quinta-feira, 2 de março de 2006

@ Porto, Fantasporto - 3
«That’s very christian», disse-me o Till Franzen depois da conferência de imprensa, ontem, sobre o filme dele. Que raio. Não sou católico, mas a matriz cultural cristã veio à tona, hã? Isto acerca de uma interpretação que fiz da relação entre um personagem e outros dois: vi ali, primeiro, um amor homossexual; e depois um amor cego, corrosivo, nefasto, que persiste apesar de o outro nos fazer mal, porque o tipo, no final, mostra compaixão por esses seus apaixonados e os “perdoa”. Ah e tal dar a outra face. Não era por aí Till…

A noite de ontem foi rica em bom cinema. “The Bow”, do coreano Kim Ki Duk, e cuja foto promocional fez a capa da Fest Forward #2 — num excelente golpe de premonição do seu director, Filipe Pedro, que arriscou a capa sem ter a confirmação da estreia do filme no Fantas — foi ontem visionado, para um auditório quase cheio. O filme, sério concorrente na secção competitiva “Orient Express”, é uma obra de arte. Num barco de pesca, em alto mar, um homem de 60 anos tem vindo a educar uma jovem desde a sua infância. Está combinado que eles vão casar, quando ela fizer 17 anos. A subsistência do casal é garantida por pescadores que se deslocam ao barco, estacionado ao largo, para pescar. E cada um deles que se deixa encantar pela jovem, e tenta algum avanço, é surpreendido por um tiro de flecha em arco. O mesmo arco que o velho usa para tocar uma música recorrente, mas bela, como se de violino se tratasse. Um dia, um jovem rapaz vem ao barco e tudo estremece: o amor da rapariga pelo velho, o amor do velho pela rapariga, o amor da rapariga pelo rapaz, o amor do rapaz pela rapariga, e o ódio do velho pelo rapaz.

Todo o filme se passa sem que os protagonistas, a rapariga e o velho, digam uma só palavra. Só os outros falam. Mas diz-se tanto. “The Bow” é, especialmente, um objecto estético — se dúvidas houvessem, depois de olhar a capa da Fest Forward. A fotografia é excelente, a filmagem é muito boa, o cenário (um velho barco de madeira estacionado ao largo) é muito bem explorado. A banda sonora é… inexplicável.

Em seguida, e para descer à terra, a sessão das 23h15 começou com a muito falada e anunciada na TV, curta portuguesa forjada pela ETIC, “Sombras de Thule”. Hmmm… Foi terrível. Senhores: para fazer bons filmes é necessário ter boas ideias, boas estórias, bons actores e só depois bons meios. A ETIC conseguiu dinheiro e um alto patrocínio técnico da Sony, que forneceu os meios de captação e projecção na tecnologia de ponta HD, mas ficou com um péssimo filme. Triste.

A terminar a noite viu-se “Saints-Martyrs-des-Damnés”, de Robin Aubert, «um cruzamento de William Castle ("A Casa Assombrada") com David Lynch ("Twin Peaks")». O filme, que abre com belíssimos planos em grande angular de 20mm — projectado em 16:9, felizmente —, está repleto de referências, do terror à comédia, do thriller ao (cheirinho de) gore. «Um exemplo do melhor cinema canadiano de terror», e um dos melhores filmes do festival. E um dia no Fantas com dois bons filmes é um dia fora do vulgar.


Já hoje o dia começou com o Fantas Social (para convidados internacionais, júri e imprensa): um passeio de barco pelas cinco pontes do rio, e uma visita às Caves do Douro, com direito a prova. Passo o Vintage tinto, fico-me pelo único branco Porto, o Apitiv, para mim surpreendentemente agradável. E foi à mesa, nas caves, que se reforçou o que o Fantas tem de melhor: o convívio com gente de todo o mundo. Till (realizador), da Alemanha; Magnus (realizador), da Suécia; Taru (júri; produtora), da Finlândia; Chozin (júri; director do festival de cinema de Pifan e realizador), da Coreia do Sul; José Maria (jornalista), de Espanha; um outro cujo nome não apanhei (realizador), da Bélgica; e mais se verá. É hora de almoçar.

(Foto: o Fantas nas caves Sandeman, em V.N.Gaia, discutindo vinho, e não cinema)

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