quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Tanta coisa por aí e os dias continuam tendo só 24 horas. Xiça.

Dias de chuva
1) Num sábado que passou estive no DocLisboa 2005, na Culturgest, para ver “A Decent Factory”, documentário de Thomas Balmés que retrata as condições de trabalho em fábricas chinesas fornecedoras de equipamentos para a Nokia. O mote é a ética no trabalho, que preocupará uma finlandesa como a Nokia, e que não tem tradução prática na realidade das fábricas chinesas, nem mesmo quando o contratante é alemão. Turnos de 12 horas e semana de trabalho de seis dias, seja qual for o volume de encomendas; ausência de contratos de trabalho; escusado será dizer que seguros de qualquer tipo ou descontos para uma segurança social também não existem; a própria fábrica não está totalmente legal; manufactura em mais de 90 por cento das fases operacionais; 99 por cento dos operários são mulheres, ficando os homens com os cargos de supervisão, aproveitando para o enxovalhamento das primeiras; dormitórios nas imediações da empresa, horários rígidos de entrada, impossibilidade de saída, oito mulheres por cubículo, sem visitas, interdita a entrada de comida naquelas quatro paredes; gravidez é sinónimo de dispensa; as refeições fornecidas no refeitório não prestam — são as operárias quem o diz; falta de condições de higiéne e segurança, no trabalho e no dormitório; do salário é descontado um valor pelo alojamento e alimentação, o remanescente é quase metade do salário mínimo na província; os dois alemães representantes da empresa contratante, e os únicos residindo/trabalhando na fábrica, procuram um buraquinho onde se esconder, mas mesmo assim são sinceros e não têm pejo em pôr às claras os podres do negócio; etc.

Uma pergunta: a Nokia deixou de comprar aquele fornecedor? Um comentário: dizem-me que no comunismo era bem pior, nunca os chineses viveram tão bem e os que são explorados naquela fábrica preferem aquela vida à do campo, na aldeia onde nasceram, a mais de 10 horas de carro de qualquer centro urbano.

2) A edição de 2005 do Seixal Jazz já terminou e teve como ponto alto o concerto de Kurt Rosenwinkel.

3) Na noite passada caiu um telhado no Museu de História Natural, o que provocou uma ligeira inundação, contou-me o porteiro de serviço. O mesmo que me informou acerca do passe anual para o Jardim Botânico (por 7,5eur) e de como se contam pelos dedos de uma mão os portugueses — excluindo os velhinhos habitués — que visitam o Jardim diariamente, sendo que no Museu já teríamos que usar as duas mãos. Fui ver a exposição Fotógrafos da Natureza, da BBC Wildlife Magazine — disponível até 28 Nov. Fui o primeiro. Depois de mim chegou um casal de ingleses e dois casais de portugueses com os respectivos rebentos, com não mais de uns 7 anos, ele um bocado enfadado e ela verdadeiramente surpreendida e entusiasmada.

Do Museu destaco as paredes cinzentas do reboco de cimento, sem pintura, contrastantes com o mármore branco das ombreiras de portas e janelas, buracos aqui e além, denunciando as tubagens de electricidade e canalizações. Um Museu de história que é parte da História e cujos responsáveis devem querer que o aspecto o demonstre — velho e pior conservado que os exemplares de crustáceos em frascos de formol. Percebo o aspecto que se pretende, e até posso considerar museulógico, à falta de melhor palavra. Mas aquele edifício do século XVIII (edificado pouco depois do Terramoto) merece melhor. E no final não há um folheto informativo, institucional, que satisfaça a curiosidade do visitante, esclarece-me o António, que agora já bebe um café, roubado à máquina na outra sala, tal é o fraco movimento. Adeusinho.

4) Wallace & Gromit and the The Curse of the Were-Rabbit. E tantos outros que ficaram pelo caminho, raios.


Espreitar, sff
1) Nasceu a Prisma.com, uma publicação online dedicada à comunicação, informação, tecnologia e artes, propriedade do Centro de Estudos em Tecnologias, Artes e Ciências da Comunicação (CETAC) da Universidade do Porto.

