domingo, 27 de setembro de 2009

2346 – 4453 quilómetros e assim de repente já acabou – dias, 9, 10, 11, 12, 13 e 14
Esqueci-me de dizer que a carqueja, do arroz do Cortiço, em Viseu, é uma planta? De flores amarelas, muito comum no norte do país, e não um galeirão, que é um passarito? Esqueci-me. Às vezes acontece. Como aconteceu que o bife à Vianna, do café Vianna, em Braga, desde 1876 a servir bifes duros como sola, foi uma desilusão de todo o tamanho – em cinco escapou um? É muito para ser azar, e aconteceu. Como aconteceu não ter conseguido fazer o que queria, escrever notas diárias da campanha eleitoral para as eleições legislativas. Aconteceu que o ritmo da campanha não deixou espaço para mais, que foi como saí do Silvas, ainda na Bracara Augusta: sem espaço para mais fosse o que fosse das iguarias que o tipo tinha para oferecer. Funciona assim: sentamo-nos numa cadeira ao balcão em forma de ‘u’ e rendemo-nos à variedade de pratos que o senhor do outro lado nos apresenta e até nos dá a provar, deixando um pratinho de bacalhau com natas, mas com poucas, para nos entreter enquanto esperamos pelas trouxas de peru com puré e couves de Bruxelas, ou pelas almôndegas, ou pelo bacalhau assado em tomate e cebola, ou pelas lulas recheadas, ou pela vitela estufada, ou pelos filetes de pescada. Ao fim de dois pratos já só nos rimos e a tragédia, bracarense, chega com as sobremesas, todas dispostas no balcão, dispensando apresentações. Confia em mim?, pergunta sorrindo, sabedor da consolação que já sentimos e daquela que ainda vamos conhecer. Estou nas suas mãos. Pudim de chocolate com baba de camelo, tarte de framboesa e pudim Abade de Priscos, tudo caseirinho. O Silvas original mora na Avenida da Liberdade, no centro comercial Granjinhos, e o irmão maior fica ali à Avenida Central, próximo do McDonalds – coisas do destino. Como a fotografia de mim, da Rita e do Sílvio, o chef, todos abraçados, retrato que já deve estar na wall of fame d’O Pote, onde tudo é de leitão. Quis o destino que ali fossemos parar e que a nossa fotografia fosse toda olheiras e demasiado brilho na pele, para não lhe chamar sebo, mas enfim, dias muito longos. O homem trata muito bem jornalistas e faz questão da fotografia, porque a melhor publicidade é a que passa de boca em boca. Era muito tarde, fez-nos uma mesa, pagámos uma pechincha por entradas intermináveis, leitão que não acabava, sobremesas variadas, vinho verde e cafés, muitos. Fica na estrada do Louriçal a caminho de Pombal, saindo da A1. Quando virem a placa grande e azul a apontar para o ‘manjar dos leitões’, ou lá o que é, podem parar e virar a cabeça para a esquerda – não vale ir mais longe. A não ser que se seja do Bloco de Esquerda. É que eles querem mudar o mundo, como cantaram nas arruadas do Chiado e da Cedofeita.

Andei por Marinhais, Riachos, Santarém, Coimbra; Lousã, Coimbra x3; Esposende, Braga, Guimarães, Braga; Barreiro, Lisboa (Chiado), Barreiro; Cacia, Aveiro, Santa Maria da Feira; Porto (Serralves), Porto (Cedofeita), Braga, Porto (Coliseu).

Campanha – um piqueno e médio balanço

A campanha do Bloco decorreu sem sobressaltos e conforme o pretendido. Na primeira semana o discurso incidiu no programa do partido – “leiam-no e percebam por que é que Sócrates não gosta dele”, dizia Louçã nos comícios – para depois se dedicar aos eleitores indecisos – “somos a esperança” – e finalmente acabar com o apelo ao “voto com utilidade para derrubar a maioria absoluta socialista”, dramático, “ou a esquerda ou a maioria, ou o Bloco ou a maioria”.

Nestes catorze dias houve momentos difíceis e outros maus, como as repetidas explicações a que Louçã foi obrigado, em comícios e na rua, sobre a proposta do fim dos benefícios fiscais nos PPR – teve até um encontro crispado com um sujeito numa arruada na Moita. Ou a recusa em falar com as peixeiras em Alcobaça, que caiu mal nas televisões e que soube que nem ginjas ao Paulo Portas. Ou uma arruada na Moita que não durou mais de cinco ou dez minutos porque não andava ninguém pela praça central ao final da tarde, e que obrigou a regressar, dias depois, numa noite de feira e festa da cidade, sem hipótese de falhar o banho de gente. Ou a incursão pelo Alentejo, por Serpa, Rio de Moinhos e Almodôvar, com iniciativas de pequeno alcance que podem até captar votos nas freguesias e alimentar os anseios das estruturas regionais do partido, mas que têm pouco impacto na votação e nenhum na comunicação de massas além da mensagem de que o Bloco vai onde nenhum governante ou grande partido foi. Ou o penúltimo dia de campanha, em Aveiro, com o partido escondido das pessoas numa escola em Cacia e numa sessão de esclarecimento para estudantes na universidade.

