terça-feira, 20 de setembro de 2005

Manifesto para a desistência de Mário Soares
«Nós, cidadãos eleitores, admiradores do Dr. Mário Soares e seus potenciais eleitores, que de forma mais ou menos entusiástica reconhecemos o seu papel na luta contra a ditadura e na construção do estado democrático, recordados da elevação dos seus mandatos presidenciais e tendo ainda fresca na memória o clima verdadeiramente nacional e patriótico da comemoração do seu aniversário, pedimos ao Dr. Soares e aos elementos mais lúcidos da sua candidatura a coragem necessária para desistir. As portuguesas e os portugueses precisam do Dr. Soares onde ele estava. Generoso, informado, atento, no despacho da Fundação, em entrevistas e conferências onde discorra sobre a realidade do país e do mundo sem a avidez dos que agem por táctica e com a serenidade de quem não tem outra estratégia que a procura da verdade. É aí que o queremos continuar a ver.

Nem nós, nem o senhor precisa de ouvir a arquitecta Roseta dizer de si o que Mafoma não disse do toucinho. Nem de assistir à multiplicação das estátuas ao autor da Praça da Canção, à sua inclusão no segundo volume da Antologia Século de Ouro. Nem de ler o que a candidatura do Prof. Cavaco já começou a desenterrar das lixeiras. Nem de assistir, ao longo de quatro longos meses, ao esforço militante de Louçã e de Jerónimo.

Em nome da qualidade do ambiente, da esperança, mesmo que infundada, no futuro, do convívio intergeracional, da história de Portugal que os meninos futuros hão-de aprender, desista Dr. Mário Soares. Não houve e poderá não haver tempo para uma alternativa à esquerda para o Prof. Cavaco? É lamentável. Mas o senhor não é essa alternativa. Se ela existe irá aparecer, a esquerda e a mulher ou o homem que a possam representar. E se não aparecer tanto pior e tanto melhor. Assim todos saberão aquilo com que verdadeiramente podem contar.»

Luís Januário, eleitor 4288, freguesia dos Olivais, Coimbra

Copiado ali do lado, do Inansia.

domingo, 18 de setembro de 2005

Vinte e tal euros em revistas, parte IV

Courrier Internacional
edição portuguesa, 16 a 22 Set (semanal), n.º 24
2,50 euros 72 euros assinatura anual

Desde que lia o Pedro Rolo Duarte, ao sábado, no DNa, gabar o jornal e comentar o que lia na edição francesa do Courrier International, que suspirava por não encontrar a publicação nas bancas — excepto raras vezes numa tabacaria do CC Colombo — e mais ainda por ter deixado de praticar o francês, que hoje se resume a dizer que je ne parle pas du français e nem faço ideia se isto está bem escrito. Contudo, chegou a Portugal a edição feita pelo grupo do sr. Balsemão e só a comprei 24 semanas depois. Por ter a possibilidade de ler em português achava menos… charmoso? Não sei.

A verdade é que o jornal tem o seu interesse, é um bom produto para leitura ocasional — sim, ocasional, e não semanal. Porque qualquer serviço de clipping, selecção, tradução e corte, nunca é totalmente imparcial, objectivo — seja lá o que isso for — e desinteressado. Tal como o que faço abaixo.

Desta edição, que contém um punhado de textos relevantes, destaco excertos de um contraponto entre duas posições publicadas no Die Zeit, acerca da candidata a chanceler, Angela Merkel.

Por Susanne Mayer: «Finalmente! É possível? Um século após a obtenção do direito de votação para as mulheres, 50 anos após ter sido instituída a igualdade homens-mulheres na Lei Fundamental, 40 anos após a nomeação da primeira mulher ministra, 30 anos depois de uma mulher ter sido pela primeira vez presidente do Bundestag, ao cabo de décadas de avanços na formação das mulheres e de esforços por uma política de igualdade entre os sexos, é possível que tenhamos finalmente uma candidata à chancelaria? Uma mulher no topo da pirâmide! Em vez de provocar gritos de alegria, isso está a fazer nascer uma vaga de inquietação na Alemanha. Será que ela é capaz?, interrogam-se as pessoas. Será que a Alemanha pode permitir-se ser dirigida por uma mulher? Aliás, é uma mulher?»

