Crónicas de tasca, parte VI
Da gestão das empresas públicas, mais uma vez
Acima já se aludiu às reformas dos gestores públicos. Eu prefiro reforçar a gestão das empresas públicas (ou de capitais públicos). E para tal recordo-me de um texto de Jorge Costa, no Público (Carga e Transportes, 8/Nov), que apontava alguns aspectos da então recém nomeada Administração do Porto de Lisboa (APL), exemplificando quanto se brinca com os dinheiros públicos. Em resumo, era isto: perante passivo e perdas de 50 milhões de euros, a APL nomeou 15 novas chefias (o que orça 350 mil euros/ano, sem contar com pessoal para estes departamentos); o porto de Lisboa tem operado uma redução do número de funcionários, contra um aumento das chefias (40 chefias, actualmente, sem contar com equiparados em gabinetes ou comissões); esta APL criou, no entanto e ao invés da há muito esperada Divisão de Logística, uma Divisão de Animação e Eventos – uma clara aposta na imagem, tendo como pano de fundo a “devolução do porto aos lisboetas”.
Todos estes aspectos contribuem para: mostrar o irrealismo das metas propostas pelo Governo [de então, o XVI]: reduzir até 2006 o tempo médio de despacho em 50%; quadruplicar o movimento de contentores nos portos até 2015; auto-suficiência portuária em 2005. Para mostrar como as instituições públicas (ou de capitais públicos), mais do que servir o país e os cidadãos, servem para albergar amigos, comparsas e conhecidos. Para tornar mais clara a desgraçada tendência nacional para mudar tudo sempre que mudam os executivos e as tutelas. Para ilustrar o desinteresse crescente dos cidadãos por aquilo que deveria ser do interesse de todos.
domingo, 6 de março de 2005
Crónicas de tasca, parte V
Dos impostos
Mas nem tudo é responsabilidade individual dos habitantes aqui do burgo à beira mar plantado. Há também responsabilidades colectivas, ou do Estado, como a carga fiscal existente sobre alguns sectores da vida portuguesa. Um primeiro exemplo pode ser extraído dos impostos pagos pela compra e manutenção de um automóvel. À primeira vista e sem confirmação do que digo, são quatro: aquando da compra o consumidor paga IVA à taxa de 19 por cento; Imposto Automóvel (IA, que encontrei variando entre 15 por cento sobre o preço base de um automóvel de gama baixa e 28 por cento noutro de gama alta; o imposto varia consoante a cilindrada do veículo); depois, imposto sobre combustível e imposto sobre circulação de veículos, na sua manutenção. Deixo de fora as portagens (de pontes e auto-estradas) porque não considero impostos directos.
Abrindo um parêntesis e tocando no ponto da excessividade de impostos existentes e dos custos da sua cobrança, socorro-me de uma ideia de Luís Aguiar-Conraria (aqui):
«(...) Imposto sobre sucessões e doações e muitos eteceteras que a maioria de nós nem imagina. Por cada imposto cobrado, há imensos impressos, imensos regulamentos internos e imensos funcionários públicos dedicados à cobrança desse imposto. Tantos impostos diferentes traduzem-se num aumento de custos e de burocracias perfeitamente desnecessários(...)»
Mas retomando a fiscalidade operada em Portugal, e retomando igualmente João Casalta Nabais (Pública, 27/Fev), li que a tributação das pequenas e médias empresas (PME) é excessiva e que a contabilidade organizada (para estas) é também contraproducente. Ora destes meandros legais, pouco sei. Mas sei que tenho uma pequena sociedade e que subscrevo inteiramente esta frase: «ser empresário em Portugal é ser-se um herói». E é mesmo! Os procedimentos, as burocracias, os registos, os prazos e afins pelos quais tem de passar quem quiser abrir uma empresa neste país são, realmente, de fugir e repensar se se quer mesmo “meter naquilo”. O autor refere também que as pequenas e médias empresas (PME) são de vital importância para uma economia como a portuguesa, porque são sedentárias, ou seja, mantém postos de trabalho (não se deslocalizam para a China nem para o Leste da Europa); têm elevada resistência às crises (que o comprove o meu caso que, sem um “arranque” efectivo desde há bastante tempo, se mantém lutando). E eu acrescento que: revelam capacidade de adaptação às contingências do mercado; são, muitas vezes, empresas inovadoras; os lucros são, em grande parte, investidos no desenvolvimento do negócio; e outros. E as PME são também boas pagadoras de impostos – é sempre mais fácil a uma estrutura grande contornar o fisco, que a uma pequena.