2) E está para nascer o jornal digital “Comum”, do Grupo dos Alunos de Comunicação Social da Universidade do Minho (ver aqui). [no sítio onde estudo continua havendo zero e isso é especialmente ridículo quando os vizinhos das economias e gestões estão a planear um jornal electrónico]

2) A Rascunho já tem algum tempo.

3) O BlogReporters já arrancou, e apresenta-se como um espaço no qual «poderá encontrar notícias, reportagens, entrevistas ou fotografias da autoria de qualquer pessoa interessada em fazer jornalismo profissional».


Esta agora…
Bem, eu já sabia que o Público não era um jornal português, a julgar pelo código de barras iniciado com 977. Mas que os tipos que lá escrevem não são jornalistas, essa apanhou-me de surpresa. «Eurico Reis tem entendimento distinto. “Sem carteira, não podem ser qualificados de jornalistas”, diz, lembrando a violação ao Estatuto do Jornalista.» Soube por aqui.


DNa em risco de acabar
Li, incrédulo, que está a ser ponderado o fim do DNa, o suplemento cultural do DN (aqui). E a Grande Reportagem já sabe que vai deixar de ser impressa (aqui).

Se a primeira notícia me abalou, a segunda é-me indiferente, porque sempre considerei um assassinato da publicação a sua passagem a semanal e todas as mudanças de formato que isso implicou.

O sr Joaquim Oliveira já começa a arrumar a casa, que comprou com os 300 milhões emprestados pelo amigo Ricardo Salgado.


Duas novas “económicas” nas bancas
«Duas novas revistas mensais das áreas de economia e gestão chegaram ontem às bancas: a Just Leader e a Ed. A primeira, do grupo da revista Prémio, é dirigida por Freddy Vinagre, privilegia a área de gestão e é vendida a três euros. A segunda, que incide na área de economia e negócios, é da empresa Lagonda, tem como director Fernando Vicente e custa 1,9 euros. O grupo da Just Leader, já responsável pela revista Prémio — que detém os direitos do título norte-americano Business Week —, estabeleceu um acordo para a utilização dos conteúdos das revistas brasileiras Veja e Exame Brasil, tanto nestas publicações como na Prémio Viagens, um projecto com lançamento previsto para Novembro.»
in Público, 29Out2005-11-02


“Nós, os media”
Terminado o livro de Dan Gillmor, “Nós, os media”, faço minhas as palavras de Eduardo Cintra Torres, um destes dias no Público: «…um daqueles livros americanos de estilo messiânico nos quais se vão repetindo até à exaustão do leitor as ideias principais…». O livro, que tanto alarido causou quando foi lançado em Portugal, é francamente mau. Não consegui extrair uma ideia interessante, uma linha de pensamento construtiva, algo que valesse a pena anotar e parar para pensar.


O cidadão-jornalista de Eduardo Cintra Torres
«É certo que as novas tecnologias possibilitaram uma maior participação dos cidadãos nos media tradicionais e permitiram-lhes criar os seus próprios media, como os blogues. Isso contribui para aprofundar a democracia, para um alargamento do espaço público. Mas há uma forte deriva de determinismo tecnológico neste conceito que abarca ao mesmo tempo o jornalista dum jornal, o turista do telemóvel que filma o tsunami e o autor de um blogue diário. Não é por acaso que Gillmor escreve, com mais certeza do que um pastorinho em Fátima: "Não tenho dúvidas de que a tecnologia acabará por vencer" (p. 229). Mesmo o título do livro, Nós, os Media, faz do cidadão uma tecnologia (media) e não um autor de conteúdos, que é o que um jornalista é.Mas se é cidadão-jornalista aquele que enviou imagens do atentado no metro de Londres, como defendeu um dirigente da BBC (em 06/10), também o deveria ser o habitual informador verbal dos jornalistas. Por exemplo, a mulher que descreveu para a CBS o embate do primeiro avião nas Torres Gémeas ou a mulher que descreveu para a RTP o som da derrocada da ponte de Entre-os-Rios e os faróis acesos afundando-se no Douro. Essas pessoas usaram a velha palavra e uma tecnologia antiga - o telefone - para participar na informação. As pessoas que descrevem um incêndio para a câmara profissional ou para um bloco-de-notas dum jornalista também participam na feitura da notícia com a sua narrativa pessoal. Por que raio se chama jornalista ao transeunte que faz umas imagens no metro de Londres e não à velhota que telefona para a SIC a dizer que há mais um incêndio no seu concelho?
Se o nível de participação é diferente, a função do narrador in loco ou do indivíduo que grava um ataque terrorista no telemóvel é a mesma. O primeiro existe há séculos. O segundo há cinco anos. E todavia, porque o contributo de um é oral e do outro visual, são considerados diferentemente pelos teóricos do cidadão-jornalista.

