domingo, 29 de novembro de 2009

As canecas da Tupperware
A Rita diz que não poderei perceber por que razão a Sigourney Weaver era considerada um sex symbol nos anos oitenta porque eu era um “bebezolas” quando o James Cameron realizou o Aliens. A Rita tinha onze anos e nunca tinha beijado um rapaz porque era tudo muito andrógino, pá, as roupas, os cabelos, era uma coisa. Aparentemente é isto que explica o fenómeno da Sigourney Weaver. Isto e o facto de no final do Alien do Ridley Scott ver-se o rabo dela, estavam na moda aquelas cuecas descidas e de tamanho pequeno, nada de soutiens, uma excitação, se se tiver em conta que o Homem só tinha pisado a Lua havia dez anos — não vamos discutir. Porque, já agora, importa esclarecer que, ao contrário do que a RTP me fez crer todo este tempo, o Hicks, o Bishop, as armas super evoluídas, os tiroteios e os magotes de bichos de duas bocas de mil novecentos e oitenta e seis são já o segundo episódio da saga que nasceu sete anos antes, época de ouro dos monitores monocromáticos, onde a Ripley, lá está, aparece com aquelas cuecas mínimas que a produção substituirá pelo conjuntinho de roupa interior desportiva de algodão cinzento e nada sensual que ela tem vestido no início do segundo filme da série que eu julguei o primeiro episódio, ainda sem soutien, a bem do racord, a fraude a fraude. Ou falta de atenção. Devia ter suspeitado do ‘s’ no Aliens e do ‘3’ no Alien elevado ao cubo, que já é do David Fincher, em mil novecentos e noventa e dois, era eu um rapaz crescidote e já a Rita era uma adolescente muito vivida. O Alien Resurrection, do Jean-Pierre Jeunet, já é um bocado espremido, coisas da proximidade do milénio.


Seja como for, o que é feito das canecas da Tupperware? Foi o plástico poroso e capaz de largar partículas com o tempo, com o raspar das colheres ou das dentadas da miudagem, que as fez desaparecer? Lembro-me bem. Lá em casa havia umas quantas, enfiavam-se umas dentro das outras, eram de várias cores, pelo menos uma vermelha e uma beije a fugir para o branco. Havia anos que não punha a vista em cima de uma coisa daquelas. Também havia anos que não apanhava uma constipação de me atirar dois dias para a cama, xiça. É ver o Alien. O de mil novecentos e setenta e nove.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Porque é que deixaste de escrever sobre o amor?
eu says: Mas eu alguma vez escrevi sobre o amor?

ela que pensa que eu escrevo says: Escreveste.

eu says: Quando?

ela que pensa que eu escrevo says: Não sei, mas escreveste porque eu li.

eu says: E lembras-te dessa história?

ela que pensa que eu escrevo says: Sei que falava de mãos bonitas e unhas vermelhas. E era inverno. Nessa altura não escrevias sobre bifanas.

eu says: Ahahah, ok, eu prometo fazer umas linhas sobre o Tetro.

ela que pensa que eu escrevo says: Mas o Tetro não fala de amor!

eu says: Não?

ela que pensa que eu escrevo says: Não.

eu says: Então eu prometo andar mais atento. Agora vê-se muita gente a partilhar dúzias de castanhas na rua, os cartuchos das páginas amarelas, o fumo dos assadores a fingir que é nevoeiro, os casacos fortes e os cachecóis à volta do pescoço, algumas mulheres ficam bem giras de boina, deve dar para umas linhas...

ela que pensa que eu escrevo says: João...

eu says: O que é?

ela que pensa que eu escrevo says: Dúzias de castanhas, João?

eu says: Ahahahah

domingo, 22 de novembro de 2009

Are you predator or do you fear me
Decerto que fazia frio em Janeiro de 1991 quando os F-15 levantaram voo. O ataque massivo. Eu lembro-me de me estarem a vestir para a escola, de manhã, ainda estava escuro, e lembro-me das imagens verdes do deserto e dos mísseis disparados dos navios. O resultado foi uma série dos discos mais bem inspirados da minha estante. Com o devido atraso, com a devida dedicação, até comprar, hoje, o último bilhete para a plateia — verídico.