Dos impostos
Mas nem tudo é responsabilidade individual dos habitantes aqui do burgo à beira mar plantado. Há também responsabilidades colectivas, ou do Estado, como a carga fiscal existente sobre alguns sectores da vida portuguesa. Um primeiro exemplo pode ser extraído dos impostos pagos pela compra e manutenção de um automóvel. À primeira vista e sem confirmação do que digo, são quatro: aquando da compra o consumidor paga IVA à taxa de 19 por cento; Imposto Automóvel (IA, que encontrei variando entre 15 por cento sobre o preço base de um automóvel de gama baixa e 28 por cento noutro de gama alta; o imposto varia consoante a cilindrada do veículo); depois, imposto sobre combustível e imposto sobre circulação de veículos, na sua manutenção. Deixo de fora as portagens (de pontes e auto-estradas) porque não considero impostos directos.
Abrindo um parêntesis e tocando no ponto da excessividade de impostos existentes e dos custos da sua cobrança, socorro-me de uma ideia de Luís Aguiar-Conraria (aqui):
«(...) Imposto sobre sucessões e doações e muitos eteceteras que a maioria de nós nem imagina. Por cada imposto cobrado, há imensos impressos, imensos regulamentos internos e imensos funcionários públicos dedicados à cobrança desse imposto. Tantos impostos diferentes traduzem-se num aumento de custos e de burocracias perfeitamente desnecessários(...)»
Mas retomando a fiscalidade operada em Portugal, e retomando igualmente João Casalta Nabais (Pública, 27/Fev), li que a tributação das pequenas e médias empresas (PME) é excessiva e que a contabilidade organizada (para estas) é também contraproducente. Ora destes meandros legais, pouco sei. Mas sei que tenho uma pequena sociedade e que subscrevo inteiramente esta frase: «ser empresário em Portugal é ser-se um herói». E é mesmo! Os procedimentos, as burocracias, os registos, os prazos e afins pelos quais tem de passar quem quiser abrir uma empresa neste país são, realmente, de fugir e repensar se se quer mesmo “meter naquilo”. O autor refere também que as pequenas e médias empresas (PME) são de vital importância para uma economia como a portuguesa, porque são sedentárias, ou seja, mantém postos de trabalho (não se deslocalizam para a China nem para o Leste da Europa); têm elevada resistência às crises (que o comprove o meu caso que, sem um “arranque” efectivo desde há bastante tempo, se mantém lutando). E eu acrescento que: revelam capacidade de adaptação às contingências do mercado; são, muitas vezes, empresas inovadoras; os lucros são, em grande parte, investidos no desenvolvimento do negócio; e outros. E as PME são também boas pagadoras de impostos – é sempre mais fácil a uma estrutura grande contornar o fisco, que a uma pequena.
sexta-feira, 4 de março de 2005
Crónicas de tasca, parte IV
O português não tem poder de compra
O crédito para tudo e para nada também tem de ser tido em conta, quando se fala de consumo. A casa é comprada a crédito, o carro também, o computador não foge à regra, os móveis do IKEA igualmente, as mercearias adquiridas no Jumbo ou Continente também têm essa possibilidade, os próprios telemóveis chegam-nos a crédito mascarado (com cada carregamento, durante um período de tempo, é descontado um montante para pagar o restante do aparelho). E quando acontece um daqueles imprevistos, como um frigorífico avariado ou, azar dos azares, uma inundação lá em casa, o primeiro é comprado (mais uma vez) a crédito e o segundo é resolvido com um empréstimo extraordinário (nas Cetelem ou Cofidis e todas as suas semelhantes, que até já existe crédito por telefone, “quatro mil euros, sem perguntas”...).
O Público de hoje (28/Fev) também deu conta das ofertas da banca para os clientes que desloquem o seu crédito para habitação entre bancos e para modalidades mais longas no tempo – o banco dá ao cliente a benesse de um outro empréstimo pessoal, pois é sempre necessário mais dinheiro, não é verdade? Assim, haver quem compre um carro a pronto, ou mesmo um televisor ou coisa do género, é cada vez mais raro. Os portugueses não têm real poder de compra – e o que têm é artificial.