Por Susanne Gaschke: «Só pode haver duas razões para votar numa mulher por ser mulher e não pelo seu programa político. A primeira seria o seu valor simbólico numa sociedade onde elas são politicamente discriminadas. Onde lhes é negada a capacidade de exercer a função de chanceler. Onde são afastadas das possibilidades de formação e de carreira e a política dos homens as põe à margem. Está longe de ser o caso da Alemanha.
A segunda razão para eleger uma mulher porque é mulher seria a ideia de que elas fazem uma política diferente, ou antes, melhor do que os homens. De que são mais meigas, mais sensíveis, mais concretas, menos pedantes. Exceptuando o biologismo que subentende uma tal argumentação, isso não corresponde em nada a Angela Merkel. O que a caracteriza é a rigidez, a ausência de escrúpulos, a vontade de poder que a anima para alcançar os seus objectivos (…) mas que não tem nada de especialmente feminino ou simpático.»

O Die Zeit é o semanário mais difundido na Alemanha, com tiragem de 490 mil exemplares, e o Courrier Internacional descreve-o como «tolerante e liberal, um jornal de grande informação e análise». Eu conheço um alemão que o lê e já me tinha passado essa ideia.
Vinte e tal euros em revistas, parte III

Briefing
13 Set (semanal), n.º 507
3,50 euros

O toque é agradável, esclarecendo a ficha técnica que se trata de papel de 115 gramas, mate (tipo jornal, mas bem mais grosso). O cheiro é proeminente e não vale a pena gozar, porque o cheiro do papel tem muito que se lhe diga, no que toca a ler produtos de imprensa. Eu, pelo menos, acho que sim. E o modelo gráfico é simples e de fácil leitura.

Contudo, a maior desilusão da Briefing — publicidade, media, omunicação e produção, está mesmo no seu conteúdo. À base de pequenas notícias e algumas colunas de opinião, a Briefing não oferece mais que uma visita diária ao site da Meios & Publicidade não cubra. E a julgar pelas páginas de publicidade, se o preço de capa pagar o papel e despesas de impressão e circulação (não consta nenhuma informação de tiragem), é lucrativa e poderia ser um produto melhor.

Foi a primeira e última compra.
Vinte e tal euros em revistas, parte II

Media XXI
Julho/Agosto 2005 (bimestral), n.º 82
4,00 euros

Dossier: comunicação e marketing político — técnicas e tendências em Portugal
Foi a primeira vez que comprei a Media XXI — revista de comunicação e sociedade da informação, uma das poucas revistas nacionais dedicada à temática dos media, comunicação, jornalismo e afins. E quer-me parecer que não o volto a fazer.

Por incrível que possa parecer, a Media XXI destaca-se pela fraca qualidade dos textos, muitas vezes bastante mal escritos. Como se isso não fosse já bastante, a revista não faz uso da máxima jornalística que diz haver sempre alguém que nos lê pela primeira vez, e todo um rol de vocabulário específico (e por vezes estrangeiro) surge inexplicado e grafado normalmente, contribuindo para a distracção e desmotivação na leitura, que fica a meio, muitas vezes. É, portanto, mas inassumidamente, uma revista feita por profissionais e para profissionais? Mesmo assim…

Mais — e sabendo que há quem me aponte como crítico excessivo — tenho a dizer acerca do grafismo, que não podia ser menos apelativo, com cores mortas, modelo gráfico nada imaginativo e tipo de letra pobre. E claro, o papel brilhante, impossível de ler sob qualquer luz directa.

Talvez por tudo isto não tenha muito a destacar sobre o tema de capa, comunicação e marketing político — técnicas e tendências em Portugal. Fica esta transcrição: «os eleitores aos quais se destina, prioritariamente, a comunicação eleitoral, não querem fazer política; querem entregá-la aos políticos e esperam deles que resolvam os seus problemas». Reflexo dos tempos.

Nota: acerca da Business Week, também desgosto do papel, de gramagem demasiado fina. No entanto, é mate.

sábado, 17 de setembro de 2005

Vinte e tal euros em revistas, parte I

Business Week
european edition, september 26
4,50 euros / 58 euros assinatura anual

“I’m outta here!” – Why Microsoft is losing some key talent
Gosto da Business Week. Habituei-me a lê-la (irregularmente) faz agora um ano e esta é a segunda vez que a revista me dá um insight sobre os problemas que atravessam algumas das grandes multinacionais norte-americanas. A primeira foi a Coca-Cola e agora a Microsoft do sr. Gates.

A Microsoft atravessa uma grave crise interna. A companhia continua lucrativa, sim senhor, mas apenas cresceu oito por cento no último exercício, o primeiro crescimento de apenas um dígito nos seus 30 anos de história. E são os trabalhadores quem se queixa. De quê? Disto: estagnação da produção, no sentido de falta de inovação; lento desenvolvimento de produto; burocracia em excesso, provocada pela estratégia de sincronismo; desmotivação da massa trabalhadora.

