domingo, 20 de setembro de 2009

832 – 2436 quilómetros e o carro até já é outro – dias 4, 5, 6, 7 e 8
Arroz de carqueja é como se chama em Viseu ao arroz da cabidela que em vez de galinha tem vitela. No Cortiço é muita bom. Como os filetes de peixe-gato com migas de broa, couve, grelos e feijão frade, ou o pudim caseiro, caseiro mesmo. Já não me recordo em que dia foi, mas foi ao almoço. Não fomos foi ao bacalhau podre apodrecido na adega, com pena minha. Foi um bocado a correr. Como tem sido sempre, aliás. Até durmo a correr. Como no dia de Viseu, onde cheguei às cinco da manhã e acordei às oito com a redacção a ligar: “já viste os jornais?”

Estou tão cansado que não consigo escrever o que quero nem como quero. Quero, por isso, dizer apenas que:

1. O José Manuel Fernandes destruiu o que restava do Público; que o sillygate, os “disparates de Verão”, não era assim tão silly; que o senhor Cavaco que se queixava das “forças de bloqueio” andou a cozinhar uma e, até ver, deu cabo de uma recandidatura e ajudou a que Manuela Ferreira Leite tenha uma derrota retumbante nestas eleições; que ando a pensar em que raio de relação entre poderes é esta, com um Presidente a combater directamente nos jornais um Governo; que ando aqui numa encruzilhada deontológica devido à conduta do DN – não se divulgam as fontes do vizinho, diz-me a minha escola, mas o sacana do caso tem relevância política.

2. A campanha entre quem disputa o Governo está a passar-me ao lado. Não vejo telejornais, não ouço mais do que dois noticiários na rádio, não leio mais do que na diagonal as quatro páginas de campanha que dois diários publicam.

3. Por este lado a campanha anda morna, com o discurso repetitivo dirigido ao eleitorado-alvo bem identificado e assente na grande dicotomia “justiça vs os malandros”; com acções de campanha que, não obstante o ritmo endoidecedor, têm sido mal enjarocadas – isto não existe, mas toda a vida o ouvi – e que só espero melhorem quando se subir a norte definitivamente; anda com poucos reforços – o Miguel Portas lá apareceu hoje e o João Semedo lá foi dizer ontem ao Porto que querer maior justiça não é ser radical – e o Louçã já demonstra cansaço.

4. Ao menos agora consigo ouvir-me pensar quando vou a cento e quarenta na auto-estrada: dois mil quatrocentos e trinta e seis quilómetros depois; com Tires, Arrábida (de helicóptero), Moita, Setúbal, Serpa, Rio de Moinhos (Aljustrel), Almodôvar, Faro, Lisboa, Moscavide, Lisboa, Viseu, Porto, Alcobaça, Sintra e Moita com bandeirinha no mapa, agora ando em campanha com uma carrinha Citroen C5, um hino à insonorização.

5. Foi no Porto que tive o momento de loucura da campanha, que acontece a todos e geralmente bate certo com a metade da jornada, momento de insanidade, exaustão, explosão e regresso à normalidade depois de dormir, por uma vez que seja, durante sete horas.

6. Falta metade.

3 comentários:

Anónimo disse...

Faz-nos um favor: modera os andamentos. Carro novo, insonorizado, sozinho, cansado e viajando de noite não é boa conjugação. Cuidado.

O Fernandes perdeu o discernimento e acabou despedido sem o saber. Até o patrão lhe mandou recado pela televisão, para que o jornal não se deixe instrumentalizar pelo poder, só por ele, que o paga. É claro que o contra ataque, via Marcelino, foi abaixo de cão. Ante a luta pelo poder, o jornalismo segue dentro de momentos.

Esta campanha está recheada de jogadas baixas como não se vira. Juntamente com a dos espanhóis, esta patacoada do Cavaco ou de sus muchachos não lembrava ao diabo. O Marcelo e o Rangel lá tiveram de entrar em cena antes do previsto, tentando atenuar os prejuízos, desviando a atenção para o voto útil à direita.

O dramatismo do perigo da direita ainda mal começou, mas já deu um ar da sua graça. Só faltará o aparecimento de qualquer bomba relacionada com o velho ou um novo Freeport. Ideias sobre medidas que atenuem o crescimento do desemprego e ajudem a preparar as empresas para o relançamento da economia ninguém parece ter. Ou põem as Câmaras a endividar-se, reanimando as economias locais através das pequenas empresas, ou tarde ou cedo o crescimento do desemprego obrigará à abertura de novas sopas dos pobres.

É sintomática a hostilidade que o Portas está encontrando, mesmo no norte do país. Os pobres mostram conhecer as suas medidas de restrição do rendimento mínimo, não gostam, dizem-lhe e as televisões passaram a mostrá-lo. Do lado do justicialismo, parece não haver outro que não o discurso redistributivo, como se não estivéssemos mergulhados na maior crise do capitalismo, e o do ressentimento para com os capitalistas, como se a economia e a criação de emprego não dependesse deles.