O que me leva a outra ideia, sob a forma de facto: «Portugal está no pior dos cenários quanto às remunerações do trabalho na União Europeia: os seus salários são os mais baixos da zona euro» (Público, 22/Fev). E o salário baixo não pode, certamente, ser um factor de desenvolvimento. Com remuneração baixa não se pode consumir (em quantidade, pelo menos), e não consumindo, o ciclo económico não funciona: o dinheiro não circula, os produtos não escoam, as indústrias não facturam, os empresários ficam sem com que pagar aos seus assalariados que, por sua vez, não recebendo a sua gratificação, não podem consumir e tudo recomeça.
Contudo, há outra coisa que li mas que ainda não consegui perceber: este país tem dos salários mais baixos da UE mas não é competitivo economicamente porque apresenta custos de trabalho elevados. Terei que pedir a alguém versado em economia que me esclareça acerca disto, embora suspeite, desde já, que deve ter que ver com fiscalidade.
O português não tem poder de compra
O crédito para tudo e para nada também tem de ser tido em conta, quando se fala de consumo. A casa é comprada a crédito, o carro também, o computador não foge à regra, os móveis do IKEA igualmente, as mercearias adquiridas no Jumbo ou Continente também têm essa possibilidade, os próprios telemóveis chegam-nos a crédito mascarado (com cada carregamento, durante um período de tempo, é descontado um montante para pagar o restante do aparelho). E quando acontece um daqueles imprevistos, como um frigorífico avariado ou, azar dos azares, uma inundação lá em casa, o primeiro é comprado (mais uma vez) a crédito e o segundo é resolvido com um empréstimo extraordinário (nas Cetelem ou Cofidis e todas as suas semelhantes, que até já existe crédito por telefone, “quatro mil euros, sem perguntas”...).
O Público de hoje (28/Fev) também deu conta das ofertas da banca para os clientes que desloquem o seu crédito para habitação entre bancos e para modalidades mais longas no tempo – o banco dá ao cliente a benesse de um outro empréstimo pessoal, pois é sempre necessário mais dinheiro, não é verdade? Assim, haver quem compre um carro a pronto, ou mesmo um televisor ou coisa do género, é cada vez mais raro. Os portugueses não têm real poder de compra – e o que têm é artificial.
O que me leva a outra ideia, sob a forma de facto: «Portugal está no pior dos cenários quanto às remunerações do trabalho na União Europeia: os seus salários são os mais baixos da zona euro» (Público, 22/Fev). E o salário baixo não pode, certamente, ser um factor de desenvolvimento. Com remuneração baixa não se pode consumir (em quantidade, pelo menos), e não consumindo, o ciclo económico não funciona: o dinheiro não circula, os produtos não escoam, as indústrias não facturam, os empresários ficam sem com que pagar aos seus assalariados que, por sua vez, não recebendo a sua gratificação, não podem consumir e tudo recomeça.
Contudo, há outra coisa que li mas que ainda não consegui perceber: este país tem dos salários mais baixos da UE mas não é competitivo economicamente porque apresenta custos de trabalho elevados. Terei que pedir a alguém versado em economia que me esclareça acerca disto, embora suspeite, desde já, que deve ter que ver com fiscalidade.
quinta-feira, 3 de março de 2005
Crónicas de tasca, parte III
O português é um consumidor passivo
Isto lembra-me outra coisa que li, também na Pública (27/Fev). Pinto e Castro, professor universitário especializado em marketing, diz que o consumidor português «é ainda muito passivo». Por um lado, desconhece os seus direitos; por outro, não quer ser obrigado a «pensar e a escolher», demitindo-se da escolha «aceitando e agradecendo a manipulação dos anúncios» – ideia de Phillippe Breton, sociólogo, na mesma revista.
