Coisas antigas e sem data II
Imaginava ser revistado, passar por um detector de metais, ter que deixar alguma identificação à porta, ser seguido por uma panóplia de cameras de vídeo ou agentes, fardados ou de fato. No fundo, aquilo a que quatro séries de X-Files me habituaram. Mas não foi nada assim. Nem Skinner, nem Mulder, nem Scully, nem Cancer Man. Apenas um sujeito ridiculamente baixo e em nada intimidante que, para chegar ao balcão estaria, certamente, em bicos de pés. Nem o autêntico caixote que é a minha mala quiseram ver aberta. Estive quase a pedir-lhes que o fizessem, na tentativa de imprimir um ar mais hollywoodesco à coisa. «Traz consigo alguma arma, algum objecto cortante?»
Depois de esperar perto de uma hora, ao ritmo de discussões de teor benfiquista entre o porteiro com ar de funcionário público e outros dois indivíduos que estavam na zona de espera, subi, finalmente. A caminho do elevador passei pelo pórtico de detecção de metais, apesar de não me ter sido exigido – tristemente, o aparelho não piou. «Quarto andar, sala 412.»
O elevador era minúsculo e velho, daquele com botões grandes e uma grade de correr, e cheirava terrivelmente a tabaco. Desiludido, esperei que aquilo melhorasse na secção a que me dirigia. Na viagem, imaginei um hall de entrada, uma recepcionista, vozes, telefones e bater de teclas. Quando abri a porta deparei-me com um corredor estreito, portas e mais portas em madeira velha pintada de branco e umas chapinhas azuis com a indicação das divisões. O soalho rangia a cada passo. Era um antigo edifício de habitação, agora convertido, na Alexandre Herculano.
“Fraudes creditárias”. Fui recebido por um homem que não devia ter sequer trinta anos, em calça de ganga e camisa, num gabinete de paredes amarelecidas. A sala tinha duas secretárias, dois computadores, uma janela com vista para as traseiras do quarteirão. Nada daquilo remetia ao universo polícial de qualquer pessoa que tivesse nascido na era da televisão.
Chateado por não ter almoçado ainda, vi as fotografias a correr e não consegui identificar o brasileiro gordo que, em Agosto, comprou uma máquina fotográfica com um cartão de crédito ilícito. Passaram três meses, outra coisa não seria de esperar. Contudo, o sujeito estava preso e a minha presença ali era para prestar declarações que seriam anexadas ao processo. Como não domino o léxico policial, o meu depoimento necessitou de confirmação frase a frase, arrastando-se por quase quarenta minutos.
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