Eu às vezes repito-me
Isto dos manifestos é como contar manifestantes nas ruas. Há um procedimento — não se lhe pode chamar método — que consiste em, de olho direito fechado, que melhora a mira, juntar um grupinho de dez cabeças e tentar reproduzi-lo pela mancha total de cabeças. Deu vinte grupinhos semelhantes ao primeiro? São duzentos manifestantes. Deu entre trinta e cinquenta? São cerca de quatrocentos. Deu bué e enchem assim tipo uma avenida? São cem mil e são professores. Falível, portanto. Um bocado como contar a malta que escreve e subscreve manifestos aos partidos políticos. E em pouco mais de um mês surgiram seis — o livro do Pedro Santana Lopes, “a cidade é de todos”, ed. Leya, não conta, ok? Seis manifestos ou cartas abertas, subscritos por vinte e oito economistas, por catorze intelectuais, por dezenas de personalidades ligadas à cultura, e hoje por mais de sessenta pessoas — arrisco reduzi-los a pessoas — que assinam uma “carta de católicos” aos partidos. Vistos os nomes, quando os há todos e não apenas aquilo das personalidades como fulano de tal, uma dúzia são repetentes e os outros são os primos convencidos ao jantar.
Os repetentes, os que assinam vários manifestos, são sempre ex-qualquer coisa, ex-ministro, ou actual-qualquer coisa, como deputado, geralmente deputado independente eleito nas listas do PS, professor universitário, presidente desta associação ou fundação, músico ou qualquer outra coisa que lhes dê relevância. São figuras com visibilidade e isso faz parte da lógica do manifesto. Ou então são os que chumbaram de ano, que há tempos que tentam chegar a algum lugar, sem sucesso. Invariavelmente estão ligados aos partidos. Mas são poucos e são sempre os mesmos. Há um mês estive no congresso da SEDES, essa referência pela antiguidade e por nunca se ter transformado em partido, por recolher um leque de personalidades de relevo, por publicar umas “tomadas de posição” e tal. O congresso tinha menos gente que algumas aulas daquelas cadeiras mesmo chatas lá na faculdade, onde nem reprovar por faltas era incentivo suficiente. Poucos, muito poucos. Poucos mas com peso, porque tudo estremece quando tomam posição. Mas poucos. E todos, ou quase todos, com uma coisa em comum: currículo no exercício da cidadania, quase sempre com início naquele pedaço da nossa história que foi o regime não democrático ou os tempos da transição — os tempos da urgência em ter posição, em agir, em fazer coisas. E já me estou a repetir.
Eu não tenho nada contra os manifestantes dos manifestos. Mesmo que sejam os mesmos dos partidos, das associações, dos blogues, das colunas nos jornais, dos espaços de debate e comentário nas televisões, de todo o espectro mediático, de toda a opinião publicada — não, nunca vi, nem sei bem se quero ver, o novo programa do Pacheco Pereira (ai jesus, vénia, não é?...) na SIC Notícias —, os mesmos das tertúlias, das palestras e das conferências, das apresentações de livros ao final da tarde, das inaugurações, dos comissariados, de tudo e de nada. Nada contra. É que, no final, se até eles ficarem quietos isto deixa de existir. Mas onde é que vocês estão, pá? Sim vocês. Onde é que nós estamos? Alguém quer fazer alguma coisa? Ninguém quer agitar esta merda? Está muito calor, é? Olha que no final até é divertido, porra...
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1 comentário:
Vale a pena ver o novo prog do Peixeco, pá. Ajuda a distinguir o bom do mau jornalismo. Quem sabe até nos pode abrir o olho crítico que ainda tá meio ensonado.
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