O acto de consumo é algo novo para o português. Consumir nem sempre foi um acto quotidiano, tampouco com as facilidades que hoje existem. Não há muitos anos que para comprar era necessário ter dinheiro na carteira, ponderar as opções e distinguir o essencial do acessório, olhando à relação preço/qualidade – porque os produtos tinham que durar. Hoje, para comprar nem é preciso dinheiro vivo – a utilização do dinheiro de plástico (os cartões, de crédito ou débito, tanto faz) tem um lado pernicioso, de contribuir para a desvalorização mental do acto, da quantia, da moeda. O apreço dos portugueses pelas grandes superfícies comerciais, os CC que pelo país fora se multiplicam – nelas passando horas, dias inteiros ao fim-de-semana, com os putos pela mão a berrar de calor, ou de tédio, ou de cansaço, comprando ou somente namorando, à espera que chegue o final do mês –, ilustra parte desta ideia. Li algures (creio que numa edição da Grande Reportagem) que os consumidores do Norte da Europa, por exemplo, encaram o Centro Comercial como um local para ir comprar o que já está previamente estipulado, findo o que regressam a casa.
Quanto a mim, a presente situação da venda de bilhetes para o concerto dos U2 é ilustrativa da passividade do consumidor português. Não só os ingressos são caros (entre 50 a 150 euros, se não erro, para um espectáculo único ao ar livre, não obstante a qualidade da banda, parece-me excessivo) como ninguém parece protestar pela forma como estão a ser vendidos – que considero, no mínimo, espantosamente hostil. A grande maioria dos ingressos estará disponível aos balcões de uma minoria de postos de abastecimento de combustíveis, o cliente terá que ser possuidor do cartão da marca, a British Petroleum, e ainda coleccionar um milhar e pouco de pontos (acumulados mediante consumo dos produtos da marca), para que lhe sejam então vendidos, aos preços referidos, os ditos ingressos. Se isto não é agressivo, não sei o que será.
Para o concerto dos U2 em Viena, Áustria, foram disponibilizados 370 postos de venda, 25 call-centers e uma página na internet. Pergunto-me quantos desses 370 postos de venda foram estações de serviço da BP...
Mas não se duvide: os bilhetes para o concerto em Alvalade esgotarão. Porque entre protestar activa e seriamente contra esta política, junto da produtora ou da imprensa (que, dada a proeminência do evento, não negaria espaço na sua agenda para um protesto desta índole), e esperar umas boas horas numa fila, cheirando vapores de gasolina, a segunda opção é claramente mais confortável. E até divertido e “radical”. Assim se abre um precedente e se alimenta as (bastante careiras) produtoras de eventos musicais que operam em Portugal, que muitas vezes não fornecem um produto que valha o dinheiro que cobram (ou em espaços dignos ou com condições de qualidade mínima). Pedir, à boca pequena, IVA de cinco por cento para os produtos musicais é, realmente, muito fácil; fazer alguma coisa de jeito é que já é muito chato.
(ACTUALIZAÇÃO:
«A BP ia vender os bilhetes em três fases mas, "como se excederam as expectativas, teve de se alterar o processo" e todos serão vendidos desta vez, referiu o engº. João Reis, do Departamento de Comunicação da BP. O cartão BP não é, afinal, essencial para comprar os bilhetes, mas quem o quiser usar tem um pequeno desconto.»
DN, 1Mar2005)
O português é um consumidor passivo
Isto lembra-me outra coisa que li, também na Pública (27/Fev). Pinto e Castro, professor universitário especializado em marketing, diz que o consumidor português «é ainda muito passivo». Por um lado, desconhece os seus direitos; por outro, não quer ser obrigado a «pensar e a escolher», demitindo-se da escolha «aceitando e agradecendo a manipulação dos anúncios» – ideia de Phillippe Breton, sociólogo, na mesma revista.
O acto de consumo é algo novo para o português. Consumir nem sempre foi um acto quotidiano, tampouco com as facilidades que hoje existem. Não há muitos anos que para comprar era necessário ter dinheiro na carteira, ponderar as opções e distinguir o essencial do acessório, olhando à relação preço/qualidade – porque os produtos tinham que durar. Hoje, para comprar nem é preciso dinheiro vivo – a utilização do dinheiro de plástico (os cartões, de crédito ou débito, tanto faz) tem um lado pernicioso, de contribuir para a desvalorização mental do acto, da quantia, da moeda. O apreço dos portugueses pelas grandes superfícies comerciais, os CC que pelo país fora se multiplicam – nelas passando horas, dias inteiros ao fim-de-semana, com os putos pela mão a berrar de calor, ou de tédio, ou de cansaço, comprando ou somente namorando, à espera que chegue o final do mês –, ilustra parte desta ideia. Li algures (creio que numa edição da Grande Reportagem) que os consumidores do Norte da Europa, por exemplo, encaram o Centro Comercial como um local para ir comprar o que já está previamente estipulado, findo o que regressam a casa.
