A puta de Woody não usa aparelho
O postal que Paula Moura Pinheiro fez da “Puta de Mensa”, de Woody Allen, em que um mecânico procura prostitutas intelectuais, incorrendo em adultério não carnal, deixou-me imaginando o pequeno Woody, com os seus óculos, a sua figura pitoresca, discutindo atabalhoadamente, gaguejando e em estilo neurótico, literatura de primeira água, contrapondo mulheres louras, altivas, seguras, frias, fatais. Por mais argumentos que esgrima, vejo-o às voltas num quarto de motel, hipocondríaco, perturbado, louco, mas completamente embrenhado, devoto, discutindo intensamente, veloz, caótico, em estridente crescendo, até ao brado, à alucinação, à submissão, clímax, ejaculação, orgasmo, explosão intelectual.
(Se só “Hollywood Ending” me levou, seriamente, a ver Woody Allen, agora é certo procurá-lo. Na película e no papel.)
Mas serviu a “Puta de Mensa” para Paula Moura Pinheiro discorrer sobre o estigma daqueles que ousam cultivar-se:
“Porque em grupos alargados, em locais públicos, não se pode provocar conversas sobre o que se lê ou o que se pensa sem que sobre nós impenda a suspeita horrível da intelectualidade. Em Portugal, dizer-se de alguém que é um intelectual, é insultá-lo do pior. É considerá-lo de uma pretensão intolerável, que tem a mania de se fazer interessante, especial. (…)
Hoje, volvidos trinta anos de intensivo investimento na alfabetização, só a leitura dos rótulos dos produtos de grande consumo parece ter beneficiado francamente. E não se confunda o novo apetite pelos títulos académicos com o que não significa: o pensamento, o debate, a paixão pelo conhecimento continuam a ser actividades mal-vistas, e quem se atreva a persistir condena-se ao exílio. Profissional, social, amoroso.”
Porque não vejo a intelectualidade como erudição, mas sim como prazer em saber; porque tampouco olho para a cultura como cartilha de conhecimentos a desfolhar no propósito de um brilharete, mas sim como a única ferramenta capaz de potenciar e legitimar raciocínios, o estabelecimento de ideias próprias e alicerçar um espírito crítico; porque convivo diariamente com um exemplo desse exílio – muito provocado, é certo – pela intelectualidade e individualidade; porque me agasto numa selecção diária de informação a consumir; por tudo isto, da próxima vez que me disseres que sou “bué intelectual” ou “cromo”, sou bem capaz de te recordar que quem usa os óculos e o aparelho nos dentes não sou eu, mas tu. Isto muito educadamente, claro está.
Quase tão educadamente quanto o meu silêncio na constatação daquele momento brilhante em que alunos de Comunicação Social mostraram nunca ter aberto um jornal. Mas, lá está, eu sou o intelectual, o “velho”, o chato.
No entanto, uma certeza há: tenho muito mau feitio.
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