terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Era isto que me faltava para decidir
Tecnologia à parte, outros indicadores dão a medida da diferença de estilo, de classe social, relativamente à comunidade do "sim", mais heterogénea e desmazelada. O beijo, por exemplo. Entre os grupos do "sim" prevalecem largamente os dois beijos na cara, sendo excepções um ou outro socialista beirão deslumbrado com o trato do jet set de Cascais e, de forma irregular, Paula Teixeira da Cruz. No "não", pelo contrário, só é admissível o beijo unifacial. Sem excepções. Sempre.


Prosa de primeira. Por Ricardo Dias Felner.
Posto isto, se o cumprimento do "sim" representa a tradição mais vulgarizada em Portugal, nesta matéria, que significado tem o beijo unifacial? É ele um beijo elitista? Serão as pessoas do "não" elitistas?Ora, não é a primeira vez que o beijo unifacial é usado para definir um dos lados da barricada, numa campanha eleitoral. Ele já foi referido nas campanhas do CDS-PP e do PSD, em anteriores referendos (regionalização e IVG), bem como em cerimónias várias envolvendo Santana Lopes. Na sequência desses textos, já houve quem se insurgisse contra estas generalizações, chamando-lhes sociologia de algibeira, preconceito ferroviário (contra a linha do Estoril) ou religioso. É certo que faltam estudos que permitam extrapolações mais rigorosas sobre a origem social e a conta bancária de quem assim beija. E que beijar assim não condena ninguém. Mas uma coisa parece indesmentível. Esse não é o cumprimento tradicional dos sindicalistas, nem dos utentes dos barcos da Soflusa, nem das empregadas domésticas, nem das lojistas do centro comercial de Odivelas, nem dos agricultores de Sobral de Monte Agraço.

(...)

E não há nem a preocupação, nem a habilidade, nem a serenidade política para escolher as pessoas mais dotadas para fazerem essa comunicação. Esta falha resulta, em boa medida, de quezílias antigas, decorrentes de conflitos históricos e pessoais entre as várias esquerdas no terreno. Há pessoas do PS que não se sentam na mesma sala com pessoas do Bloco de Esquerda; há pessoas do Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim que não se sentam à mesma mesa com pessoas do Movimento Voto Sim; e há pessoas do PCP que não se sentam à mesma mesa com ninguém. Por outro lado, existirão também à esquerda muitos políticos querendo assumir protagonismo na matéria, o que não é mau em si. O problema é que se trata, quase sempre, de um protagonismo preguiçoso, displicente, aquém do empenho posto nas disputas partidárias, quer do ponto de vista táctico, quer do ponto de vista estratégico, quer do ponto de vista dos recursos e da retórica.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

O bolo de bolacha
Apesar de não ser o dia, ele sabia que áquela hora já estava no frigorífico e por isso exigiu falar com a cozinheira. A empregada julgou-o melindrado com alguma coisa e obedeceu prontamente, receosa. O nervosismo só lhe abandonou o rosto quando ouviu um muito sorridente «ó meu filho, então estás cá hoje e não dizias nada?» A sexta-feira é que é o dia do bolo de bolacha, mas na noite anterior a dona Olinda já o tem pronto, no frio, no escuro, gozando as suas primeiras e últimas horas de vida, e que vida, antes de se dasfazer em delícias nas barriguinhas, e que barriguinhas, dos comensais do último almoço da semana. «Claro que sim! Ó Isabel, enceta lá o bolo aqui para o Henrique. Que seja uma fatia grande, ouviste?», ordenou enquanto se sentava, para saber se tinha gostado das lulinhas, que «estavam boas, não estavam?», dele, do trabalho e de quando é que lhe apresentava a noiva que não tinha, ou então deve é trabalhar menos, olhar mais para as pernas delas e elogiá-las, as mulheres.

Já ninguém nos restaurantes faz bolo de bolacha como a dona Olinda, e mesmo ela só faz um, para aí com dois quilos, é certo, mas só um e que desaparece em menos de nada, todas as sextas-feiras. São camadas sobrepostas da melhor bolacha Maria, carinhosamente embebidas em café de grão moído na hora e arrefecido numa leiteira de porcelana, para não ganhar o sabor do alumínio, e depois coladas por um creme de açúcar e manteiga açoreana com sal, amarelinho. Demora várias horas a fazer e o castelo não fica tão bonito quanto saboroso. Mas, «dona Olinda, há semanas que sonhava com isto», confessou depois da primeira garfada e enquanto ela lhe dava uma palmada na mão que tinha estendida na mesa, como que apoiando-o para não cair com o arrepio de prazer por tão espantosa sobremesa, e antes de se levantar em desculpas porque tinha de voltar para a cozinha, mas que Henrique ficasse à vontade, «filho».