Quanto a mim, a presente situação da venda de bilhetes para o concerto dos U2 é ilustrativa da passividade do consumidor português. Não só os ingressos são caros (entre 50 a 150 euros, se não erro, para um espectáculo único ao ar livre, não obstante a qualidade da banda, parece-me excessivo) como ninguém parece protestar pela forma como estão a ser vendidos – que considero, no mínimo, espantosamente hostil. A grande maioria dos ingressos estará disponível aos balcões de uma minoria de postos de abastecimento de combustíveis, o cliente terá que ser possuidor do cartão da marca, a British Petroleum, e ainda coleccionar um milhar e pouco de pontos (acumulados mediante consumo dos produtos da marca), para que lhe sejam então vendidos, aos preços referidos, os ditos ingressos. Se isto não é agressivo, não sei o que será.
Para o concerto dos U2 em Viena, Áustria, foram disponibilizados 370 postos de venda, 25 call-centers e uma página na internet. Pergunto-me quantos desses 370 postos de venda foram estações de serviço da BP...
Mas não se duvide: os bilhetes para o concerto em Alvalade esgotarão. Porque entre protestar activa e seriamente contra esta política, junto da produtora ou da imprensa (que, dada a proeminência do evento, não negaria espaço na sua agenda para um protesto desta índole), e esperar umas boas horas numa fila, cheirando vapores de gasolina, a segunda opção é claramente mais confortável. E até divertido e “radical”. Assim se abre um precedente e se alimenta as (bastante careiras) produtoras de eventos musicais que operam em Portugal, que muitas vezes não fornecem um produto que valha o dinheiro que cobram (ou em espaços dignos ou com condições de qualidade mínima). Pedir, à boca pequena, IVA de cinco por cento para os produtos musicais é, realmente, muito fácil; fazer alguma coisa de jeito é que já é muito chato.
(ACTUALIZAÇÃO:
«A BP ia vender os bilhetes em três fases mas, "como se excederam as expectativas, teve de se alterar o processo" e todos serão vendidos desta vez, referiu o engº. João Reis, do Departamento de Comunicação da BP. O cartão BP não é, afinal, essencial para comprar os bilhetes, mas quem o quiser usar tem um pequeno desconto.»
DN, 1Mar2005)
quarta-feira, 2 de março de 2005
Crónicas de tasca, parte II
Vícios de ricos e o crédito para habitação
Li na Pública (27/Fev) João Casalta Nabais, especialista em fiscalidade, dizer que Portugal tem «vícios de ricos, esquecendo-nos de que somos pobres – os mais pobres da União antes do alargamento de 2004», e a frase nunca me fez tanto sentido como hoje. Com os salários mais baixos da União Europeia, os portugueses têm casa própria; frequentemente mais de um automóvel – é certo que há quem tenha nenhum e viva dos transportes públicos e esta ressalva também se aplica aos exemplos seguintes – e suportam a factura da deslocação diária e individual até ao emprego nesse mesmo automóvel; têm vários telemóveis (simultaneamente ou vários num ano, por indivíduo; ou por agregado familiar; e lideram na compra do último grito da moda nestes equipamentos); computadores pessoais de secretária e os inflacionados portáteis; uma panóplia de gadgets sofisticados que ceifam das várias Fnac; e quando se avaria o frigorífico lá de casa, compram o novo a crédito, em 12 vezes. O autor aponta igualmente «vícios que nem os países mais ricos se dão a luxo de ter, como são, por exemplo, as pensões ou reformas pagas com base num pequeno número de anos de serviço, sem se ter atingido a idade de reforma, como as reformas dos políticos, dos gestores públicos, etc...».
