devido desconto do intervalo para convívio e refrescar da garganta, certamente não estarei a exagerar.

Desempenhos aparte, outras duas coisas ficaram perceptíveis naquele espectáculo. Que o afamado crítico José Duarte se fez notar, mais uma vez, altercando com um espectador que não havia problema algum em estar ao telefone e que ele, o espectador, certamente não sabia quem ele, José Duarte, era – episódio triste, para dizer o mínimo. E também que entre Freeman e o seu trio existia um fosso, não de idade ou de talento, mas de maturidade – claramente foi um conjunto composto para a [última?] digressão europeia do velho saxofonista.

sábado, 2 de julho de 2005

Blogar requer tempo e disponibilidade mental. Coisas que têm faltado, por estes lados. Mas como me reconciliei com a vida durante umas horas, fui ao CCB espreitar umas coisas penduradas nas paredes.

A colecção da mostra “Lisboa Photo 2005” patente naquela sala, foi uma desilusão. «É arte, estúpido», dir-me-ão. A mim soube-me a falta de originalidade e pobreza. Um euro e setenta e cinco para o lixo e um arranque em tropeção que dificilmente me levará a visitar algumas das outras colecções, expostas algures na cidade.

A exposição “Espelho Meu, Portugal Visto por Fotógrafos da Magnum” é também – para usar um vocábulo agora muito na moda política cá do burgo – um embuste. As anunciadas três partes (de 1955 até à revolução de Abril, com imagens de Henri Cartier-Bresson, Inge Morath, Thomas Hoepker e Bruno Barbey; durante a própria revolução, com trabalhos de Guy Le Querrec, Jean Gaumy e Gilles Peress; e após 1976 e até à actualidade, com trabalhos de Bruce Gilden ou Martin Parr) de um conjunto de mil fotografias sobre Portugal esquecidas e agora encontradas nos arquivos da agência Magnum, mais não são que um conjunto de três fotos por autor. E as próprias imagens escolhidas não satisfazem. Ficamos à mingua…

Para compôr o ramalhete, «as comissárias decidiram complementar e actualizar esta visão através de novos projectos […] Susan Meiselas, Miguel Rio Branco e Josef Koudelka foram convidados, em 2004, a realizar missões em Portugal […] Meiselas, que nunca antes cá tinha estado, dedicou-se ao Bairro da Cova da Moura». Mas alguém se esqueceu de regar as flores e como por cá parece que vivemos tempos de seca, murchou. Francamente pobre.

O único aspecto verdadeiramente interessante desta exposição é o documentário em projecção na sala intermédia – que, aliás, já passou várias vezes no canal dois da RTP. Um filme que parte da tal descoberta de imagens arquivadas sobre Portugal, e que vai ao encontro daqueles que cá vieram fotografar e filmar, no período de 1974/75. Realmente agradável, rico, esclarecedor até, e importante na medida em que mostra excertos de documentários por demais elucidativos sobre o Portugal pequenino e dos pequeninos – da pequenez? –, mais visível naqueles anos.

Estes filmes, aliás, foram reunidos e editados em DVD pelo Público, aquando dos 30 anos do 25 de Abril. São documentos valiosos. E “Torre Bela”, de Thomas Harlan, deve ser visto.

Portanto, vou fingir que o bilhete que paguei se destinava ao visionamento deste documentário, e que as fotos lá expostas também se dispunham somente a embelezar e preencher o espaço envolvente. Mas vale a pena, então, por isto.

sábado, 28 de maio de 2005

Coisas antigas e sem data V

Este filme já passou na minha sala. Como será que acaba desta vez? As reposições terminam sempre da mesma forma e é disto que tenho medo, hoje.

No primário de tudo isto, senti-me vivo. E a hora e meia que levou rodar a cena nocturna, por entre um Tejo salpicado de luzes e versos cantados a voz quente, foi dos momentos mais bonitos que vivi. As tuas palavras doces, as tuas gargalhadas, repetires quão bonita e preciosa é a tua mãe e a sinceridade nua e limpa com que te confessaste e com que te disse que cada balde que puxo do teu poço é puro sentir - tudo isto foi a cena perfeita, porém filmada três stops abaixo. É que, com os truques certos, os erros de revelação podem reverter-se. No entanto, quando o que falha é o tempo de obturação ou a disponibilidade do diafragma, sempre fica tudo muito claro ou muito escuro, numa gradação que sempre sempre resulta invisível.
Coisas antigas e sem data IV

A minha obsessão pelo documento impediu-me de ver para além da linha ténue que demarca o campo da arte. É uma miopia de que sofro. Esta limitação para a criação é uma terrível frustração. Tanto mais que a vontade é grande. A beleza sim, vejo-a. Mas nunca a consegui captar. E na necessidade de alguma mudança, interrompi.