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

A metáfora dos lápis de cor
Hoje magoaste-me sozinho. Estava a fumar-te, um prazer que vou achando cada vez mais imbecil, e a escrever. Sozinho. E não dei pelo calor, pelo teu calor, frio de lâmina, junto aos meus dedos. Disparatei em surdina, para não parecer mal. Apaguei logo o que restava de ti e prometi não fumar mais. Nem mesmo amanhã, quando me apetecer muito. Prometi, hein!

Enquanto estava ocupado nesta discussão, neste promete e não cumpre, o sujeito da mesa em frente disse-me: «podem aumentar o preço quanto quiserem, que isso a mim não me impede… porque gosto…». Sorri-lhe, anuindo e soprando os dedos.

O João chegou, entretanto, e ao mesmo tempo que puxava para trás a cadeira onde se ia sentar: «Estive a ler o que me enviaste e a minha primeira opinião é que a metáfora dos lápis de cor é como a das escapatórias de gravilha das pistas de Fórmula 1. Não se ultrapassa, mas continua-se em prova. Ou em pista, que são duas coisas diferentes.» Não consegui responder-lhe de outra forma: «Queimei-me, foda-se!...»

domingo, 21 de janeiro de 2007

Rai's parta!
Interromperem-me sistematicamente quando estou a tentar escrever isto, quererá dizer alguma coisa?

sábado, 13 de janeiro de 2007

Dos homens... ou melhor, de alguns homens
acerca do aborto

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Fosse como fosse
Aniceto era taxativo: «eu sei onde é que está o “Big” Laden, hã? Eu sei, porque eu estive lá…». Era possível. Afinal, aos 60 anos de idade Aniceto já tinha viajado por 43 países diferentes. E estudos? Nenhuns. E para quê?

Alheios a tudo aquilo, ou não tanto, Leonel e Pedro continuavam jantando, bebendo aquele tinto e falando de amor, de trabalho, de coisas, e de amor — acabavam sempre lá. É que Leonel estava apaixonado e isso via-se nos seus olhos azuis, que desde há cinco dias tinham um brilho que, não sendo diferente, era maior e mais… bonito? Fosse como fosse.

Terminando o resto do café de um gole, Pedro encaixou a cigarrilha bem entre o início dos dedos, pegou no telefone e escreveu: «Perdoa-me dizer-te isto, mas hoje estavas tão bonita que me apeteceu passar-te a mão no rosto, ajeitar-te o cabelo e beijar-te a bochecha». Chegando à mesa com a conta paga e a factura na mão, Leonel perguntou: «então, que fazes?». «Asneiras», respondeu Pedro. «Acabei de pedir perdão».

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

(queria escrever um título mas, sinceramente, não consegui)
Tinha o El País em boa conta. Um jornal sério, de referência, de qualidade, pensei eu até há bocado. É que encontrei — por acaso, pois queria somente espreitar a capa de amanhã — no site do jornal o vídeo integral da execução de Saddam Hussein. Mais: os fotogramas que o jornal escolheu para assinalar o documento são, por demais, explícitos. O El Mundo também disponibiliza o vídeo, embora com link para o Google Vídeo, assim como quem diz «epá, os outros é que têm o vídeo, nós só apontamos o caminho ao leitor», atitude igualmente condenável, para mim. Já o El País fá-lo pelo sistema de vídeos próprio.

Desde que vi o cadáver de Jonas Savimbi fazer capa de jornal em Portugal, em 2002, e porque eu era mais novo, agora não me espanto amiúde. Usar a imagem de um cadáver para provar a morte é usual, na imprensa. Acontece com anónimos, com outros; aconteceu com os filhos de Saddam há dois anos e com o próprio Saddam, agora, para contextualizar.

Mas ao que não posso ficar indiferente e com o que não posso de forma alguma concordar é com a divulgação na imprensa, seja ela de onde for, de um vídeo ou fotografias de um homem pendurado numa forca, de pescoço partido, olhos e boca abertos. Seja quem for esse homem. Daí que — a quente, que este blogue é de instantâneos — condeno o jornal espanhol El País, pela divulgação do vídeo e pelos fotogramas escolhidos para assinalar o dito na primeira página do site e na página onde se pode vê-lo. Não há valores éticos, deontológicos, ou morais? Sequer de bom senso?


Eu divulgo a imagem para fazer prova, porque amanhã ou depois o website estará diferente...
Ele há coisas que não mudam, ou como entrar bem em 2007

O primeiro pequeno-almoço do ano, às 8h e qualquer coisa de dia 1, quando estava um nevoeiro do caneco ali em Belém.

Nos primeiros dias de cada ano repete-se a magia de gastar tempo preenchendo algumas páginas da agenda. Em avanço ficam concertos, festivais de cinema, um ou outro aniversário, os exames, uma viagem... Para 2007 optei pelo tamanho de bolso.