Coisas antigas e sem data I
Está frio e chove sem parar. É já de noite quando entro no café, por volta das seis. À porta, sentado à caixa registradora, o velho sovina. Ao balcão, o tipo gordito e baixo, de bigode. Numa mesa, duas mulheres bebem um galão e comem bolos. Ao lado, um sujeito aprumado lança charme às tipas, enquanto folhea o Record. Entro, peço o meu café cheio, sento-me.
Abro o jornal, que comprei ainda de manhã, e leio sobre os atentados na Turquia e a viagem de Bush a Londres. Entra uma senhora com uma criança pela mão. Pede um bolo de arroz, recebe o talão, dirige-se ao velho para pagar. O gajo conta as moedas e deixa cair cada uma no seu respectivo lugar. Porque tudo tem um lugar.
- “Óh senhor Fernando, alcance aí o bolo de chocolate, sff”.
- “Qual deles?”
- “O que...”
- “Você não se explica! Quer que eu adivinhe? É que estão aqui dois! Um tem...”
- “O que está no nome da senhora Olinda.”
- “Ah bom, pois assim já sei. Agora, se você não me diz qual é, como é que eu hei de saber? É que estão aqui dois, um com cobertura e o outro s...”
- “Sim, senhor Fernando. Eu sei disso.”
Apeteceu-me levantar e esbofetear o velho. É costume parar lá, para um café apressado, e nunca o vi ser simpático, fosse para quem fosse. Antes pelo contrário, é estúpido que nem uma tábua. Imagino-o, de porta fechada, a conferir cada soma com o total de dinheiro em caixa. Não batendo certo, aproveita para enxovalhar um pouco mais o empregado e a filha. Será o senhorio? Que merda de acordo ou contrato é aquele, que obriga os sujeitos que lá trabalham a aturar o cabrão do velho sovina, que certamente ganha à comissão? Mas isso não é comigo. Nem com o ucraniano que está sentado à minha frente, aprumado à gangster do leste.
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