sexta-feira, 4 de março de 2005

Crónicas de tasca, parte IV
O português não tem poder de compra
O crédito para tudo e para nada também tem de ser tido em conta, quando se fala de consumo. A casa é comprada a crédito, o carro também, o computador não foge à regra, os móveis do IKEA igualmente, as mercearias adquiridas no Jumbo ou Continente também têm essa possibilidade, os próprios telemóveis chegam-nos a crédito mascarado (com cada carregamento, durante um período de tempo, é descontado um montante para pagar o restante do aparelho). E quando acontece um daqueles imprevistos, como um frigorífico avariado ou, azar dos azares, uma inundação lá em casa, o primeiro é comprado (mais uma vez) a crédito e o segundo é resolvido com um empréstimo extraordinário (nas Cetelem ou Cofidis e todas as suas semelhantes, que até já existe crédito por telefone, “quatro mil euros, sem perguntas”...).

O Público de hoje (28/Fev) também deu conta das ofertas da banca para os clientes que desloquem o seu crédito para habitação entre bancos e para modalidades mais longas no tempo – o banco dá ao cliente a benesse de um outro empréstimo pessoal, pois é sempre necessário mais dinheiro, não é verdade? Assim, haver quem compre um carro a pronto, ou mesmo um televisor ou coisa do género, é cada vez mais raro. Os portugueses não têm real poder de compra – e o que têm é artificial.

O que me leva a outra ideia, sob a forma de facto: «Portugal está no pior dos cenários quanto às remunerações do trabalho na União Europeia: os seus salários são os mais baixos da zona euro» (Público, 22/Fev). E o salário baixo não pode, certamente, ser um factor de desenvolvimento. Com remuneração baixa não se pode consumir (em quantidade, pelo menos), e não consumindo, o ciclo económico não funciona: o dinheiro não circula, os produtos não escoam, as indústrias não facturam, os empresários ficam sem com que pagar aos seus assalariados que, por sua vez, não recebendo a sua gratificação, não podem consumir e tudo recomeça.

Contudo, há outra coisa que li mas que ainda não consegui perceber: este país tem dos salários mais baixos da UE mas não é competitivo economicamente porque apresenta custos de trabalho elevados. Terei que pedir a alguém versado em economia que me esclareça acerca disto, embora suspeite, desde já, que deve ter que ver com fiscalidade.

1 comentário:

Zé Pedro Silva disse...

Tivemos, com Guterres, um aumento da disponibilidade de crédito. Ficámos com um modelo económico muito semelhante ao americano. A única (mas enorme) diferença entre o recurso ao crédito americano e português, é que o primeiro é feito num país com uma economia forte, pleno emprego e expansão. Já o segundo, é feito num país com uma economia pequena, sem liquidez e que só se sustenta, e não entra em profunda crise, porque está numa união económica (União Europeia).