A questão da propriedade de habitação é “um pau de dois bicos” mas ilustra várias coisas. A primeira é que Portugal insiste, perdão, os proprietários portugueses com imóveis para alugar insistem em preços impraticáveis, altíssimos, afastando a quase totalidade de potenciais arrendatários, que chegam à conclusão que a “renda” mensal é mais baixa quando paga a um banco, pela compra de um apartamento. Esta classe de senhorios, por sua vez, espelha várias outras coisas: que são gente que, através de um aluguer, quer ganhar o mesmo que ganharia com uma venda, com a diferença que, no fim, o imóvel continua pertencendo-lhes; que são gente que não realiza obras nos seus imóveis, pois estes pertencem-lhes para a colecta e já não pertencem para neles gastar dinheiro; que são gente que não honra contratos (isto de o contrato de arrendamento não ter que cumprir a forma escrita, deveria ser revisto), despejando os seus inquilinos quando se lembram; que são gente que não passa recibos, logo, arrecada dinheiro livre de impostos; e várias outras coisas, de que me não posso ocupar agora.
A segunda observação que me apraz fazer é que, depois de 40 anos de jugo ditatorial, os portugueses querem, agora que podem, ter algo seu. Isto, claro está, é legítimo. Mas critico que se o faça a qualquer custo. E que as gerações mais jovens sejam educadas desta forma, para esta sujeição ao crédito para habitação, é problemático e até duvidoso. O que me leva a um terceiro aspecto, ligado a esse crédito, que é o seguinte: no final, o português pagou a sua casa duas vezes! Isto mesmo esclareceu hoje (28/Fev) o Público, pondo a claro que num empréstimo de 125 mil euros a 50 anos, com uma taxa de juro nominal de 3 por cento, o montante total dos juros ascende a 116 493 euros, ou seja... Bem, os números falam por si. (a 10 anos o encargo com juros totaliza 19 841 euros; a 20 anos sobe para 41 370 euros)
Obviamente que têm lugar quartas e quintas e sextas e mais observações, desde o negócio que é a venda de terrenos para construção, o sustento das autarquias; o lobby do sector da construção civil, que fixa preços muito acima da qualidade dos imóveis; o imposto municipal ou SISA ou lá o que é; entre outros aspectos.
Vícios de ricos e o crédito para habitação
Li na Pública (27/Fev) João Casalta Nabais, especialista em fiscalidade, dizer que Portugal tem «vícios de ricos, esquecendo-nos de que somos pobres – os mais pobres da União antes do alargamento de 2004», e a frase nunca me fez tanto sentido como hoje. Com os salários mais baixos da União Europeia, os portugueses têm casa própria; frequentemente mais de um automóvel – é certo que há quem tenha nenhum e viva dos transportes públicos e esta ressalva também se aplica aos exemplos seguintes – e suportam a factura da deslocação diária e individual até ao emprego nesse mesmo automóvel; têm vários telemóveis (simultaneamente ou vários num ano, por indivíduo; ou por agregado familiar; e lideram na compra do último grito da moda nestes equipamentos); computadores pessoais de secretária e os inflacionados portáteis; uma panóplia de gadgets sofisticados que ceifam das várias Fnac; e quando se avaria o frigorífico lá de casa, compram o novo a crédito, em 12 vezes. O autor aponta igualmente «vícios que nem os países mais ricos se dão a luxo de ter, como são, por exemplo, as pensões ou reformas pagas com base num pequeno número de anos de serviço, sem se ter atingido a idade de reforma, como as reformas dos políticos, dos gestores públicos, etc...».
A questão da propriedade de habitação é “um pau de dois bicos” mas ilustra várias coisas. A primeira é que Portugal insiste, perdão, os proprietários portugueses com imóveis para alugar insistem em preços impraticáveis, altíssimos, afastando a quase totalidade de potenciais arrendatários, que chegam à conclusão que a “renda” mensal é mais baixa quando paga a um banco, pela compra de um apartamento. Esta classe de senhorios, por sua vez, espelha várias outras coisas: que são gente que, através de um aluguer, quer ganhar o mesmo que ganharia com uma venda, com a diferença que, no fim, o imóvel continua pertencendo-lhes; que são gente que não realiza obras nos seus imóveis, pois estes pertencem-lhes para a colecta e já não pertencem para neles gastar dinheiro; que são gente que não honra contratos (isto de o contrato de arrendamento não ter que cumprir a forma escrita, deveria ser revisto), despejando os seus inquilinos quando se lembram; que são gente que não passa recibos, logo, arrecada dinheiro livre de impostos; e várias outras coisas, de que me não posso ocupar agora.
