domingo, 19 de julho de 2009

Eu nunca estive em Santo Tirso, eu ando a ler sobre cidades
Não sei se existe algum segredo para cozer bem camarões, mas prometo averiguar. Camarões é aquela coisa que eu até gosto de comer, se fritos com alho, ou cozidos e servidos com sal, limão e gelo, na esplanada aqui de casa, à tarde e acompanhados de cerveja gelada, mas que bem dispenso fazer. Um pouco como os bolos: comer sim, fazer não. Sei que há receitas simples e boas, mas mesmo assim. Depois, dá nisto: a minha avó fazia um bolo de leite que nunca mais comi, a minha mãe faz um de laranja que há anos não como e o de chocolate, grande e fofo, já só lhe recordo a imagem da forma quase a transbordar. A torta de laranja vai pelo mesmo caminho, mas desta sei que a receita do chefe Silva foi acrescentada de precioso saber e de um creme para o recheio que não lhe pertencia mas que se revelou imprescindível para o Natal. O Natal perdeu a cor, já não sei em que ano. Mas recordo-me de folhear Teleculinárias que custaram dois escudos e cinquenta centavos. Também não sei em que número está a receita da torta e em que noutro a do recheio. Nem tão-pouco onde estão as revistas. Mas tenho na memória que o salame de chocolate leva bolacha Maria da Triunfo e vinho do Porto na prata, e que o bolo de bolacha, para ser sério, se faz com manteiga. Já o arroz doce... bem, ando farto do que se vende no bar do senhor Rui, agora que voltei a comer por lá, e não esqueço o cheiro daquele que fazia a dona Regina. Também me recordo de a ver passar a roupa a ferro. Eu passo as minhas camisas a ferro. Ando é preguiçoso, ou então é do calor, e deixei de fazer as maratonas de domingo à noite, o que me obriga a engomá-las de manhã, meio à pressa. Engomar, que é como quem diz.

Adoro o teu sorriso. Ficava horas a olhar para ele. Sorrisos como o teu só existem nas cidades. Nas cidades onde as pessoas vivem e trabalham, onde andam a pé, onde se encontram e onde dão encontrões. A boa cidade é aquela de onde as pessoas saem para ir passear quando conscientemente não querem passear na cidade, porque na boa cidade as pessoas não saem para ir dormir a outro lado, nem chegam de fora pela manhã, porque é ali, na boa cidade, que vivem. A boa cidade é a cidade de Baudelaire, a cidade dos entusiastas, onde se baixam as defesas porque se sente em casa, onde se sendo entusiasta se entusiasma com o que se vê acontecer dentro daquela porta, por detrás daquela montra, naquela rua, naquele sítio àquela hora, sítios e pessoas que fazem a boa cidade, onde um pouco de caos humano nas ruas nos faz esbarrar contigo e com os outros, boa confusão sem buzinas nem fumos, ou pelo menos sem se estar dentro dos automóveis que buzinam e deitam fumo, boa confusão que cria laços onde se pode ser caçado, tropeçar, onde se pode ser curioso, onde se pode observar, provar, saborear. Não, eu não ando a ler manifestos autárquicos. Podia andar, mas não ando. E não ando só porque depois tinha de escrever que o Terreiro do Paço, aos domingos, é das pessoas mas o Martinho da Arcada tem as portas fechadas, ou tantas outras coisas — isto estava a correr tão bem.

Diz que em Santo Tirso há um doce, ou um bolo, não sei bem, porque nunca estive em Santo Tirso, que se chama limonete. Eu não conheço, mas vou tentar provar. Já tenho o mapa para chegar à confeitaria Moura.

1 comentário:

AR disse...

Não te esqueças do café para o bolo de bolacha!