A visualização diária do real custa, consome. Mas revigora, também. O exercício de observação do barco no rio, da água que se separa no casco, das pessoas bonecos sérios, do cego no metro, do velhote sentado no jardim e de todos os outros e de tudo o mais, é extasiante por ser belo. É a realidade que não magoa – porque não é a nossa.

Se naquela manhã ele tivesse demorado um pouco mais no banho, provavelmente estaria morto, esmagado por uma parede de tijolo. O gás teria continuado a sair pelo bico sem chama do fogão, porque um púcaro de leite foi esquecido e ferveu e derramou e abafou o lume mas não o gás. De lençol à cintura, foi quando sentiu o cheiro forte a propano e então caminhou, vagaroso, seguindo o ruído sssssssssssssssssss e girou o botão. Abriu uma janela e outras mais pelo caminho até ao quarto. Cinco minutos mais, ou quatro ou três ou dois ou apenas um e o gás poderia ter subido à flama do esquentador, meio metro acima.

Mesmo assim, o ferry continuaria a cortar o rio, as marionetas iriam para o emprego, o cego a pedir no metro e o velhote a deitar pão aos pombos e todos e tudo porque o sol se haveria de pôr também.

A realidade em que somos actores principais, o dia que amanhece na nossa almofada e ali acaba horas depois, consome-nos; e porque não a vemos de fora, encontramo-nos de mãos e pés atados e com uma mordaça. E é silêncio e é cinzento. Umas vezes mais claro, outras vezes mais escuro.

A simplicidade das coisas não-objectos assusta e arrebata. Mas, que assalte – sim; que assuste – não.
Coisas antigas e sem data III

O senhor não se importa?
«O senhor não se importa de se chegar para o lugar do lado? É que eu não dobro esta perna e então...» E sentou-se. De imediato se justificou perante os que estavam naquele bloco de assentos do metro, esclarecendo que os lugares reservados a deficientes estavam todos ocupados e que... Quanto à perna que não dobrava e na qual calçava um sapato com um tacão alto em madeira, «foi em Moçambique, em 1961 – tinha trinta e cinco anos».

«É que eu já fui perfeito, sabe? Mas um acidente nos comboios, em Moçambique...» Pela forma como repetia Moçambique, Moçambique, Moçambique, adivinhei que estaria para vir a conversa da descolonização. Qual seria a posição deste velho coxo face à debandada portuguesa? Sinceramente, pouco me interessava.

O vizinho ouvia, acenava compreensão, balbuciava acordo, mas não escondia o desagrado pela expropriação do seu banco, onde tentava, trémulo, fazer as palavras-cruzadas, recortadas de um jornal. De olhos no chão e guardando o pedaço de papel no bolso do casaco, «pois, pois... claro, claro». Reformado, também na casa dos setenta, «não, nunca estive em África».

Mas o velho coxo continuou e enveredou pelas histórias vividas em setenta e quatro e setenta e cinco. Não hesitou em demonstrar a paixão assolapada que tinha por personagens como Almeida Santos – «esse cão» –, Mário Soares – «esse bandido» – ou Otelo Saraiva de Carvalho – «esse energúmeno». Segundo ele, «foram esses bandidos que estragaram a vida dos de lá e dos de cá». Lá, que era a sua terra – havia nascido em Lourenço Marques.

Insultos, episódios de venda de imóveis por quantias avultadas, Samora Machel, a aventura daqueles que regressaram com a camisa do corpo. Os seus olhos, guardados por detrás de um par de lentes grossas, percorriam-nos, ansiando ouvir algumas palavras de acordo. Eu, a mulher que estava ao meu lado, o velho das palavras cruzadas. Mas mesmo não tendo uma assistência particularmente interessada, o velho coxo continuou o monólogo.

A fome em África era um assunto que o perturbava. «Até choro, quando vejo na televisão aqueles miúdos esqueléticos!» Quem não chora? A indignação era grande, pois «quem lá tivesse vivido nunca poderia pensar que, algum dia, houvesse fome naquele país». Foi então que as suas mãos deram de si, perdendo a bengala de madeira, que parou nos meus pés. Num esforço para não deixar cair muito mais, agradeceu-me a amabilidade do gesto e mergulhou na mágoa daquelas recordações, em silêncio.

