segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

(fazer) jornais, jornalismo e jornalistas
«São três da manhã do dia 30 de Dezembro. Cabe-me fechar o DNA com a mesma satisfação e amor com que tive o privilégio de o conceber e “abrir”. Não quero lágrimas nem choros — porque sei bem que um suplemento de jornal não é mais do que isso mesmo: um suplemento, um complemento. Mas também não quero passar ao lado de tudo o que o DNA significou para dezenas de pessoas que o concretizaram, ou para as dezenas de milhar que o leram. Que o amaram ou odiaram. Que nunca lhe foram indiferentes. (…) Tudo o que começa tem um fim. O DNA começou — vai para dez anos — e chega hoje ao fim.»
Pedro Rolo Duarte, DNA, 6 Jan 2006

Fui leitor do DNA durante alguns anos e o DNA foi o meu suplemento de imprensa favorito.

Durante esses anos acompanhei os editoriais do Pedro Rolo Duarte, aqueles em que ele falava dos primeiros passos na profissão, das férias na Zambujeira do Mar, das vicissitudes de fazer jornalismo, das noites que reservava à escrita daqueles mesmos editoriais. Aqueles editoriais a que tantas vezes ele levou o filho, que, descobri hoje, foi o bebé da primeira capa do DNA e é o miúdo da última. Há dias a Diana deu-me um papelinho, onde tinha anotado esta citação: «o jornalismo é frequentemente vivido como uma paixão, tende a preencher todo o espaço da existência, a colonizar a vida familiar e os lazeres». Agora compreendo o Pedro. Agora espero que a Joana, a Diana, o Tiago, o Ricardo, a Ana, a Celeste, a Lília, a Lena, a Maria, o Zé, o Paulo, a outra Ana, o Luís, a Margarida, e todos os outros, para não me esquecer de nenhum, me compreendam também, quando recuso os desafios e os convites, quando desapareço durante semanas.

Construir um produto de imprensa é muito mais intenso do que trabalhar num. Mas, é também algo apenas acessível a uns poucos privilegiados. O Pedro foi um desses. Eu sou um desses.

Levantar, tijolo a tijolo, uma edição de jornal ou revista é um prazer peculiar. Recolher e escolher temas. Distribui-los pelos redactores, hierarquizá-los no plano de edição, página a página, o que fica onde, com que espaço e se terá imagem. Receber as primeiras versões dos textos e ser surpreendido com sua a qualidade (má, publicável, boa, muito boa). Receber as segundas, já modificadas. Tentar titular, disciplina difícil. Acompanhar a revisão e fazer cumprir as convenções. Porque ainda não temos um livro de estilo terminado e adoptado, discutir marcações de discurso, itálicos, aspas subidas ou normais, pelicas ou simplesmente redondo. Procurar e escolher fotografias. Fechar a edição. Ter que optar e deixar “cair” alguns textos. Maquetizar e fazer caber tudo no espaço disponível, passando horas sentado ao lado do grafista. Introduzir correcções no material já paginado. Imprimir as páginas para revisão gráfica. Construir a capa, e para tal escolher a fotografia, redigir a manchete e optar pelos destaques. Juntar tudo num só ficheiro final, que viajará num CD até um armazém em Rio de Mouro. Voltar ao armazém um dia depois para olhar os fotolitos. Regressar passadas outras 24 horas para olhar as primeiras folhas enormes, cuspidas pela “plana” ruidosa — ainda não cheguei à rotativa — e acompanhar o ajuste das cores. Mais um dia e nova fase, com dobragem, corte e montagem. No dia seguinte, a distribuidora recolherá os milhares de revistas para iniciar a distribuição pelo país. Só é pena que, mais tarde, quando for um profissional na verdadeira acepção da palavra, me limite(m) a escrever e perca tudo isto.

No princípio disto tudo está o prazer de fazer uma revista para os leitores, a nossa razão de existir.

Para mim, à data presente, tenho o privilégio de já ter ajudado a construir três revistas, duas em papel e uma electrónica: uma estudantil, outra de informação desportiva e a terceira, a presente, a primeira no género em Portugal. Além destas, já tive a oportunidade de trabalhar para outras duas, igualmente em papel e bits e bytes.

O melhor que retiro destas experiências é a aprendizagem, todo o manancial de informação e conhecimentos, a prática, errar e aprender com os erros, perceber e aplicar o que os teóricos da arte escreveram sobre as técnicas, a conduta, a ética e a deontologia.

A cada número que passa, erro. A cada número que passa, tento cometer um erro diferente.

Hoje percebo porque é que «um jornal sem gralhas é como um jardim sem flores», mas continuo a preferir que as provas sejam revistas por tantos quantos não tenham lido os textos, e continuo a detestar palavras truncadas em finais de parágrafos. Hoje percebo porque são incompatíveis actividades de assessoria e jornalismo, porque senti na pele a dificuldade do distanciamento e imparcialidade, ou tão somente pelo receio de comprometimento por usar ou excluir determinada palavra. Hoje percebo porque é que o jornalismo é «a disciplina da verificação», porque apercebi-me, depois de publicado, que um texto contemplou algumas informações imprecisas, cuja correcção estava ao meu alcance.

Hoje percebo que não quero fazer outra coisa na vida. Hoje acho que o Pedro também não.

Hoje sinto que amanhã estarei em condições de pedir o cartãozinho vermelho. Só que o Pedro já o tem.

1 comentário:

Anónimo disse...

invejo essa paixao...quem escreve isto e pq sabe o que quer, e isso e um privilegio que muito poucos encontram tao cedo ou de forma tao "violenta"!ultrapassa qualquer carta de recomendacao...;) eca