Em vez de medidas imediatas para a criação de emprego — como, por exemplo, um plano de fomento na área da saúde, com a reparação de hospitais e o início antecipado da construção de outros previstos, como aconteceu com as escolas, que melhorava a oferta de emprego em diversas zonas do país, ou o apoio a empresas exportadoras em risco de fechar — clamam pela extensão do subsídio de desemprego, pela abolição das taxas moderadoras ou pela gratuitidade dos manuais escolares. Para não falar no ridículo das “desprivatizações”.

Enfim, a imaginação mostra-se pobre e a campanha desceu a um nível de golpes baixos que não era expectável.

Tenta descansar um pouco. Julgo não ser necessário acompanhar as arruadas; para esse colorido estão lá as televisões. Bastam os comícios e as almoçaradas, onde botam discurso.

Continuação de bom trabalho.

Anónimo disse...

A campanha, que já era fraca em denúncias do que não fora feito e devia ter sido, e do que fora e não devia, assim como de propostas concretas para enfrentar a crise, ficou definitivamente inquinada. Fora a questão do TGV, importante, mas desastradamente colocada com a referência aos espanhóis, a privatização da saúde ou da educação não são actividades geradoras de riqueza; são apenas oportunidades de negócio interno, de transferências de dinheiro para privados, sem alívio significativo das contas do estado. Ora, o que interessa é produção de mercadorias que também possam ser vendidas lá fora, e não a mudança na prestação de serviços aos que cá estão.

A asfixia democrática, que não chega a tanto e é apenas o resultado das incapacidades de conteúdo e de expressão do Pinóquio, e da arrogância e dos tiques autoritários que a maioria absoluta lhe permitem, tornou-se ridícula com o exemplo da Madeira. Apresentar como contraponto ao continente a Madeira, onde de facto existe asfixia democrática, pela grande dependência do emprego e de muitos negócios em relação ao governo regional, gerando uma promiscuidade sem precedentes entre os políticos e os negócios e um clima de acomodação dos trabalhadores às políticas chantagistas do vice-rei local, foi uma infeliz comparação.

O Cavaco está somando asneira atrás de asneira, reduzindo as possibilidades do PPD ganhar as eleições. Não creio, mas até parece ter sido um objectivo procurado, em face duma conjuntura económica muito difícil e que tenderá a agravar-se nos próximos meses. Se fizer a anunciada comunicação ao país na sexta-feira, o desastre será ainda maior. Está irremediavelmente descredibilizado. Esperemos que se contenha, porque os efeitos produzidos já foram suficientemente desastrosos. Agora, mesmo que as suspeitas das escutas sejam de facto suas e tenham alguma legitimidade, pouca gente lhe dará crédito. A não ser que a coisa seja grave e apresentada como dramática.

O aparecimento da peça do DN em plena campanha, quando as sondagens mostravam uma grande proximidade entre os dois partidos, parece ter sido jogada calculada. Alguém com as costas quentes, porque sabe que as escutas são paranóia e que a insinuação das suspeitas foi jogada a propaganda da asfixia democrática, ou porque ao contrário precisou de jogar na antecipação, descredibilizando o Cavaco antes deste apresentar factos legitimadores, utilizou o Marcelino ainda de forma mais descarada do que o Fernandes fora usado pelo Lima. Aquele noticiou uma suspeita, deixando no ar a insinuação; este apontou o facto como frete, esquecendo a notícia e denunciando os hipotéticos propósitos do mensageiro. É a política levada aos limites do cinismo. Como as coisas estão, parece que Maquiavel passou por aqui.

É sintomático que tivessem sido os justicialistas a denunciarem a fonte da transmissão das suspeitas ao Público, e que sejam também eles, antes mesmo de se saber se tais suspeitas têm fundamento, a pedirem a resignação do Cavaco. Pode ser apenas o velho hábito de dispararem para todas as direcções onde está o poder. Mas se não estão feitos com o partido do Pinóquio imitam bem. Se saírem reforçados das eleições e chegarem aos 9-10% dos votos, veremos como se comportarão em relação a um outro governo da personagem. Se não acentuarem o radicalismo, e assumirem postura moderada, irá ser um fartote de rir.

O facto relevante é que a governamentalização dos serviços de informações está trazendo ao de cima as suas verdadeiras funções de vigilância de adversários internos em vez da propalada vigilância de inimigos externos. Com a ridícula extrema-direita que temos, a verdadeira função do SIS começa a estar à vista. Esta rapaziada, os técnicos, os assessores e outros que tais, que constituem a chusma dos novos comensais à mesa do orçamento, não conheceu a velha PIDE e tratou levianamente de arranjar uma nova, ainda que de poderes mais restritos. Para esta juventude sem outro futuro, parece valer tudo para manter o tacho.

Gostei de ouvir as peças de ontem e de hoje.

Continuação de bom trabalho.

AR disse...

O Cortiço é espectacular!!
=)