Houve um tempo em que as pessoas faziam coisas – v2.0
O que me atrai no 25 de Abril e faz com que dias antes vá vivendo mais imbuído do espírito, conversando sobre a data, recordando canções da época e recuperando documentários, e desafiando alguns compinchas para uma caminhada de hora e um quarto até ao Largo do Carmo ao amanhecer; o que me atrai e seduz é precisamente o facto de ter havido quem quisesse fazer coisas, naquele tempo que foi de fazer coisas. Não é saudosismo, mas reconhecer isso mesmo. Tampouco é “esquerdice” ou “partidarice” — “comunice”, sejamos claros, porque não é inocentemente que ano após ano me atiram um “comuna” embrulhado em sorrisos; não podiam estar mais enganados. É, inevitavelmente, fruto de uma educação dada por quem já era sujeito adulto crescido e político na altura. O 25 de Abril não é dia de festa, nem dia de luto, nem de endeusamento ou do que se lhe parecer. É o meu dia de Portugal, do meu Portugal em que venho vivendo.
1. Terá tido muito pouco de acaso ou coincidência que Cavaco Silva tenha escolhido o alheamento dos jovens da política como alvo para o seu discurso de 25 de Abril; que o Governo tenha escolhido esta semana para apresentar as suas propostas de revisão da legislação laboral; que (mais uma vez) as associações militares tenham vindo a público descontentar-se com as intenções de aplicação de um renovado Regimento de Disciplina Militar a aposentados e reservistas, que classificam de ataque à Constituição e à instituição.
O estudo citado pelo Presidente da República acerca da relação dos jovens com a política, encomendado à Universidade Católica e datado de Janeiro, não trazendo grandes novidades, traz confirmações pertinentes, para mim, que me dispus a lê-lo (tive acesso ao documento) e não a recebê-lo pelos média.
Quando mais de 68 por cento dos inquiridos se interessa «pouco» ou «nada» com a política, e sendo unânime (mais de 94 por cento) que a sociedade actual «pode melhorar», ou «necessita de reformas profundas», ou «deve ser radicalmente mudada», surpreende que 61 por cento seja favorável a uma alteração do sistema eleitoral, que permita votar mais pelos candidatos e menos pelos partidos — este um aspecto menos surpreendente: os círculos uninominais, ao que parece, estão para regressar à discussão pública? Cerca de 56 por cento afirma que a população deve ser consultada mais vezes em referendo e mais de 90 por cento não hesita em atribuir extrema importância ao acto de votar. Olhando para a última vez que os portugueses foram chamados às urnas, aquando do “refendo ao aborto” em Fevereiro do ano passado, de acordo com o estudo 71 por cento dos inquiridos diz ter votado. No entanto, os resultados oficiais recordam uma abstenção de 56 por cento. A informação de política chega diariamente a 55 por cento dos inquiridos pela televisão, sendo que através da rádio e dos jornais há 50 por cento de inquiridos que respondem recebê-la menos de uma vez por semana. Nada de novo: a televisão é, então, o principal meio de informação. Mas, então e ao que parece, o consumo de televisão não contribui em nada para a cultura política dos cidadãos nem para o interesse pela política. Confuso? Linear. E com responsabilidades para os jornalistas: é preciso dizê-lo. E é preciso que a classe profissional se consciencialize disso e que, a bem do respeito pela profissão, faça alguma coisa — touchez.
2. É que os média têm um papel fundamental nas sociedades democráticas. É neles e através deles, com os jornais como nobres representantes, que se constrói e joga o jogo da democracia — nas colunas de opinião, nos editoriais, e depois na abordagem e tratamento dos assuntos. Não é inocente, e ainda bem que é assim, que o editorial do Expresso de 25 de Abril de 2008 advirta para que não se “endeuse” a revolução e se esqueça a necessidade de adaptação e actualização ao tempo contemporâneo. Não é por acaso que o obituário de Francisco Martins Rodrigues, aquele que terá sido o verdadeiro militante comunista sem partido, tenha tido três linhas no Expresso e duas páginas no Público, honras de editorial e mais duas páginas de Pacheco Pereira no dia seguinte — curioso? Os órgãos de comunicação social são as pessoas que neles trabalham, que os dirigem e os seus proprietários — não necessariamente por esta ordem —, e ainda bem que são assim, diversos.
