terça-feira, 21 de março de 2006

“The Blue Notebooks” (2004), de Max Richter
O filme de Till Franzen, “Die Blaue Grenze”, que vi num Porto frio, cinzento e chuvoso.

A frase de alguém que passou pela minha vida, faz por agora um ano: «o tempo também é uma predisposição do coração».

A minha Maria, que partiu debaixo de chuva porque não eramos só nós quem por ela chorava, e que agora me parece à distância de um telefonema daqueles que fazemos de olhos fechados e sem linhas de cobre.

Uma reportagem aúdio que tenho vindo a pensar.

Poesia.

O que quero — o que quero.

domingo, 5 de março de 2006

@ Porto, Fantasporto - 7
Acabou o Fantas 2006. A ressaca já se sente nos músculos e no colchão da cama, com quem finalmente nos reconciliamos, mas sobretudo na retina e naquele pedaço do córtex, cinéfilo, que pulula enquanto digere todos os estímulos de um Fantas, das películas às discussões posteriores, no foyer/bar do Rivoli — uma verdadeira casa — ou à mesa da tasca onde fomos ingerir qualquer coisa muito rápida.

A cerimónia de encerramento do Fantasporto correu no seu registo habitual, formal quanto baste. O Governo fez-se representar pelo Secretário de Estado da Educação (???), que presenteou a plateia com um discurso bastante (…) e recebeu de volta várias ovações, sabe-se lá porquê — não havia mais ninguém, Sócrates?

Os pontos altos da entrega de prémios foram três. Primeiro, a atribuição de um Prémio Carreira ao fotojornalista catalão José Maria, com quem privámos, freelance que acompanha o Fantas desde 1994, e que não esperava nada pela distinção — estava a fotografar a cerimónia, de repente vê-se chamado ao palco e foi com visível emoção e embaraço que recebeu o prémio. Depois, aquando do levantamento do segundo prémio da noite, o de Melhor Argumento, uma pouco ovacionada Roselyne Bosch (“Animal”) começou por agradecer com um «oh my God» e ouviu-se na sala um «olha, eu digo o mesmo!». Finalmente, e pelo filme “Quiet Love”, quando o realizador Till Franzen subiu ao palco para receber a segunda distinção, Melhor Fotografia, telefonou ao colega director de fotografia e a sala não se poupou em aplausos — justiça seja feita a “Quiet Love”.

O filme que encerrou o Fantasporto estreará brevemente nas salas: “Fragile”, do catalão Jaume Balageró, é a estória de uma enfermeira recém chegada a um hospital pediátrico em encerramento, e de como ela tenta proteger os miúdos de uma série de estranhos e misteriosos ataques. A enfermeira é Calista Flockhart, mais conhecida por Ally McBeal. O filme tem bons momentos de suspense, conseguiu fazer saltar das cadeiras algumas pessoas, mas não vai muito longe.

É favor apontar na agenda: de 23 de Fevereiro a 3 de Março de 2007 há mais Fantasporto.

Este foi o diário possível de um Fantasporto que não segui na totalidade — em 2007 estarei por lá os nove dias completos —, de mim para os amigos que gostariam de ter ido mas não puderam.

sábado, 4 de março de 2006

@ Porto, Fantasporto - 6
Já são conhecidos os vencedores do Fantasporto 2006, e há algumas surpresas. Uma delas é a atribuição de Melhor Argumento a Roselyne Bosch pelo filme “Animal” (secção oficial de Cinema Fantástico), o tal com Diogo Infante e integralmente rodado em Portugal, e para o perceber é ler o que escrevi lá em baixo ou atentar nas opiniões da imprensa generalista (para não dizerem que lá estou eu com o meu mau feitio):

«...o thriller de ficção científica da estreante Roselyne Bosch, co-produção França/Portugal orçada em 15 milhões de euros, foi uma senhora desilusão (...) É verdade que o débil argumento, que invoca com ingenuidade de principiante "O silêncio dos inocentes", de Jonathan Demme, e "A outra face", de John Woo, não ajuda, mas o actor português é manso de mais para "vender" a personagem. E ainda assim, consegue ser o melhor do filme (...) Da filosofia de pacotilha subjacente à trama, mais vale não falar...» (Manuel Menano, JN)

