segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Sachertorte, ou Lisboa tem tardes de parecer uma verdadeira capital europeia
É o famoso bolo de chocolate austríaco que se come no café austríaco do Chiado por uns não menos austríacos quatro euros, quatro. Muda-se da Rua Anchieta para outro bairro e pelo mesmo preço saboreia-se duas fatias. Quer dizer, em bom rigor são dois pedaços, porque as fatias de Campo de Ourique não resistem à primeira garfada e logo se desmoronam em chocolate derretido e abundante de raspar o prato com o garfo, doce doce. Mas no austríaco não poderia ser assim. A única coisa que se desfaz é o charme do sítio: a climatização é mais fria do que na rua, o que deve ser razão bastante para a simpatia oscilar entre o gélido de uma das moças e o morno de outra, e são umas quatro, hoje domingo. A comida, sim, tem óptimo aspecto, wiener schnitzel, altwiener saftgulasch, um brunch digno do nome, as várias tostas e de tudo um pouco, o chef estudou cozinha, e as sobremesas têm mão de mulher, tudo bem por aí. E o bolo de chocolate, o sachertorte, não se desfaz porque veio do frio — uma frase de duplo sentido, escuso explicar. Duas camadas de bolo meio fofo entremeadas com chocolate fundido, cobertas com uma geleia que nos intrigou, escondida sob uma capa dura e fina de chocolate negro, a fatia servida com natas frescas, ao lado, sem açúcar. Banal. E muito caro. Dir-me-ão: não era esse, mas sim o outro, o bolo de chocolate de trufa. Humpf.


Não há nada que me chateie muito no Kaffeehaus a não ser a falta de mais Kaffeehaus pela cidade. Nas avenidas! Nos outros bairros! Cafés desenhados com bom gosto, planeados, sóbrios e contemporâneos, com os jornais do dia e as revistas do mês passado, nas paredes cartazes de teatros e exposições uns por cima dos outros, sofás em pele comprovadamente confortáveis, tectos altos e janelas grandes, abaixo os azulejos!, os alumínios!, os grandes balcões envidraçados!, mostruários de má pastelaria e muitos fritos, os negócios do pai, da mãe, do cunhado e da nora que vieram de Ponte de Lima — excepção à família do senhor Carlos Sá, ali à Calçada do Poço dos Mouros, pessoa de bem, ainda que lampião —, cafés onde se vai para ler, para conversar, para ver chover lá fora, para comer diferente uma vez por outra, uma especialidade, uma suposta regionalidade, com aprumo na apresentação, com critério na variedade, com gosto por ter um espaço diferente, e agora que até há imprensa de lazeres e consumos dedicada ao que é citadino e atenta ao que tem pinta, um café onde se vai para escrever no caderninho, para seduzir, porque não?, ou simplesmente porque é o primeiro domingo verdadeiramente cinzento daqueles de anoitecer às cinco da tarde e apetece não se afastar demasiado de casa, ameaça chuva, as visitas pendentes que tenham paciência, cheira a castanhas assadas e é tão bom andar a pé. Se não for pedir muito, realistas no preçário. Há vários joões no sítio onde trabalho e o meu recibo de vencimento não é esse, é o outro, ora vira lá. Pois.

2 comentários:

Rui Coelho disse...

um pudim digno do mais requintado kaffeehaus, ou seja lá essa casa o que for, tenho de ler mais a time out ou aliás passear pelo bairro à procura de histórias diferentes do que aquelas de que depois não me lembro.

(schnitzel é o nome mais puramente germânico que li hoje)

Anónimo disse...

É um belo sítio... e a tua descrição convida a conversas íntimas e intimistas!