3. «Eu até poderia encarar com alguma tranquilidade o futuro do meu país se pudesse dizer assim: ‘As pessoas com mais de 50 anos são para deitar fora. Mas o que vem aí é muito bom…’ O problema é que não. Não é muito bom», é a opinião do general Garcia Leandro, que me toca pessoalmente. Não sou, portanto, muito bom? O general apela a um «movimento de indignação civil». Anotado.
É neste contexto que vai nascer um novo partido, o Movimento Mérito e Sociedade (MMS), que esta semana entrega as 7.500 assinaturas ao Tribunal Constitucional, e que há um outro na calha, o Movimento Esperança Portugal (MEP). Em comum têm no nome “movimento”, e não “partido”, com o que isso pode significar de objectivos e capacidade de mobilização; e a recusa em situar-se à esquerda ou à direita, com o que isso pode querer dizer de salvaguarda da possibilidade de flutuar no espectro político-partidário. Haverá espaço para intervenção política para além dos partidos? Acredito que hoje existe um espaço privilegiado para os movimentos cívicos.
Lisboa, 27 de Abril de 2008
João Pedro Correia
Ficha do estudo da Católica:
O estudo da Católica contempla quase duas mil entrevistas válidas a cidadãos com 15 ou mais anos de idade residentes no território continental, levadas a cabo entre o final de Outubro e o início de Novembro do ano passado, com um grau de confiança de 95 por cento com margem de erro de 2,2 por cento.
segunda-feira, 21 de abril de 2008
Podia ser doutra maneira. Doutra maneira? Doutra maneira! Doutra maneira...
Apaixonei-me por ti e pelo teu casaco vermelho. Até porque a farmácia de serviço tinha ser aquela ao lado de tua casa, onde também está sempre aquele Mercedes desportivo clássico estacionado. Ainda bem que o “sérvio” chegou rouco a Lisboa e não tínhamos jantado ainda. Como noutros dias.
Não é que não queira escrever. Apenas entre as últimas semanas não sei bem onde tenho andado e parece-me cada vez mais que, não estando seco, não consigo é dar forma a seja o que for e falta-me sempre uma música. Ou então não consigo é fazer o filme. Onde ponho a terceira rosa?
Já nem me desculpo com o tempo. Nos últimos dias tenho recordado tanta gente, caramba. E a notícia da partida da mulher dele, a mulher que o fez vir para Portugal há mais de 40 anos e acabou fazendo com que nos cruzássemos, abalou-me pelo estrago que lhe causou — preciso dar-lhe um abraço e agradecer-lhe. É preciso agradecer.
Que saudades. E daqueles que estão no mesmo fuso horário.
Entre certezas e dúvidas. Entre as horas e o sol em dias de aguaceiro.
O teu casaco vermelho. Mas nem tudo resulta como num sintetizador.
Apaixonei-me por ti e pelo teu casaco vermelho. Até porque a farmácia de serviço tinha ser aquela ao lado de tua casa, onde também está sempre aquele Mercedes desportivo clássico estacionado. Ainda bem que o “sérvio” chegou rouco a Lisboa e não tínhamos jantado ainda. Como noutros dias.
Não é que não queira escrever. Apenas entre as últimas semanas não sei bem onde tenho andado e parece-me cada vez mais que, não estando seco, não consigo é dar forma a seja o que for e falta-me sempre uma música. Ou então não consigo é fazer o filme. Onde ponho a terceira rosa?
Já nem me desculpo com o tempo. Nos últimos dias tenho recordado tanta gente, caramba. E a notícia da partida da mulher dele, a mulher que o fez vir para Portugal há mais de 40 anos e acabou fazendo com que nos cruzássemos, abalou-me pelo estrago que lhe causou — preciso dar-lhe um abraço e agradecer-lhe. É preciso agradecer.
Que saudades. E daqueles que estão no mesmo fuso horário.
Entre certezas e dúvidas. Entre as horas e o sol em dias de aguaceiro.
O teu casaco vermelho. Mas nem tudo resulta como num sintetizador.
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