«...o filme que encerrou a secção oficial de cinema fantástico aborda com ligeireza a questão da manipulação genética (...) sem nunca ir demasiado ao fundo do que quer que seja - e é pena, porque o tema até se prestava. Quanto mais não seja porque, como frisou Roselyne Bosch em mensagem enviada ao festival, "Animal é um thriller de antecipação, não é ficção científica: estas experiências já foram testadas em animais". O problema é que aqui não se testa nada, nem em humanos nem em animais: a intriga é demasiado convencional para permitir experiências e o filme acaba por não levantar questões, antes por fugir delas.» (Inês Nadais, Público)

Outra surpresa é o galardão de melhor realizador para Pieter Kuijpers, por “Offscreen” (secção Semana dos Realizadores), filme que me foi tão indiferente que nem escrevi sobre ele.

Surpreende também que a “Quiet Love”, de Till Franzen, só tenha sido atribuído o prémio de Melhor Fotografia (secção oficial de Cinema Fantástico), pois o filme merecia mais ou melhor gratificação. No entanto, o Júri da Crítica, composto pela imprensa e convidados, fez justiça ao atribuir-lhe o seu prémio.

Os principais prémios do Fantasporto 2006 são:
Grande Prémio: “Frostbiten”, de Anders Banke (Suécia)
Prémio Especial do Júri: “Johanna”, de Kornél Mundruczó (Hungria)

Prémio Semana dos Realizadores: “Adam’s Apples”, de Anders Thomas Jensen (Dinamarca)
Prémio Especial do Júri: “Be With Me”, de Eric Khoo (Singapura)

Grande Prémio Orient Express: “Simpathy For Lady Vengeance”, de Chan Woo Park (Coreia do Sul)
Prémio Especial do Júri: “The Bow”, de Kim Ki Duk (Coreia do Sul)


O dia de ontem terminou por volta das três da madrugada, com “Hostel”, de Eli Roth e produzido por Quentin Tarantino. A fita, que não deve tardar nas salas portuguesas, entretêm ao bom estilo Fantas: sangue a jorrar de dedos e cabeças cortadas com bisturi ou moto-serra, atropelamentos sucessivos para ter a certeza de matar a vítima, berbequins Black & Decker furando coxas, tudo isto é acompanhado de gargalhada e aplauso geral. Sinopse oficial: «Paxton e Josh andam em viagem pela Europa e vão ser atraídos para uma estalagem numa remota aldeia eslovaca cheia de mulheres deslumbrantes».

sexta-feira, 3 de março de 2006

@ Porto, Fantasporto - 5
“Animal”, ou a estória do mau projeccionista, fechou o dia de ontem no Fantas. A longa metragem da francesa Roselyne Bosch, em co-produção portuguesa, inglesa e francesa, vive daquelas estórias que todos já vimos adaptadas umas dez vezes por Hollywood, ou seja, é mesmo desinteressante. Um jovem cientista descobre uma forma de suprimir o gene da malvadez — sim, porque é genética —, e depois de testes bem sucedidos em lobos, o cientista — actor tão inexpressivo e desguarnecido de qualquer tipo de valências, que nem o nome recordo — resolve testar o soro num assassino aguardando execução, e depois em si mesmo. Resultado? O mau fica bom e o bom fica mau, e tudo fica uma merda. E o começo já augurava isso mesmo: o filme começou com mais de meia-hora de atraso (00h33), a curta que o antecedia começou a ser projectada ao contrário e teve que se interromper largos minutos para tentar concertar o erro (00h46), e finalmente “Animal” foi interrompido numa cena de sexo, sem se ter percebido se a película partiu, saiu da guia ou foi pura censura de alguma imagem mais explícita (ah ah ah).