Era segunda-feira e o comboio seguia veloz, estação a estação, repleto até ao topo. O ar carregado de suor, o cego que pedia «a moeda mais pequenina», a gorda que lia a Maria, o par de engravatados que viajava de pé. Estavam todos lá, como sempre, desde sempre.

Outra travagem, novamente o alarme das portas, mais gente que entra no comboio lotado, porque onde cabem mil, cabem dois ou três mil mais. Dando tréguas ao coração, o velho coxo quebrou o silêncio e pediu perdão pelo desabafo. Mostrava-se aliviado mas também envergonhado – certamente aquela situação seria frequente.

Tão frequente quanto a de um outro sujeito com quem me tenho cruzado, também no metro (sempre no metro!), e que vai ameaçando uns tipos que eu não conheço, que ninguém conhece – duvido mesmo que ele os conheça –, referindo-se a uma dívida de uns milhares de contos. E vai nisto toda a viagem, sempre de pé, quase gritando, visivelmente perturbado e excitado. Mas hoje não é ele, é o velho coxo de setenta e seis anos, que viaja mesmo à minha frente.

«Para ir para o Cais do Sodré tenho que mudar no Chiado, que é a próxima, não é?» É sim.
Coisas antigas e sem data II

Imaginava ser revistado, passar por um detector de metais, ter que deixar alguma identificação à porta, ser seguido por uma panóplia de cameras de vídeo ou agentes, fardados ou de fato. No fundo, aquilo a que quatro séries de X-Files me habituaram. Mas não foi nada assim. Nem Skinner, nem Mulder, nem Scully, nem Cancer Man. Apenas um sujeito ridiculamente baixo e em nada intimidante que, para chegar ao balcão estaria, certamente, em bicos de pés. Nem o autêntico caixote que é a minha mala quiseram ver aberta. Estive quase a pedir-lhes que o fizessem, na tentativa de imprimir um ar mais hollywoodesco à coisa. «Traz consigo alguma arma, algum objecto cortante?»

Depois de esperar perto de uma hora, ao ritmo de discussões de teor benfiquista entre o porteiro com ar de funcionário público e outros dois indivíduos que estavam na zona de espera, subi, finalmente. A caminho do elevador passei pelo pórtico de detecção de metais, apesar de não me ter sido exigido – tristemente, o aparelho não piou. «Quarto andar, sala 412.»

O elevador era minúsculo e velho, daquele com botões grandes e uma grade de correr, e cheirava terrivelmente a tabaco. Desiludido, esperei que aquilo melhorasse na secção a que me dirigia. Na viagem, imaginei um hall de entrada, uma recepcionista, vozes, telefones e bater de teclas. Quando abri a porta deparei-me com um corredor estreito, portas e mais portas em madeira velha pintada de branco e umas chapinhas azuis com a indicação das divisões. O soalho rangia a cada passo. Era um antigo edifício de habitação, agora convertido, na Alexandre Herculano.

“Fraudes creditárias”. Fui recebido por um homem que não devia ter sequer trinta anos, em calça de ganga e camisa, num gabinete de paredes amarelecidas. A sala tinha duas secretárias, dois computadores, uma janela com vista para as traseiras do quarteirão. Nada daquilo remetia ao universo polícial de qualquer pessoa que tivesse nascido na era da televisão.

Chateado por não ter almoçado ainda, vi as fotografias a correr e não consegui identificar o brasileiro gordo que, em Agosto, comprou uma máquina fotográfica com um cartão de crédito ilícito. Passaram três meses, outra coisa não seria de esperar. Contudo, o sujeito estava preso e a minha presença ali era para prestar declarações que seriam anexadas ao processo. Como não domino o léxico policial, o meu depoimento necessitou de confirmação frase a frase, arrastando-se por quase quarenta minutos.
Coisas antigas e sem data I

Está frio e chove sem parar. É já de noite quando entro no café, por volta das seis. À porta, sentado à caixa registradora, o velho sovina. Ao balcão, o tipo gordito e baixo, de bigode. Numa mesa, duas mulheres bebem um galão e comem bolos. Ao lado, um sujeito aprumado lança charme às tipas, enquanto folhea o Record. Entro, peço o meu café cheio, sento-me.

Abro o jornal, que comprei ainda de manhã, e leio sobre os atentados na Turquia e a viagem de Bush a Londres. Entra uma senhora com uma criança pela mão. Pede um bolo de arroz, recebe o talão, dirige-se ao velho para pagar. O gajo conta as moedas e deixa cair cada uma no seu respectivo lugar. Porque tudo tem um lugar.

