sábado, 8 de maio de 2010

Porque é que no início dos filmes brasileiros aparece aquele cartão de apoio da Petrobras e nos portugueses não vejo a Galp, a EDP ou o BES?

o cineasta – preciso de apoio para fazer um filme.
o senhor da GALP – então e qual é a história, o argumento?
o cineasta – basicamente ao fim de uma hora e quarenta minutos dois irmãos fazem sexo.
o senhor da GALP – hmmmm
o cineasta – mas assim com grande carga dramática, tudo muito intenso.
o senhor da GALP – imagino…
o cineasta – nada explícito, nada gratuito, erótico mas estranho, não é? afinal são dois irmãos, um miúdo e uma miúda, adolescentes, a fazerem sexo. ou amor, não é? isto depois cada um lê como quiser. carnal. dor e prazer. dor física e psicológica, de ambos. mais dela do que dele, mas pronto.
o senhor da GALP – uhumm… então e que mais? quem são os actores?
o cineasta – são todos bons, com experiência de teatro, televisão e cinema. uns consagrados, outros mais novos. mas todos com provas dadas, isso é garantido. pelo lado dos actores é garantido.
o senhor da GALP – certo…
o cineasta – depois vai ser tudo muito bonito. para já porque é película, não é? cinema é película. eu faço película, não é? depois também vai ser tudo muito bem filmado. óptima fotografia quer nos ambientes escuros, quer nos exteriores. mas o ambiente vai ser mais para o sombrio, não é? os decors são muito bons também. detalhe e cuidado nas cenas dentro de casa, casas velhas, com alcatifas, paredes de tons escuros, a tinta a pelar, um prédio com elevador daqueles antigos, abertos, mas que não funciona, as portas de correr em metal estão fechadas a corrente e cadeado, as escadas são em madeira. e mesmo nos quartos, não é?, as molduras com fotografias, as colchas das camas que podem cheirar a mofo. nisso tudo há um grande cuidado. e depois é a realização, não é? tudo bem realizado porque vai ficar logo impecável na filmagem, tudo muito bem filmado. há planos muito bonitos ao pé do mar, assim picados, o contraste da espuma branca das ondas que se desfazem na rocha escura. ou os outros, fechados, apertados na cara dos actores para captar as expressões, tudo muito expressivo. e sequências longas sem falas, não é? sem diálogos nem monólogos. só a expressividade e a carga dramática dos gestos, dos movimentos, que é para o espectador entrar no filme, fazer parte, quase como que estar ali dentro com os actores, não é? envolver o espectador na densidade do enredo, no fundo é isso.
o senhor da GALP – hmmm…
o cineasta – e o título vai ser bom. já escolhemos e tudo… vai ser uma frase, vai remeter para uma dúvida, vai deixar o espectador em suspense. vai ser: como desenhar um círculo perfeito. o que é que acha?
o senhor da GALP – bom eu não…
o cineasta – também já escrevemos a última cena. a última cena vai ser muito bonita. visualmente, não é? parece uma fotografia. vai resultar mesmo. e muito cuidado com o som. a captação de som será irrepreensível porque as pessoas queixam-se sempre que o som nos filmes portugueses é mau, mas isso é porque estão habituados a ler as legendas dos filmes em inglês e não notam que enquanto estão a ler não estão a ligar ao que está a ser dito e depois acham que o som, o nosso som, é que é mau. experimentem ver um filme inglês sem legendas e percebem logo que está tudo… mas pronto, muito cuidado no som. e a banda sonora vai ser boa. nós temos músicos que são especialistas em bandas sonoras, piano e outros, e portanto isso vai ser bom, não é? quer dizer, doutra forma também não vale a pena fazer…
o senhor da GALP – pois…
o cineasta – e portanto isto está garantido, não é? estas coisas estão todas… vai ser visivelmente bonito, vai ser intenso, vai ter conteúdo, não vai ser um filme vazio. e depois vai estrear num festival — isto além dos festivais no estrangeiro, porque o filme vai competir para passar nos festivais europeus, norte-americanos e no Brasil… portanto estreia num festival e depois vai durante duas semanas ou assim para duas ou três salas em Lisboa. porque eu gosto deste caminho, os filmes, o cinema, têm que fazer este caminho, não é? pelo menos eu gosto. o filme, aliás, é aquilo que eu gosto, aquilo de que eu gosto, não é? este filme é aquilo de que eu gosto… o outro também era, não é? mas este é mesmo aquilo… de que eu gosto.
o senhor da GALP – uhumm…




o cineasta – e portanto para fazer isto assim isto tem custos, não é? tem custos… não é muito, mas tem os seus custos…



o senhor da GALP – e você estava a pensar em quanto?
o cineasta – 100 mil, 200 mil, também é conforme o que vocês estiverem a pensar investir numa coisa destas, não é? mas era assim nessa ordem.



o senhor da GALP – pois, estou a ver.
o cineasta – e vocês depois têm o retorno, não é? uma coisa destas dá retorno. além dos incentivos, não é? o retorno e os incentivos, isto para vocês tem esta dupla…
o senhor da GALP – claro, claro…
o cineasta – dimensão, esta dupla dimensão…



o cineasta – deixo o projecto consigo? aqui está tudo mais detalhado, não é? deixo-lhe isto…
o senhor da GALP – olhe, não vale a pena.
o cineasta – não?
o senhor da GALP – não. quer dizer, com estas condições não, não é? o produto é bom, sem dúvida, tem potencial, mas com estas condições, esta estratégia, não vai ser possível. não apoiamos.
o cineasta – não?
o senhor da GALP – não.



o cineasta – mas porquê?




Ou é mais ou menos isto ou o António Mexia é um lambão e quer o dinheirinho todo para ele. Ou só não gosta de ir ao cinema, pronto.

1 comentário:

Mia disse...

Adorei!
deve ser mesmo isto!