O bolo de bolacha
Apesar de não ser o dia, ele sabia que áquela hora já estava no frigorífico e por isso exigiu falar com a cozinheira. A empregada julgou-o melindrado com alguma coisa e obedeceu prontamente, receosa. O nervosismo só lhe abandonou o rosto quando ouviu um muito sorridente «ó meu filho, então estás cá hoje e não dizias nada?» A sexta-feira é que é o dia do bolo de bolacha, mas na noite anterior a dona Olinda já o tem pronto, no frio, no escuro, gozando as suas primeiras e últimas horas de vida, e que vida, antes de se dasfazer em delícias nas barriguinhas, e que barriguinhas, dos comensais do último almoço da semana. «Claro que sim! Ó Isabel, enceta lá o bolo aqui para o Henrique. Que seja uma fatia grande, ouviste?», ordenou enquanto se sentava, para saber se tinha gostado das lulinhas, que «estavam boas, não estavam?», dele, do trabalho e de quando é que lhe apresentava a noiva que não tinha, ou então deve é trabalhar menos, olhar mais para as pernas delas e elogiá-las, as mulheres.
Já ninguém nos restaurantes faz bolo de bolacha como a dona Olinda, e mesmo ela só faz um, para aí com dois quilos, é certo, mas só um e que desaparece em menos de nada, todas as sextas-feiras. São camadas sobrepostas da melhor bolacha Maria, carinhosamente embebidas em café de grão moído na hora e arrefecido numa leiteira de porcelana, para não ganhar o sabor do alumínio, e depois coladas por um creme de açúcar e manteiga açoreana com sal, amarelinho. Demora várias horas a fazer e o castelo não fica tão bonito quanto saboroso. Mas, «dona Olinda, há semanas que sonhava com isto», confessou depois da primeira garfada e enquanto ela lhe dava uma palmada na mão que tinha estendida na mesa, como que apoiando-o para não cair com o arrepio de prazer por tão espantosa sobremesa, e antes de se levantar em desculpas porque tinha de voltar para a cozinha, mas que Henrique ficasse à vontade, «filho».
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1 comentário:
O Henrique disse-me que gosta mais de chantilly. :p
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