quarta-feira, 2 de março de 2005

Crónicas de tasca, parte II
Vícios de ricos e o crédito para habitação
Li na Pública (27/Fev) João Casalta Nabais, especialista em fiscalidade, dizer que Portugal tem «vícios de ricos, esquecendo-nos de que somos pobres – os mais pobres da União antes do alargamento de 2004», e a frase nunca me fez tanto sentido como hoje. Com os salários mais baixos da União Europeia, os portugueses têm casa própria; frequentemente mais de um automóvel – é certo que há quem tenha nenhum e viva dos transportes públicos e esta ressalva também se aplica aos exemplos seguintes – e suportam a factura da deslocação diária e individual até ao emprego nesse mesmo automóvel; têm vários telemóveis (simultaneamente ou vários num ano, por indivíduo; ou por agregado familiar; e lideram na compra do último grito da moda nestes equipamentos); computadores pessoais de secretária e os inflacionados portáteis; uma panóplia de gadgets sofisticados que ceifam das várias Fnac; e quando se avaria o frigorífico lá de casa, compram o novo a crédito, em 12 vezes. O autor aponta igualmente «vícios que nem os países mais ricos se dão a luxo de ter, como são, por exemplo, as pensões ou reformas pagas com base num pequeno número de anos de serviço, sem se ter atingido a idade de reforma, como as reformas dos políticos, dos gestores públicos, etc...».

A questão da propriedade de habitação é “um pau de dois bicos” mas ilustra várias coisas. A primeira é que Portugal insiste, perdão, os proprietários portugueses com imóveis para alugar insistem em preços impraticáveis, altíssimos, afastando a quase totalidade de potenciais arrendatários, que chegam à conclusão que a “renda” mensal é mais baixa quando paga a um banco, pela compra de um apartamento. Esta classe de senhorios, por sua vez, espelha várias outras coisas: que são gente que, através de um aluguer, quer ganhar o mesmo que ganharia com uma venda, com a diferença que, no fim, o imóvel continua pertencendo-lhes; que são gente que não realiza obras nos seus imóveis, pois estes pertencem-lhes para a colecta e já não pertencem para neles gastar dinheiro; que são gente que não honra contratos (isto de o contrato de arrendamento não ter que cumprir a forma escrita, deveria ser revisto), despejando os seus inquilinos quando se lembram; que são gente que não passa recibos, logo, arrecada dinheiro livre de impostos; e várias outras coisas, de que me não posso ocupar agora.

A segunda observação que me apraz fazer é que, depois de 40 anos de jugo ditatorial, os portugueses querem, agora que podem, ter algo seu. Isto, claro está, é legítimo. Mas critico que se o faça a qualquer custo. E que as gerações mais jovens sejam educadas desta forma, para esta sujeição ao crédito para habitação, é problemático e até duvidoso. O que me leva a um terceiro aspecto, ligado a esse crédito, que é o seguinte: no final, o português pagou a sua casa duas vezes! Isto mesmo esclareceu hoje (28/Fev) o Público, pondo a claro que num empréstimo de 125 mil euros a 50 anos, com uma taxa de juro nominal de 3 por cento, o montante total dos juros ascende a 116 493 euros, ou seja... Bem, os números falam por si. (a 10 anos o encargo com juros totaliza 19 841 euros; a 20 anos sobe para 41 370 euros)

Obviamente que têm lugar quartas e quintas e sextas e mais observações, desde o negócio que é a venda de terrenos para construção, o sustento das autarquias; o lobby do sector da construção civil, que fixa preços muito acima da qualidade dos imóveis; o imposto municipal ou SISA ou lá o que é; entre outros aspectos.

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