A segunda observação que me apraz fazer é que, depois de 40 anos de jugo ditatorial, os portugueses querem, agora que podem, ter algo seu. Isto, claro está, é legítimo. Mas critico que se o faça a qualquer custo. E que as gerações mais jovens sejam educadas desta forma, para esta sujeição ao crédito para habitação, é problemático e até duvidoso. O que me leva a um terceiro aspecto, ligado a esse crédito, que é o seguinte: no final, o português pagou a sua casa duas vezes! Isto mesmo esclareceu hoje (28/Fev) o Público, pondo a claro que num empréstimo de 125 mil euros a 50 anos, com uma taxa de juro nominal de 3 por cento, o montante total dos juros ascende a 116 493 euros, ou seja... Bem, os números falam por si. (a 10 anos o encargo com juros totaliza 19 841 euros; a 20 anos sobe para 41 370 euros)
Obviamente que têm lugar quartas e quintas e sextas e mais observações, desde o negócio que é a venda de terrenos para construção, o sustento das autarquias; o lobby do sector da construção civil, que fixa preços muito acima da qualidade dos imóveis; o imposto municipal ou SISA ou lá o que é; entre outros aspectos.
terça-feira, 1 de março de 2005
Crónicas de tasca, parte I
O país virou à esquerda
«Estou na primeira fila para assistir à salvação do país», disse-me um amigo descontente com a viragem à esquerda que as últimas eleições legislativas expressaram. Muito se diz que o voto foi de protesto contra uma determinada direita, que mais propriamente de vontade de esquerda. Seja como for, não é isso que me ocupa. Porque qualquer que seja a orientação política do Governo, nada de substancial mudará no país.
Creio que o problema de Portugal, deste Portugal de que todos nos queixamos, ricos e pobres, comunistas e democrata-cristãos, que a raiz do problema está nas pessoas, na sociedade portuguesa, como se apresenta culturalmente, transversalmente a todos os sectores. O problema está nos empresários, nos assalariados, nos governantes, nos gestores públicos, no sistema fiscal e por aí fora. A imprensa dos últimos dias, em referências que não importa precisar (fá-lo-ei às que me lembrar), foi rica em exemplos dessa mesma crise individual, que por força se torna colectiva.
-------------------------
Partindo do que acima está escrito, durante os próximos dias publicarei as minhas opiniões e pensamentos recentes sobre o Portugal actual.
O texto foi escrito no dia 28 de Fevereiro mas será publicado em partes, pela sua extensão. Assim, pode dar-se o caso de alguns dos exemplos utilizados estarem desactualizados.
A rubrica "Crónicas de tasca" e o link 'A Tasca' não têm qualquer relação.
O país virou à esquerda
«Estou na primeira fila para assistir à salvação do país», disse-me um amigo descontente com a viragem à esquerda que as últimas eleições legislativas expressaram. Muito se diz que o voto foi de protesto contra uma determinada direita, que mais propriamente de vontade de esquerda. Seja como for, não é isso que me ocupa. Porque qualquer que seja a orientação política do Governo, nada de substancial mudará no país.
Creio que o problema de Portugal, deste Portugal de que todos nos queixamos, ricos e pobres, comunistas e democrata-cristãos, que a raiz do problema está nas pessoas, na sociedade portuguesa, como se apresenta culturalmente, transversalmente a todos os sectores. O problema está nos empresários, nos assalariados, nos governantes, nos gestores públicos, no sistema fiscal e por aí fora. A imprensa dos últimos dias, em referências que não importa precisar (fá-lo-ei às que me lembrar), foi rica em exemplos dessa mesma crise individual, que por força se torna colectiva.
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Partindo do que acima está escrito, durante os próximos dias publicarei as minhas opiniões e pensamentos recentes sobre o Portugal actual.
O texto foi escrito no dia 28 de Fevereiro mas será publicado em partes, pela sua extensão. Assim, pode dar-se o caso de alguns dos exemplos utilizados estarem desactualizados.
A rubrica "Crónicas de tasca" e o link 'A Tasca' não têm qualquer relação.
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