De há uns cinco anos a esta parte a Microsoft tem uma estratégia de sincronismo, ou seja, todos os departamentos – cada produto é um departamento específico, como Windows, Office, MSN, etc – têm que trabalhar em sintonia, para que todos os produtos estejam no mesmo patamar de integração, inovação e até para que as saídas para o mercado não distem muito no tempo. Acontece que quem marca o passo é o departamento Windows. E que esta estratégia de sincronia não é produtiva, porque priveligia uma lógica de manutenção e não de inovação – o que também leva a que os programadores de topo, desejosos de inovação, de criar, acabem deixando a empresa para trabalhar nos concorrentes Yahoo, Google e eBay –, além de óbvias dependências entre departamentos. A Microsoft limita-se a manter o monopólio. Outro dos problemas desta estratégia de sincronia é o tempo dispendido em reuniões entre departamentos, para pontos de situação, aprovação de ideias ou elementos em teste, etc. Isto leva os trabalhadores a pedir autonomia – «dá licença a que eu vá trabalhar, que inove?»

Outra das questões é o fosso salarial entre executivos e engenheiros – cada vez maior e a aumentar, para benefício dos primeiros –, e o corte das stock options a todos os novos funcionários, que apenas recebem o seu salário e nada mais – enquanto 90 por cento das empresas do sector continuam a oferecer opções de compra de acções como complemento salarial e prémio de produtividade. Aliás, a companhia tem cortado nos apoios em doença e compra de medicamentos, e até retirou as toalhas dos balneários – querem secar-se, tragam de casa!

Os trabalhadores queixam-se, igualmente, da falta de tempo para pensar: «like Google, Microsoft should set aside a slice of every employees time so they can think creatively about new business ideas, rather than simply following orders from supervisors», pode ler-se num documento intitulado Ten Crazy Ideas to Shake Up Microsoft, escrito por funcionários da empresa e enviado a Bill Gates.

É nestas coisas que gasto o meu [muito pouco] dinheiro…

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Ecos da crise
Já não me lembro qual foi o último disco que comprei numa discoteca de comércio tradicional (loja de rua ou de centro comercial citadino, daqueles pequenotes e antigos), nem quando o fiz. O mais recente sei que foi numa FNAC. Mas também já lá vai muito tempo. Pois é, a internet...
Estarei cá para ver se reabre após as obras.
Imagem roubada ao Indústrias Culturais
Se eu fosse o Bolívar…
…tinha cagado prá revolução e prá grande Colômbia e pátáti, pátátá… e tinha era fugido com a Amparo Grisales, que é um mulherão. É que era já. E não a seguir.


Hoje vi: Bolívar Soy Yo, fita colombiana, de 2002, ganhadora de um belo rol de prémios internacionais.
Mostra de cinema latino-americano, no Fórum Lisboa, até 24 Set (sáb). Bilhetes a 3 euros.
Mais info aqui: www.mostra-americalatina.web.pt

domingo, 4 de setembro de 2005

Extenso apontamento na tentativa de ser cómico e alertar para alguns problemas da sociedade da era da globalização, além de ter pura crítica social ao bom estilo daquele programa da SIC, em que as miúdas vão às festas recolher declarações de escárnio sobre o jet-set, escrito numa tarde de anhanço num centro comercial, porque não tive coragem de ir à praia sozinho, e uma ia pró Avante e o outro estava a trabalhar, e então olha, resolvi brincar um bocado com frases longas pra caraças, que o Grabriel Garcia Marquez também o faz e deram-lhe um Nobel

Não sou melhor que aqueles que desprezo cada vez que cá venho. Porque também eu vim para cá hoje, domingo, com 30ºC de temperatura exterior à sombra, e eu num centro comercial (CC, para facilitar). Costumo dizer, acerca desta gente, «não têm nada de melhor para fazer?» Pelo que vejo, eu também não tenho. E se tiver em conta que vim para aqui apenas para estar sentado a uma mesa, bebendo café e tomando notas no meu Moleskine, ao invés de ver montras, fazer compras ou comer um hambúrguer, e somar a isto o facto de estar numa zona de esplanada interior junto ao McDonalds, quando poderia estar numa muito mais pseudo-intelectual Fnac, então ainda sou pior que todos estes peões que para aqui andam e me enojam. Por indução, hoje sou um deles e hoje também eu sou vómito.