- “Óh senhor Fernando, alcance aí o bolo de chocolate, sff”.
- “Qual deles?”
- “O que...”
- “Você não se explica! Quer que eu adivinhe? É que estão aqui dois! Um tem...”
- “O que está no nome da senhora Olinda.”
- “Ah bom, pois assim já sei. Agora, se você não me diz qual é, como é que eu hei de saber? É que estão aqui dois, um com cobertura e o outro s...”
- “Sim, senhor Fernando. Eu sei disso.”

Apeteceu-me levantar e esbofetear o velho. É costume parar lá, para um café apressado, e nunca o vi ser simpático, fosse para quem fosse. Antes pelo contrário, é estúpido que nem uma tábua. Imagino-o, de porta fechada, a conferir cada soma com o total de dinheiro em caixa. Não batendo certo, aproveita para enxovalhar um pouco mais o empregado e a filha. Será o senhorio? Que merda de acordo ou contrato é aquele, que obriga os sujeitos que lá trabalham a aturar o cabrão do velho sovina, que certamente ganha à comissão? Mas isso não é comigo. Nem com o ucraniano que está sentado à minha frente, aprumado à gangster do leste.
Pois é, já nem me lembrava desses dois (ou do último, vá...)
«E é de lamentar que uma das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro - o corte das subvenções vitalícias dos primeiros-ministros - não se aplique aos seus antecessores. Imaginar que Santana Lopes e Durão Barroso vão ter direito a um prémio vitalício pelo lindo serviço prestado ao país é simplesmente intolerável.»
Miguel Sousa Tavares,
Público, 27Maio2005

terça-feira, 24 de maio de 2005

A desculpa portuguesa, com certeza
Ivo Ferreira, o português preso no Dubai por fumar um charro, em entrevista (rápida) à Grande Reportagem (nº228, 21 de Maio):
Sabia que era proibido fumar haxixe?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

O Pudim Royal teve acesso à entrevista na íntegra. Foi assim:
Sabia que se, conduzindo um automóvel a 50km/h, não parar na passadeira quando peões atravessam, pode atropelá-los e matá-los?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Sabia que se passar o sinal vermelho num cruzamento pode provocar um acidente?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Sabia que se o sinal está vermelho, por alguma razão é?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Sabia que esse princípio serve também para os sinais de STOP e para a sinalização de "via fechada" na Ponte 25 de Abril?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Sabia que se se atirar de um prédio de 20 andares, provavelmente estatela-se no chão e vai desta pra melhor?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Sabia que quem anda à chuva, molha-se?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Sabia que George W. Bush foi re-eleito?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

E sabia que José Sócrates é Primeiro-Ministro de Portugal?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

E que Santana Lopes é um palerma?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

E que Ratzinger é ultra-reaccionário e conservador?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

E que os bebés não vêm de França, no bico de uma cegonha?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Então e o Ivo sabia que está a ser completamente estúpido ao responder dessa forma à pergunta original desta entrevista?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

E que é, realmente, um perfeito otário?
- Sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse.

Resumindo, esta do «sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse» é a desculpa portuguesa por excelência. Depois de um acidente de viação, diz um sobrevivente culpado, embriagado e tudo o mais: «sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse»; e o Sampaio, agora que remendou o erro de empossar Santana: «sabia, mas nunca pensei que isto acontecesse»; e por aí fora...

quarta-feira, 4 de maio de 2005

Ratzinger no "Directo ao Assunto"
aqui

domingo, 1 de maio de 2005

Pernicioso exercício dedutivo, ao bom estilo de “penso, logo existo”, feito a lápis e entre um café e um cigarro
Se a realidade de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro corresponde a uma “patologia da normalidade”; se a religião é o instrumento último para a procura da felicidade; se não tendo acesso à religião, as gentes de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro eram infelizes, porque “patologicamente normais”; se a Igreja Católica não é uma instituição democrática mas sim uma hierarquia fechada – «há os que mandam e os que obedecem», esclarecem-me católicos praticantes convictos – na qual não há espaço para dúvidas ou questões, porque somente pregando uma verdade e uma certeza é que se pode conservar fiéis seguros e crentes – um clérigo não pode confundir um cristão com mensagens dúbias, mostrando, num momento, o caminho e levantando duvidas à doutrina, noutro; então a Igreja Católica prega uma “patologia da normalidade”; e fá-lo no seu seio e igualmente no seu rebanho.

Se a “patologia da normalidade”, como Fromm a teorizou, é nefasta; não menos perniciosa é aquela praticada pela Igreja Católica.

Acordem, senhores! - apetece dizer.