quarta-feira, 6 de julho de 2005

24º Estoril Jazz, 2005
1 de Julho, Quarteto de Von Freeman


Von Freeman, o maratonista do saxofone
Jazz em modo long play é a primeira ideia que ocorre sobre a prestação de Von Freeman e seu trio ontem à noite, no concerto inaugural do 24º Estoril Jazz/Jazz num dia de Verão. Isto porque o espectáculo, dividido em duas partes, ficou marcado pela longa duração dos temas tocados, uma vez que, quase sem excepções, Freeman e o seu trio solaram à vez. Apesar dos seus 83 anos, o saxofonista tenor correspondeu ao que se poderia esperar e nunca deixou esmorecer o público.

Ao agradável espaço do auditório do Parque Palmela, mesmo apesar do vento frio do mar, compareceu uma audiência capaz de compôr a casa, embora não tenha chegado à lotação máxima. A assistência pareceu heterogéna quanto-baste, ainda que se notassem muitos experimentados. Não, não digo que fossem velhos, que esses são os trapos. Mas sim que, para quem frequenta a época de espectáculos de jazz da grande Lisboa, havia muitas caras repetentes e cabeleiras grisalhas, o que, se por um lado é prova da consolidação destes eventos, por outro é imagem da dificuldade desta corrente musical em chegar a públicos mais jovens. O que será que falta fazer?...

Von Freeman, uma das velhas figuras da escola de Chicago, ali envergando uma singela camisola amarela, casaco de “fato-de-treino” e óculos escuros, apesar de não conseguir sprints dignos de registo olímpico, quando era hora de regressar à frente do palco – uma vez houve que o músico, depois de ter entregue o palco aos seus jovens acompanhantes, não conseguiu regressar a tempo e teve que começar a tocar sem estar perto da frente nem do microfone –, venceu na corrida da performance. Várias vezes gritou ao seu trio um irónico «go for it baby!», a fim de o mandar calar, pois era tempo de entregar todo o seu fôlego ao saxofone, em improvisos nuns momentos mais duros – Perrilo, o pianista, não disfarçou algumas caretas –, noutros mais melódicos e perceptíveis a ouvidos menos treinados.

As interpretações foram longas, como já se disse, mas variadas. Em Speak Like a Child, de Herbie Hancock, o trio Ron Perrillo (piano), Denis Carroll (baixo) e George Fludas (bateria) teve espaço para brilhar, com Perrillo conseguindo até arrancar do público a maior parte dos gritos e assobios de aplauso da noite. Tiveram ainda lugar Miles Davis, uma fenomenal e intensa versão de A Night in Tunisia, de Dizzie Gillespie, e quando as luzes já estavam acesas e a assistência aquecia só com a ideia de regressar ao interior dos seus automóveis, Freeman voltou para uma Yardbird Suite, de Charlie Parker. Se disser que tudo durou mais de duas horas e um quarto, com o devido desconto do intervalo para convívio e refrescar da garganta, certamente não estarei a exagerar.

Desempenhos aparte, outras duas coisas ficaram perceptíveis naquele espectáculo. Que o afamado crítico José Duarte se fez notar, mais uma vez, altercando com um espectador que não havia problema algum em estar ao telefone e que ele, o espectador, certamente não sabia quem ele, José Duarte, era – episódio triste, para dizer o mínimo. E também que entre Freeman e o seu trio existia um fosso, não de idade ou de talento, mas de maturidade – claramente foi um conjunto composto para a [última?] digressão europeia do velho saxofonista.

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