Começa por me irritar entrar no parque de estacionamento, que é gratuito, e ver carros estacionados fora dos recortes e nas zonas de passagem, próximos da porta mais próxima, quando o parque está longe de estar lotado. Suspiro, estaciono e sigo com precaução para não ser abalroado por um Saxo de mil de cilindrada mas com escape de versão Cup, ou por um AX ou Uno quitados e manuseados por gajos mais velhos que eu, usando boné, calça tipo corsário branca e sapato-ténis Nike ou chinelo havaiano chinês.

Consoante a porta de entrada no CC, o odor ambiente oscila entre o neutro fresco do ar-condicionado e a fragrância Big Mac viajada do segundo piso para o rés-do-chão – foi por aqui que entrei. Os CC têm um cheiro característico, nojento em qualquer dos casos, e depois de trabalhar no laboratório fotográfico de um deles durante mais de um ano e meio, o que mais me incomoda nos CC é o cheiro, que nem mesmo o pivete do nocivo e não inspeccionado líquido revelador de películas tão característico das Kodak Fotosport, consegue apagar da minha memória.

As pessoas que andam pelos CC, qualquer que seja a categoria a que pertençam, também me provocam asco. Os vigilantes, engravatados ou fardados com bota e boina de tropa, que de maus só têm mesmo… tudo menos um duro carácter, que não têm de ser musculados ou ter cumprido o serviço militar, lembram-me um colega do liceu que, não sendo incapacitado, era e continua sendo burro, escolheu a sistemática do charro, de querer ser preto sendo branco, brinco e anel de ouro, ensino recorrente só para despistar e não ter de ouvir os pais – afinal, é à noite que estão em casa –, não sendo isso sinónimo de sequer entrar na sala de aula, colega meu esse que encontrei como vigilante, há coisa de um mês, no recém inaugurado auditório municipal. Para manter o lifestyle diurno.

Além destes, há as lojistas, aquelas raparigas da minha idade, give or take uns dois anos, uma boa parte das vezes bastante boazudas, giras até, muito arranjadas, amiúde até demais e decalques das gajas que se vê na MTV, que trabalham nas perfumarias, boutiques de roupa, malas ou sapatarias, nunca na Fnac ou na Bertrand, miúdas que um gajo só de olhar até coloca a hipótese de poder partilhar um café e conversa durante uma horinha, bastando para isso que ela não esteja a bulir ou não tenha um cão-pastor condutor de chaço tunning-rátátá, que é a onomatopeia para os rátéres, mas depois ouvimo-las falar e percebemos que o 12º ano foi uma miragem, que “inadvertidamente” não aparece nos Malucos do Riso, na rádio Oxigénio ou no Curto Circuito, e é, muito provavelmente, uma palavra inglesa, «e eu sempre tive negas a inglês». Estas não me lembram nenhuma colega do liceu, porque na altura elas não mostravam o umbigo sob as calças de cintura descida e camisolas subidas, não arranjavam as unhas, não iam ao cabeleireiro sozinhas, a TV Cabo era uma raridade e voltando ao que interessa, a gente não sabia que elas eram boas. Só o descobrimos agora, já no fim da faculdade, depois de nos termos tornado amigos e já não dar.

A mais vasta categoria de pessoal que anda pelos CC é a maralha, que a um domingo como este vem maioritariamente aos grupos, com os putos pela mão ou no carrinho, e os avós cansados de tanto andar, que aqui se fazem quilómetros sem se dar por isso. Hoje está particularmente escasso o pai de camisola branca de alças, calção de praia e chinelo, aqueles que não empurram o carrinho, nem o do puto quanto mais o das compras. Mas há-os de t-shirt da JB arranjada pelo Alfredo do café, alguns de pólo!, com óculos escuros de armação plástica azul metalizada, no cimo da cabeça, calça de ganga também azulada – não vi nenhuma daquelas coçadas na coxa ou rasgadas na canela, muito trendy aí há uns anos –, sandália de tipo não-Excesso, vá lá, ou sapato-ténis desportivo, daqueles Puma para futebol de salão, sujeitos que fumam copiosamente e não falam do jogo da selecção com o cunhado porque os luxemburgueses levaram seis a zero e por isso eles estão contentinhos, ainda mais se tivermos também em conta que o Benfica não joga este fim-de-semana e assim não há hipótese de desgosto. Por ser domingo, a sogra, geralmente dele, também veio ao CC. As mães espelham no rosto algum alívio, saíram de casa pela primeira vez no fim-de-semana inteiro, a cozinha ficou longe e o jantar vai ser, pela certa, McDonalds. A mãe, que veste um modelito em que o sapato laranja bate certo com os motivos florais também cor-de-laranja da camisola branca, a mãe que bebe um café ou um Trina – já me esquecia: o pai já está na imperial –, nos espaços de tentar aquietar a miudagem. Estão aqui uns vizinhos meus.