Houve, igualmente, bons momentos, como o grande comício do Coliseu do Porto, com mais de mil e quinhentas pessoas, este já sob o mote “estamos prontos”, e os de Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém e Faro, capazes de arregimentar muito boa assistência e onde o Fernando Rosas, o Luís Fazenda e o Miguel Portas brilharam. Como o momento em que, de forma taxativa e clara, fácil de perceber ao povo, Louçã disse um rotundo “não” a um entendimento com o PS, perante quinhentos militantes, sem os rodeios de uma semana de campanha passada a responder aos jornalistas que “o Bloco não alinha com políticas das quais discorda”, o que lá em casa ao jantar na televisão é o mesmo que nada. Como as intervenções do jovem candidato por Santarém, José Gusmão, sobre quem já escrevi, que vai revelar-se um óptimo parlamentar.

Os melhores momentos políticos da campanha foram, para mim, alguns discursos do Rosas e do Fazenda. Entusiásticos – até em demasia, como alguém haveria de me comentar – e ideológicos, bem claros: não abandonámos os ideais revolucionários, de mudança social, mas estamos abertos à transformação; isto não começou com as eleições nem vai acabar com elas, o trabalho do partido é a prazo, para organizar um novo campo social que sirva de base a um poder político de esquerda, socialista, alternativo, organizar as esquerdas da esquerda.

O líder do partido teve de se encarregar da mobilização das tropas, mais da forma que do conteúdo, e conseguiu-o. O estilo colheu, o discurso da justiça versus as injustiças que entram pelos olhos de todos também colheu, e as principais propostas apontaram directamente a franjas de eleitorado ávido de atenção ou desiludido com o Governo. A reforma por inteiro e sem penalizações após 40 anos de descontos; novos modelo de avaliação e estatuto da carreira docente; revogação do código do trabalho; um imposto sobre as grandes fortunas para financiar a segurança social e as pensões a convergir com o salário mínimo; ensino gratuito em todos os níveis. Isto é para os trabalhadores, para os professores e outras classes profissionais agastadas com o Executivo, para os jovens que estão a entrar na vida activa e para os estudantes, para os velhotes que vivem com pensões baixas. No essencial nem é preciso ir mais além e olhar para o casamento homossexual, ou para o fim das parcerias público-privado na saúde, ou para a reprivatização da parte da GALP vendida no final dos anos 90, ou para a tributação de todas as operações em bolsa, ou para um novo escalão de IRS de 45 por cento, ou para a saída de Portugal da NATO, ou para a proibição dos despedimentos nas empresas que apresentem lucros, entre outras. Já estou como o Louçã: leiam o programa, ele deixa poucas dúvidas. Eu também tenho poucas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Eh pá! A prescrição quase oferece o paraíso. São remédios tão bons que o doente não morre da doença, mas acaba por morrer da cura, pelos chamados efeitos secundários. E trata-se de um programa eleitoral para quatro anos, num país de tanga, no meio da maior crise geral do capitalismo. Imagina o que será o programa de médio prazo da revolução. Esse pessoal não tem tino.

O engraçado é que a faceta revolucionária não passou nas TVs; aí, só houve holofotes para o folclore justicialista. Embora não tenha estado atento, porque o espectáculo mediático em torno dos chefes era enfadonho, gostei que tivesses referido esse cunho ideológico que o Fazendas quis marcar e que reflecte o objectivo com que uma boa parte daquele pessoal continua sonhando.

Falta ainda clarificarem como pretendem realizar a revolução, se com a reforma, se com a insurreição; e o que entendem por socialismo, se é a regulação do capitalismo privado concorrencial, se é a introdução do capitalismo de Estado monopolista. Nada que aquela juventude, à medida que for amadurecendo, não possa fazer. O pior será o mando dos chefes beatos.

Continuação de bom trabalho.

Anónimo disse...

Gostei do trabalho, que poderia ter sido melhor aproveitado. Parabéns.

Rita disse...

Sim, JP, a fotografia está lá no Pote. Eu já a vi, da décima vez que lá fomos jantar ou almoçar ou lá o que era. E o Silvas, pá, o Silvas, não fosse por mais nada e a campanha estava ganha com aquele bacalhau, o pudim de chocolate com baba de camelo e o pudim abade de priscos. Temos de lá voltar :)