Há seis anos que não temos um novo disco de Massive Attack. Os rapazes não acertam com a fórmula e dizem que já deitaram fora dois conjuntos de gravações. Não conseguem reinventar-se? Não há como sobreviver à cena trip-hop da Bristol dos anos 90? 100th Window já foi espremido à força? O que se ouviu de novo esta noite no Campo Pequeno não foi explosivo, houve narizes franzidos, e não são muitos os elogios a Splitting The Atom, o EP que anda para aí.


Os sorrisos rasgados, os gritos bem alto, as mãos no ar e muitos assobios, esses só se ouviram com os clássicos, revisitados pelo caminho mais próximo do que está na memória — Angel com Horace Andy em palco — ou vestidos de novo — Teardrop com Martina Topley Bird. Isto porque Karmacoma, que continua sendo simplesmente a melhor forma de terminar um concerto, e Inertia Creeps, que continua a incendiar, não entram nesta contabilidade. E Unfinished Sympathy não se repete.


A política continua presente. No fundo do palco lêem-se mensagens contraditórias sobre os gastos do parlamento britânico e o custo de medicamentos ou refeições no Quénia e na Somália, que valem o que valem a despertar mentes. Um grande ecrã de leds brancos, vermelhos, verdes, letras e números gigantes, Simão quer acabar a carreira no Benfica, Cantona teria batido no Henry, pequenas faixas de código binário, citações de Mandela, Bakunin, Malcom X, Milton, Toqueville, Aristóteles, coiso. O espectáculo visual é muito bom.


Del Naja sabe de onde vem e tem uma ideia de para onde quer ir, Daddy G parece um acessório. A electrónica fica-lhes muito bem, a guitarra distorcida muito também, a banda, caramba.


O Filipe, há uns anos, numa aventura que teve o nome palerma de www.xiribizi.net, escreveu num artigo que aquilo soava como o álbum do Tricky: tensão pré-milénio. Agora soa a tensão pós-milénio? É que parece. Filipe?


sábado, 21 de novembro de 2009

Cada vez mais duvido de cozinhas abertas e dos discos do Marvin Gaye quando está a chover
O Royale não tem pinta nenhuma. A música está sempre muito alta, os copos, os pratos e os talheres batem demasiado, não há esse aprumo no serviço. Ter um café metido xique, ou metido fixe, no Largo Bordalo Pinheiro, devia obrigar a provas de aptidão ou de elementar bom gosto. Podem dizer-me, mas tem aquela esplanada interior, um estrado em madeira, as mesas e cadeiras de jardim, as plantas, os fetos e outras coisas verdes que cobrem a parede, e o toldo extensível que protege quando chove, e as saladas que são boas. Não é suficiente. Charme e requinte não é ali.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Uma rapidinha na Almirante Reis
Em bom rigor foi na Pascoal de Melo, onde as árvores frondosas criam mais sombras e o trânsito sempre é menos caótico que na avenida. E porque há coisas que requerem algum recato. Como, por exemplo, comer um prego às onze da noite. A última coisa que se quer de acompanhamento, no entanto, é um madeirense a aculturar um brasileiro: às seis da manhã já ele estava a mueter um copo de teinto e uma buifana, só pra vueres o andamuento do homem, antes de abrir o cafué, tás a vuer? É, tem pêssuao qui trabalha cedo, né? É o meu caso, amanhã. Mas estou dividido entre isto, uma biografia de um político e umas belas remisturas de música popular portuguesa.