Infelizmente este é o primeiro fim-de-semana de Setembro e a emigrantada já se foi toda embora, digo eu, que não ouço pelos corredores «Jean Pierre, vien ici! Ouvistes? ‘Tás aqui, ‘tás a levar!», Jean Pierre que é como se chama aos putos que nascidos cá teriam sido João Pedro, numa semana em que a TV tivesse avariado e a novela da Globo na SIC não tivesse entrado lá por casa.

Verdadeiro reflexo dos tempos modernos, isto só para elevar um pouco o nível da conversa, até porque desde as gajas lojistas fodíveis, que é uma palavra que aprendi no melhor blog do universo, que ninguém mais se riu, e portanto há que ter um apontamento inteligente, equilibrado e ponderado, que é uma palavra que começa com “P”, assim como Estado-Providência, também há velhos, casais de velhotes que vêm aos CC aos domingos, beber a bica, porque eles chamam-lhe bica e nós café, e passam umas horas sentados à mesa da esplanada, calados, olhando a carneirada, como este casal que está aqui à minha frente. Isto é um verdadeiro reflexo dos tempos modernos e da boa vida que se têm no Portugal de hoje, na medida em que há 40 anos atrás era inconcebível que os velhotes tivessem esta autonomia, almoçassem no restaurante ou fizessem turismo sénior, simplesmente porque não havia reformas. Nem do tipo da do Campos e Cunha nem nenhuma – não havia. Mesmo assim, hoje eles não parecem muito à vontade no CC, o ambiente continua sendo estranho para eles, cujos filhos estão a regressar de férias no Algarve, alugaram um apartamentozinho em Armação de Pêra, e os progenitores cá ficaram, na monotonia da solidão, tão igual à dos outros dias. Contudo, eles são diferentes delas. Eles não vêm em grupo, preferem ficar na taberna a jogar à lerpa; elas vêm, aos trios, arranjadas, para lanchar dois Sundaes de caramelo, um de morango e dois copos com água.

A malta nova também anda por aí. Elas parecem saídas dos telediscos da MTV, tão mal aloiradas que faziam melhor se estivessem a esbofetear violentamente a cabeleireira responsável por aquela merda, ou o namorado que lhes diz, enquanto ela carinhosamente lhe massaja a nuca na viagem de regresso ao bairro, no autocarro apinhado, «môr, tás linda, pareces a Shakira». Mas eles não estão melhor, parecem um dos manos Anjos, à vez, porque os há lambidos e com barba de três dias e igualmente com o cabelo espetado e carinha de menino, de jeans justos, carteira e telemóvel de terceira geração numa mão, gaja na outra e porta chaves pendurado ao pescoço. Ou então elas parecem-se com 90 por cento das gajas lá da faculdade, com calças largas e descidas, top de alças e penteado com franja, e eles também de calças largas, chinelinho e cabelo à surfista de água doce, como o rapazola que apresenta programas na MTV.

Há um ruído constante nos CC, das vozes das pessoas, berros das crianças, pratos e chávenas, moinhos de café, tabuleiros de plástico sendo batidos e arrumados pelas senhoras da limpeza. Gostava de poder medir o ruído num CC, com uma daquelas maquinetas engraçadas, mostrador digital, não sei quantos dB, lê-se dê-bê. As senhoras da limpeza, voltando à sociologia e ao preconceito, teorias de hierarquia social e afins, as senhoras da limpeza têm a minha compaixão. Passam oito ou 12 horas em pé, de um lado para o outro, a limpar as mesas que emporcalhámos e a recolher as merdas que lá deixámos, quando saímos sem nos preocupar. Ah e tal é o trabalho delas. ‘Tá bem, mas nós somos porcos. Estas senhoras, e há aqui algumas que aparentam ter passado a idade da reforma, são exploradas pelo valor mais baixo, neste país merdoso que vive a barreira dos 500 euros, que conheci um suíço e o tipo ficou parvo quando lhe disse que o salário mínimo nacional aqui ronda os 380 euros, muitas destas senhoras da limpeza são africanas e nem falam português, escondem-se da supervisora atrás dos pilares para atender o telemóvel, ninguém sequer lhes agradece quando levam a tralha da mesa. Por que raio agradecemos à brasileira que nos dá o café e cobra por isso, e desprezamos, sem lhe dirigir uma palavra, a senhora que nos limpa a mesa de borla?

Vou buscar um Big Mac. Não quero ser diferente.

quinta-feira, 1 de setembro de 2005

Feliz ano novo.