Do filme só se retém a interpretação de Diogo Infante (o assassino), cujo talento, riqueza de recursos, maleabilidade e adaptabilidade se reconfirmam. Igualmente fica o facto de a fita ter sido captada integralmente em Portugal, e a graça que vem de vermos alguns locais nossos conhecidos transformados em grandes laboratórios científicos.

Ainda ontem ante-estreou o mais recente filme de Manoel de Oliveira, “Espelho Mágico”, motivo de enchente no Rivoli. Imprensa, jet-set, e público, estiveram cá todos, numa sessão que durou, durou e durou…

E a chuva continua a cair no Porto.

quinta-feira, 2 de março de 2006

@ Porto, Fantasporto - 4
Tinha que chover, no Porto. E tinha que haver mais filmes de treta. Acabo de deixar a meio na sala um penoso “Looking for Alexander”, do canadiano Francis Leclerc. Bah…

Decorre agora uma conferência de imprensa com o realizador de “El Desenlace”, o espanhol Juan Pinzás, na qual o único interlocutor é um membro da organização do festival. Acho estranho que o público não acorra a estes encontros com os realizadores, porque podem fazê-lo. E também não distingo espectadores — são aqueles que não andam com o cartão pendurado ao pescoço — a procurar os intervenientes aqui pelo foyer. Mas eles estão todos aqui!!

Dos jornalistas não falo. A imprensa diária vem fazer crítica — somente crítica — e só as publicações especializadas, como a Fest Forward, andam por cá a ver fitas e falar com realizadores. A imprensa estrangeira vem acompanhar os seus representantes.

O Fantas tem tão bom ambiente que aqui no foyer do Rivoli, onde está o bar, há quem peça para gravar os CD que vão sendo tocados, à descarada. Boa onda.
@ Porto, Fantasporto - 3
«That’s very christian», disse-me o Till Franzen depois da conferência de imprensa, ontem, sobre o filme dele. Que raio. Não sou católico, mas a matriz cultural cristã veio à tona, hã? Isto acerca de uma interpretação que fiz da relação entre um personagem e outros dois: vi ali, primeiro, um amor homossexual; e depois um amor cego, corrosivo, nefasto, que persiste apesar de o outro nos fazer mal, porque o tipo, no final, mostra compaixão por esses seus apaixonados e os “perdoa”. Ah e tal dar a outra face. Não era por aí Till…

A noite de ontem foi rica em bom cinema. “The Bow”, do coreano Kim Ki Duk, e cuja foto promocional fez a capa da Fest Forward #2 — num excelente golpe de premonição do seu director, Filipe Pedro, que arriscou a capa sem ter a confirmação da estreia do filme no Fantas — foi ontem visionado, para um auditório quase cheio. O filme, sério concorrente na secção competitiva “Orient Express”, é uma obra de arte. Num barco de pesca, em alto mar, um homem de 60 anos tem vindo a educar uma jovem desde a sua infância. Está combinado que eles vão casar, quando ela fizer 17 anos. A subsistência do casal é garantida por pescadores que se deslocam ao barco, estacionado ao largo, para pescar. E cada um deles que se deixa encantar pela jovem, e tenta algum avanço, é surpreendido por um tiro de flecha em arco. O mesmo arco que o velho usa para tocar uma música recorrente, mas bela, como se de violino se tratasse. Um dia, um jovem rapaz vem ao barco e tudo estremece: o amor da rapariga pelo velho, o amor do velho pela rapariga, o amor da rapariga pelo rapaz, o amor do rapaz pela rapariga, e o ódio do velho pelo rapaz.

Todo o filme se passa sem que os protagonistas, a rapariga e o velho, digam uma só palavra. Só os outros falam. Mas diz-se tanto. “The Bow” é, especialmente, um objecto estético — se dúvidas houvessem, depois de olhar a capa da Fest Forward. A fotografia é excelente, a filmagem é muito boa, o cenário (um velho barco de madeira estacionado ao largo) é muito bem explorado. A banda sonora é… inexplicável.

