segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004

Escarreta
Dá a chuva lugar a um dia de sol e é vê-la, na típica calçada portuguesa, olhando-nos com desdém, orgulhosa do seu voo até à alva pedra de calcário, a escarreta. Desviamos da dita a sola do nosso sapato, levantamos do chão os olhos lamentando pela educação de quem ali a largou e logo em frente, mais à esquerda, espera-nos outra. Fintamo-la também, desta vez resmungando a falta de apuro de quem conspurca assim o passeio. No desvio do trajecto, alto! que quase se pisava mais uma, desta feita à direita e aí não há quem nos segure! Soltamos um “porco” em meia voz, indignamo-nos do mais fundo do nosso ser, arrancando novamente e agora decididos em bater no próximo que surpreendermos em flagrante delito.

A escarreta, o escarro, [s. m.] matéria viscosa segregada pelas mucosas (em especial das vias respiratórias) e expelida pela boca; expectoração; [pop.] mácula; mancha; nódoa; coisa mal feita; porcaria; [fig.] pessoa desprezível; afronta; insulto; é apontado como um dos piores hábitos portugueses – sem dúvida que sim. Não há muitos anos, em locais públicos e consultórios médicos, era vulgar encontrar um escarrador, recipiente de porcelana branca destinado a receber de quem lhe aprouvesse, um escarro – corria a década de 50 e a tuberculose em Portugal era uma verdade temida, por tão presente e aziaga. Incitava-se, portanto, à escarradela condicionada, erguidos que estavam valores mais altos, como os da salubridade. Na rua não, no escarrador sim.

Resulta que o escarro, além de desprezível, indecente e sujo, é um dos meios mais eficazes de propagação de doenças. No chão, ao sol e ao ar, o escarro leva dias a evaporar, lançando para a atmosfera micróbios, bactérias, bacilos (como o de Koch, aqui para o caso) e demais microorganismos ruins que um cidadão menos sadio e rijo possa transportar, colocando em risco todo e qualquer corpo humano mais imprecavido de vitaminas e defesas.

Não é tanto pelo barulho que acompanha o impropério, aquele “rrrrrrrrrrrrrrrrrrrróóóiiiiiiiccccctup” repugnante – que mesmo por entre os adeptos já motivou a constituição de um movimento ‘escarreta mas com classe’, denominado TUP (a parte subtil e última da soada) –, mas sim pelo perigo real e bem escusado que representa para a saúde.

Não cuspam para o chão, seus porcos! Façam-no para a mão e guardem no bolso.

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