Isto à medida que um homem envelhece, ou antes, cresce, sente necessidade de corrigir algumas afirmações. Ora, havendo poucos sítios nesta cidade onde se coma ao balcão por um preço aceitável quando a noite já vai longa, ou admitindo que sou eu que conheço poucos, até à meia noite, às vezes uma da manhã, a Portugália desenrasca com um prego que, é preciso fazer justiça, não vem mergulhado no molho de manteiga e é bem gostoso. Quanto à bifana, mantenho o que disse, mas o prego com tudo é capaz de salvar vidas. Com tudo é com cebola, queijo, fiambre e um ovo estrelado bem passado. Geralmente é da vazia, mas pode pedir-se do lombo e pagar a diferença, e só não pode é fugir-se à fritura — prego grelhado? sim. aqui não! não? não! pronto, homem, ‘ta bem.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Sachertorte, ou Lisboa tem tardes de parecer uma verdadeira capital europeia
É o famoso bolo de chocolate austríaco que se come no café austríaco do Chiado por uns não menos austríacos quatro euros, quatro. Muda-se da Rua Anchieta para outro bairro e pelo mesmo preço saboreia-se duas fatias. Quer dizer, em bom rigor são dois pedaços, porque as fatias de Campo de Ourique não resistem à primeira garfada e logo se desmoronam em chocolate derretido e abundante de raspar o prato com o garfo, doce doce. Mas no austríaco não poderia ser assim. A única coisa que se desfaz é o charme do sítio: a climatização é mais fria do que na rua, o que deve ser razão bastante para a simpatia oscilar entre o gélido de uma das moças e o morno de outra, e são umas quatro, hoje domingo. A comida, sim, tem óptimo aspecto, wiener schnitzel, altwiener saftgulasch, um brunch digno do nome, as várias tostas e de tudo um pouco, o chef estudou cozinha, e as sobremesas têm mão de mulher, tudo bem por aí. E o bolo de chocolate, o sachertorte, não se desfaz porque veio do frio — uma frase de duplo sentido, escuso explicar. Duas camadas de bolo meio fofo entremeadas com chocolate fundido, cobertas com uma geleia que nos intrigou, escondida sob uma capa dura e fina de chocolate negro, a fatia servida com natas frescas, ao lado, sem açúcar. Banal. E muito caro. Dir-me-ão: não era esse, mas sim o outro, o bolo de chocolate de trufa. Humpf.


Não há nada que me chateie muito no Kaffeehaus a não ser a falta de mais Kaffeehaus pela cidade. Nas avenidas! Nos outros bairros! Cafés desenhados com bom gosto, planeados, sóbrios e contemporâneos, com os jornais do dia e as revistas do mês passado, nas paredes cartazes de teatros e exposições uns por cima dos outros, sofás em pele comprovadamente confortáveis, tectos altos e janelas grandes, abaixo os azulejos!, os alumínios!, os grandes balcões envidraçados!, mostruários de má pastelaria e muitos fritos, os negócios do pai, da mãe, do cunhado e da nora que vieram de Ponte de Lima — excepção à família do senhor Carlos Sá, ali à Calçada do Poço dos Mouros, pessoa de bem, ainda que lampião —, cafés onde se vai para ler, para conversar, para ver chover lá fora, para comer diferente uma vez por outra, uma especialidade, uma suposta regionalidade, com aprumo na apresentação, com critério na variedade, com gosto por ter um espaço diferente, e agora que até há imprensa de lazeres e consumos dedicada ao que é citadino e atenta ao que tem pinta, um café onde se vai para escrever no caderninho, para seduzir, porque não?, ou simplesmente porque é o primeiro domingo verdadeiramente cinzento daqueles de anoitecer às cinco da tarde e apetece não se afastar demasiado de casa, ameaça chuva, as visitas pendentes que tenham paciência, cheira a castanhas assadas e é tão bom andar a pé. Se não for pedir muito, realistas no preçário. Há vários joões no sítio onde trabalho e o meu recibo de vencimento não é esse, é o outro, ora vira lá. Pois.