Em seguida, e para descer à terra, a sessão das 23h15 começou com a muito falada e anunciada na TV, curta portuguesa forjada pela ETIC, “Sombras de Thule”. Hmmm… Foi terrível. Senhores: para fazer bons filmes é necessário ter boas ideias, boas estórias, bons actores e só depois bons meios. A ETIC conseguiu dinheiro e um alto patrocínio técnico da Sony, que forneceu os meios de captação e projecção na tecnologia de ponta HD, mas ficou com um péssimo filme. Triste.

A terminar a noite viu-se “Saints-Martyrs-des-Damnés”, de Robin Aubert, «um cruzamento de William Castle ("A Casa Assombrada") com David Lynch ("Twin Peaks")». O filme, que abre com belíssimos planos em grande angular de 20mm — projectado em 16:9, felizmente —, está repleto de referências, do terror à comédia, do thriller ao (cheirinho de) gore. «Um exemplo do melhor cinema canadiano de terror», e um dos melhores filmes do festival. E um dia no Fantas com dois bons filmes é um dia fora do vulgar.


Já hoje o dia começou com o Fantas Social (para convidados internacionais, júri e imprensa): um passeio de barco pelas cinco pontes do rio, e uma visita às Caves do Douro, com direito a prova. Passo o Vintage tinto, fico-me pelo único branco Porto, o Apitiv, para mim surpreendentemente agradável. E foi à mesa, nas caves, que se reforçou o que o Fantas tem de melhor: o convívio com gente de todo o mundo. Till (realizador), da Alemanha; Magnus (realizador), da Suécia; Taru (júri; produtora), da Finlândia; Chozin (júri; director do festival de cinema de Pifan e realizador), da Coreia do Sul; José Maria (jornalista), de Espanha; um outro cujo nome não apanhei (realizador), da Bélgica; e mais se verá. É hora de almoçar.

(Foto: o Fantas nas caves Sandeman, em V.N.Gaia, discutindo vinho, e não cinema)

quarta-feira, 1 de março de 2006

@ Porto, Fantasporto - 2
Dificilmente almoçava bem em Lisboa pelo preço que paguei hoje no Porto. A cidade é, historicamente, de salários mais baixos e nível de vida inferior, não obstante a burguesia portuense que desde o século XIX tratou de patrocinar as bonitas construções da baixa da cidade. Gosto da opulência da pedra cinzenta nos edifícios, num dia de sol forte e céu limpo e azul como o de hoje. E Lisboa está inflacionada, em muitos sentidos.

Depois do casal de velhotes pedintes que me recebeu aqui na cidade, à noite foi a vez de um tipo me abordar e pedir dinheiro, explicando como tinha saído há um mês do «estabelecimento prisional», não conseguia arranjar trabalho, provavelmente porque também não conseguia largar a droga, que o pôs lá dentro e que esperou por ele cá fora. Pela sinceridade, dei-lhe 50 cêntimos. Mas não devia.

"Quiet Love", do alemão Till Franzen, encerrou o dia no Fantasporto, sessão das 23h15 — antecedido de uma triste curta de Luís Galvão Telles, "Glamour", apupada em belo estilo («mas que merda! buuuuuuuuuu...») por alguns dos presentes. Em "Quiet Love" entrelaçam-se várias estórias de amor, que juntas fazem um filme denso e difícil, mas capaz de entreter nas fintas que os falsos finais — fui enganado duas vezes — fazem aos espectadores, apesar da extensão da fita. Ali há amor fraterno, por quem morre; amor passional — isto diz-se? — pela mulher; amor cego, por quem nos faz mal. Ali há morte, natural e inexplicada; acidental e inesperada; e há dúvida de morte — o inspector morreu?

Muito bem filmado, com uma fotografia belíssima, uma banda sonora muito bem conseguida, dos Lambchop a dramáticos e introspectivos trechos de piano, e com desempenhos soturnos mas terrivelmente adequados à intensidade da fita, "Quiet Love" é um bom filme. A conferência de imprensa com o realizador é mais logo, às 15h.