E que dizer das máquinas de circuitos de vigilância da estação de Atocha no dia 11 de Março de 2004? Elas são tão "cidadãos-jornalistas" como os turistas que gravaram o maremoto na Tailândia ou na Indonésia em 2004.
Por captar imagens de água invadindo Pukhet o turista não é jornalista, da mesma forma que, ao atender o telefone, o Presidente da República não é telefonista. Quem compra tábuas no Ikea e monta o móvel em casa não é marceneiro, quem faz uma transferência bancária numa ATM não é empregado bancário e quem enche o depósito de combustível em auto-serviço não é gasolineiro. Quer dizer, não tem essa profissão.

(…)

O jornalismo não pode ser apenas a "tecnologização" da função do informador. A pessoa não se torna jornalista por participar no espaço público. O messianismo tecnológico e político dos Dan Gillmor que pululam pela Internet menoriza a actividade jornalística e contribui para a diluição do jornalismo (que, aliás, é desejada por Gillmor ou Outing) e para o apagamento das tarefas sem as quais não há notícias autênticas: estruturação, selecção, equilíbrio, factualidade objectiva, confirmação de fontes, estilo, responsabilidade, ética, serviço ao público.»
Eduardo Cintra Torres, in Público, dias 29Out e 1Nov de 2005 (artigo em duas partes)


O Ilharco foi beber o café ao bar da FCEE, viu aquele miudo que copiou o penteado a um tipo da TV, engasgou-se de riso, e “puf”, não se fez o Chocapic, mas surgiu o tema para a crónica quinzenal do Público
«Mas mais do que os D"ZRT parece ser a série "Morangos com Açúcar" que hoje em dia é uma espécie de critério comparativo, de modo de aferição e de valorização da vida de muitos adolescentes e sobretudo pré-adolescentes portugueses.»
(isto não interessa, mas é só pra contextualizar)

«Quando nos lembramos que numa sociedade tecnológica como a nossa o meio é a mensagem esquecemo-nos muitas vezes da conclusão óbvia de McLuhan: que o conteúdo são os utilizadores — somos nós. (…) Com a televisão em todas as divisões da casa, com a lógica de Hollywood, dos bons e dos maus, das marcas e dos produtos, em todos os écrãs do mundo, a realidade é hoje a imitação do universo digital em que vivemos.»
(isto sim, já interessa e é a sério)
Fernando Ilharco, in Público 31Out2005


Apontar na agenda
A edição de amanhã (hoje?) do Clube de Jornalistas, na Dois, é dedicada à questão da invasão da publicidade no espaço informativo. Mais info aqui.


«A malta é jovem… não explicam!...»
«O meu repórter era jovem, feliz com a sua juventude (feliz ou angustiado, o que vem a dar no mesmo). Não que eu tenha uma visão normativa da juventude não tolero tal atitude em relação à minha juventude, não a favoreço face à juventude dos outros. Seja como for, há um valor simbólico que as televisões instalaram no nosso quotidiano. Assim, a maior parte dos repórteres combina a ligeireza do olhar e a futilidade das observações com uma juventude que há muito deixou de ser um mero índice etário, para passar a funcionar como metáfora mediática: é jovem, logo tudo lhe pode ser permitido e desculpado.»
João Lopes, in DN 30Out2005


Ah pois é…

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