sábado, 9 de julho de 2005

24º Estoril Jazz, 2005
8 de Julho, JAPP – The Charlie Parker Legacy Band


E à quarta noite fez-se jazz
Charlie Parker Legacy Band – o nome, só por si, já augura bons momentos, não tivesse Parker deixado uma marca indelével naquilo a que chamamos jazz. E o que é isso, precisamente, de jazz? Que nem se perca tempo tentando delimitar um conceito, porque tal é impossível e a resposta é tão simples quanto complexa. Porquê? Porque jazz, meus senhores, jazz foi o que se ouviu ontem, na quarta noite do festival do Estoril.

Só pela aparência o sexteto já cumpria com a imagem habitualmente predefinida do que é jazz: músicos negros americanos, barrigudos quanto-baste, daqueles que têm jazz nas veias e por isso tocam de olhos fechados, bem-humorados, e no que aos saxofonistas diz respeito, expressivos nas caretas de esforço e prazer que todos os fotógrafos desejam poder registar, a preto-e-branco, obviamente.

Logo aos primeiros acordes o público presente no Parque Palmela não conseguiu conter a satisfação. Porque o repertório de Parker é largamente conhecido, os comentários de fila de trás, daqueles que nos batem na nuca, foram uma constante entre os cavalheiros que, quixotescos, iniciavam suas donzelas no culto do jazz, quais booklet de CD, enquanto no palco os temas desfilavam alegres.

Como se tratou de interpretar pautas alheias, não houve espaço para improvisos ecletistas, somente para muita melodia. E nisso teve especial responsabilidade o trio de saxofonistas-alto, que bem aproveitou e muito agradou. Vincent Herring, repetente no Estoril, mais uma vez não deixou ninguém indiferente, porquanto o seu talento parecia sair em chamas do seu saxofone – admirável. Jesse Davis, natural do sítio onde tudo começou, Nova Orleães, também sobressaiu, apaixonado, cheio, estupendo. Wess Anderson, o mais jovem, foi porventura o mais fraco, contudo irrepreensível.

No conjunto, um nome saltava à vista. O veteraníssimo Jimmy Cobb, nascido no ano em que Wall Street “crashou”, baterista de formação que ao longo da sua carreira tocou com tantos e tão dotados músicos de jazz que só menciono um – Cobb é o último dos homens que gravaram o histórico Kind of Blue, de Miles Davis. Ontem, Cobb encantou e os seus solos fizeram-me perceber que até então eu vinha sendo intrujado por sucessivos bateristas. E confirmaram que o epíteto “lenda viva” serve, unicamente, aqueles que além de tocar há muito tempo, tocam muito, realmente muito bem.

A prestação de Ray Drummond, o baixista, foi a melhor que já vi no meu parco trajecto de jazz in loco. Nas mãos de Drummond – “lenda júnior”, nas palavras de Herring – o baixo não é um acessório, não está só lá no fundo, não passa despercebido e, acima de tudo, “percebe-se”.

Embora discreto, o pianista Ronnie Matthews foi peça essencial em todo o espectáculo, uma enorme bússola.

No final, era visível a satisfação estampada no rosto de quem descia o macadame rumo ao mar, ainda trauteando um “Quasimodo” ou “Parker’s Mood”. Que raio, nem o vento apareceu!

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