segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Três bons filmes ou o (meu) DocLisboa até agora
DocLisboa 2006 termina no próximo domingo, 29 Out. Decorre na Culturgest.

“The Emperor’s Naked Army Marches On” foi a primeira agradável surpresa do DocLisboa. Neste documentário do japonês Kazuo Hara, filmado entre 1982 e 1987, somos levados a entrar na vida de Okuzaki Kenzo, soldado sobrevivente da II Guerra Mundial, do teatro de operações da Nova Guiné, e na sua obsessiva busca de provas que responsabilizem o império japonês por mortes obscuras de soldados seus compatriotas.

Na Nova Guiné, já no final do conflito, as tropas japonesas foram deixadas a morrer à fome, cenário que deu origem a episódios de canibalismo entre camaradas militares — os soldados rasos eram sacrificados. Ou então, dias depois de finda a guerra, soldados dados como desertores eram executados sem julgamento.

Kenzo procura oficiais na reforma, envelhecidos como ele, e arranca-lhes — sim, arranca, porque chega a usar a violência — depoimentos que confirmam as suas suspeitas.

São vários os aspectos que acho interessantes na fita. Por um lado os factos escabrosos que apresenta, e que eu desconhecia. Por outro, relembra o que é a guerra, qualquer guerra: horror indescritível. É também um estimulante retrato da complexa sociedade japonesa, embebida numa cultura imperial há milénios, complexidade essa que encontro na relação e respeito pelos espaços privados, ou na honradez dos extensos cumprimentos, ou no brio com que Kenzo pede desculpa àquele que momentos antes agrediu, ou na cuidadosa e respeitadora acção das autoridades quando são chamadas a intervir nos desacatos e manifestações solitárias que Kenzo promove.


“Logo Existo”, de Graça Castanheira, apresentou-se em estreia absoluta num Grande Auditório que creio ter esgotado. A minha expectativa pessoal acerca da fita era elevada. De facto, desde as declarações pretensiosas e arrogantes — e francas e realistas? — que ouvi da realizadora aquando do festival Panorama – Mostra de Documentário Português, em Janeiro último, que vinha esperando que as corroborasse com trabalho vivo. E isso aconteceu ontem, com “Logo Existo”. Tecnicamente excelente e irrepreensível, interessante na abordagem ao tema, maduro na realização, ao filme bati palmas com prazer.

“Logo Existo” parte de histórias de renascimento após acidente vascular cerebral e toca assuntos relacionados com o estudo da mente e a relação que com ele têm a religião e filosofia, incluindo ainda algumas notas informativas — à falta de melhor palavra… — sobre neurobiologia.

Pessoalmente, a fita agoniou-me em vários momentos. A possibilidade real de um AVC aos 30 anos assusta qualquer um, e a quem, por vezes, salta noites, bebe mais café que o estritamente necessário ao gosto, corre em horários, etc e tal, ainda dá mais motivos para pensar. Merece ser visto. (acredito que passe na TV em breve)


“Sisters in Law” chegou premiado a Lisboa. Prémio do público no festival de cinema documental de Amesterdão, prémio CICAE em Cannes, e nomeação para melhor documentário britânico nos British Independent Film Awards, tudo em 2005.

O filme de Florence Ayisi e Kim Longinotto retrata duas juristas camaronesas que executam a lei e a justiça num contexto marcado pela tradição, abuso e violência, sobre as mulheres e as crianças.

Agradou-me o olhar pelo emaranhado cultural (social, religioso), que espelha muitos dos países africanos, a questão do poder nas mãos das mulheres — não tendo ainda chegado à política, são elas que tocam o país para a frente nos cargos de poder que ocupam —, e o relembrar da desestruturação transversal que grassa em África.


O DocLisboa continua amanhã.

Sem comentários: