domingo, 14 de outubro de 2007

Ela tinha água, mas só lhe dava melancia
Vejo cinema japonês pela mesma razão que vejo português, francês ou alemão: à procura de algo diferente de Hollywood. Por isso fui ver “O Sabor da Melancia”, de um profícuo cineasta de Taiwan, de que não conheço mais nada, Tsai Ming-Liang. E fui sem ler mais do que a sinopse: «Erótico, musical e lúbrico (...) uma história de amor em tempo de seca e de uma obsessão por melancias. Taiwan sofre uma terrível falta de água. Os canais de televisão aconselham a população a economizar e a beber sumo de melancia (...)» O que encontrei foi diferente de tudo o que havia visto até então. E a senhora que estava a umas cadeiras de mim, escondia-se com embaraço; o rapaz à minha frente não se movia; no casal atrás, ela fazia perguntas parvas — «onde é que é isto?» «que água é aquela?» — e ele tentava responder; o grupo lá de trás falava alto.

A solidão é um dos temas da fita e as personagens estão sempre sozinhas no ecrã e desencontradas entre si. O aspecto cómico é dado pelos momentos musicais, coloridos e divertidos nas coreografias e nas temáticas erótico-pornográficas, bem como na questão da escassez de água e forma como é explorada ao longo de todo o filme, e pontualmente no papel que é dado à melancia. Não tendo a pornografia nada de cómico, consegue fazer-nos rir, até à trágica cena final, em que somos esbofeteados. Há, portanto, uma pornografia não explícita (?).

Ela recolhe garrafas plásticas do lixo, para armazenar água. Ele é actor pornográfico. Encontram-se e apaixonam-se. Não se envolvem fisicamente, apenas cozinham juntos. Ela mata a sede com água, que esconde, e só lhe oferece sumo de melancia. Ele sofre uma “crise de vocação”, deixando de conseguir desempenhar o seu papel com as colegas actrizes. Uma delas morre, supõe-se de sede — recordem-se da seca em Taiwan —, e é encontrada por Ela. Mesmo morta, continua-se o filme. Ela descobre, finalmente, o que Ele faz para ganhar a vida, e assiste à cena. Ele vai fazendo-o, a custo. Os olhares cruzam-se e Ele ganha fôlego. O filme, a cena, e a cena, terminam com um longo e trágico abocanhamento — pessoalmente, acho que Ela morre sufocada.

“O Sabor da Melancia” não é mau. É muito diferente.

Desilusão, desilusão
A curta-metragem “China China”, de João Pedro Rodrigues (realizador de “Odete”) e João Rui Guerra da Mata, «conta a história de uma rapariga chinesa que vive em Lisboa e sonha com Nova Iorque, no microcosmos que é o Martim Moniz», e embora se diga que é «uma das mais belas curtas da produção portuguesa recente, apresentada nos festivais de Cannes, Vila do Conde e Indie Lisboa», é extraordinariamente vazia e má. A história conta-se num monólogo; a encenação é excessiva; «Olá piolho», para além de ser uma das quatro ou cinco frases que ouvimos da protagonista, não será o que uma mãe chinesa imigrante diga pela manhã ao seu filho nascido em Lisboa. E depois tudo termina com o miúdo matando a mãe acidentalmente, com um tiro certeiro no peito. Não havia necessidade de isto ter financiamento estatal.

Afinal tem miolo
Gastei dois euros na revista Time Out Lisboa e não me arrependo. O aspecto gráfico não se coaduna com a pretensão urbana/life style/na moda que a revista encerra, chega a ser enfadonho e a remeter para a Pública ou Notícias Magazine do princípio da década. O registo de linguagem oscila entre o descontraído/metido-jovem e pretenso cómico/Gato Fedorento. O conteúdo é leve, levezinho nalgumas páginas. Tem a melhor fotografia que vi nas dezenas de entrevistas feitas a Paul Auster na semana passada. Mas, caramba, parece ter verdadeira crítica de restaurantes!
Apreciador confesso do género, embora não consuma títulos dedicados, durante anos li as apologéticas e exaustivas-da-entrada-ao-charuto críticas gastronómicas de João Gobern no DN; depois, os tesouros de bom português com restaurantes pelo meio, de Miguel Esteves Cardoso, também no DN; a espaços compro a edição de fim-de-semana do Financial Times e leio sobre onde nunca irei jantar; mas tudo isto sempre muito elogioso e gabatório. Até chegar ao texto de Lourenço Viegas sobre o Vinotinto, neste terceiro número da Time Out.

«O Vinotinto, na nova praça de touros do Campo Pequeno, é o reino do parecer. Parece uma enoteca, mas o vinho ficou esquecido no nome e nas paredes; parece um restaurante espanhol, mas mistura comida de Espanha com entradas de Itália e saladas de aeroporto; parecem simpáticos, mas nunca nos deixam sentar nas mesas que nos apetece; parece agradável e confortável, mas saímos cansados e com o rabo a doer dos bancos. (...) O que me parece é que é tempo de deixar de haver restaurantes de franchising a trinta euros por pessoa. E, por favor, para a próxima não me obriguem a ficar na mesa ao lado da casa de banho tendo mais de meio restaurante vazio. Vá lá.»

Não é por estar a botar abaixo que gosto desta crítica. É por ser sincera e directa. Por ser simples, sem as notas de prova dos vinhos ou análise microscópica dos pratos e dos paladares. E por apontar para o que é novo e — pelo menos neste número — “de massas”, sem mais critérios, ao invés de preferir o que é de requinte e apenas para alguns, ou de assinatura mais do que reconhecida, naquele nacional porreirismo de palmadinha nas costas e são sempre os mesmos. Para ver se se mantém assim nos próximos números.

5 comentários:

John Abreu disse...

Ao Sabor da Melancia já tinha decidido que não vou. E não vou.. não me puxa. Mas essa da curta do João Pedro Rodrigues é que me surpreende. Ainda bem que 'te' li. O que tinha lido tinha-me agradado, mesmo que odeie profundamente tudo o que pode ser relacionado neste mundo com o.. ODETE do «chama-me pedro» naquela cena final lol.

Já a Time Out. É tão boa quanto vazia. Nós somos pessoas minimamente informadas, pelo que sinto que esta revista não me acrescenta muito mais àquilo que quero saber para fazer. E ainda por cima é feíta, como dizes. Mas, longe de a insultar, gosto de vê-la nas bancas. Gosto porque se sente a pequenez do projecto e elogio por ter avançado e chegado às bancas. «Ah e tal mas não é assim tão pequeno e já há em vários outros países». Bah.. foi preciso arriscar e o grupo parece querer seguir uma linha diferente, mais jovial (lol, jovial é muito bom). E parece que as pessoas estão a gostar. Pelo que espero que dure mais alguns tempos.

JPC disse...

Sim, é um franchising.

Sim, pode saber-se quase o mesmo pelos guias CONVIDA (aqueles de "Lisboa bairro a bairro"), que até são gratuitos (e a semelhança entre o número Baixa-Chiado deste último e o número três da Time Out, é muuuiito grande).

Sim, há a Agenda Cultural.

Sim, há a imprensa (Y e Actual, pelo que me toca).

Sim, há tudo o resto: os programas das instituições, os blogues, o passa-palavra.

Mas para quem esteve envolvido em vários projectos de imprensa dita cultural, é de louvar que haja uma publicação com estrutura potencial para se tornar num bom produto, com investidores, que isso interessa muito, poder crescer de número para número tendo quem pague as facturas (até ver, claro).

Se a Time Out me enche as medidas? Não. Não sou, claramente, o seu público-alvo. Atente-se nas páginas 14-15 em que, sob o título "Os estilos que Lisboa tem", temos cinco fotos de cinco lisboetas que falam da moda, da sua moda, das lojas onde compram roupa e quanto gastam por mês, que importância dão à aparência, e como catalogam o seu estilo! Ali temos o que é um lisboeta "sofisticado" (tem que ter botins, leggins e cinto largo); "diferente" (tem que se comprar na Bershka, H&M, Sop One, Zara e P&B); "irreverente" (tem que se usar vestidinho rosa-choque, mochila às bolas e óculos XL); "cool" (é que nem vou comentar... pronto, vou: "todo o dinheiro que junta acaba, invariavelmente, por ser gasto em roupa e acessórios e produtos para o cabelo", e trata-se de um gajo); ou "descontraído" (a Mango e a Salsa, no fundo).

Não querendo ser desagradável, acho que percebes a caricatura...

Portanto, entre nada e uma Time Out, que haja uma Time Out. No que me toca, vou comprar mais umas semanas, só pelas críticas de restaurantes :D

marcos disse...

Do mesmo senhor, há que ver "Good-Bye, Dragon Inn". Esteve em exibição no King há coisa de 2 anos e passou completamente desapercebido, apesar da chamada de atenção de alguns críticos (o João Lopes, claro). Nada erótico, musical ou lúbrico, mas as (poucas)personagens também andam por ali sozinhas e desencontradas. "Por ali" é neste caso um monumental cinema de Taiwan que projecta o seu último filme antes de ser demolido. É um graaaande filme, quase sem palavras e movimentos arrastados, um épico da modernidade tardia!

JPC disse...

Agora � que estamos em desacordo. Eu vi o Goodbye Dragon Inn no King e achei somente isso: demasiado arrastado. (por ter sido numa sess�o da noite?) Percebi onde quis o realizador chegar, mas n�o gostei como deste.

sofia disse...

adoro-vos!
hoje vou a um bar que se chama Arthur's Tavern...'e o melhor sitio onde estive ate agora...musica ao vivo tds os dias..blueszinho bom..ambiente excelente...mesas...familiar..sigh...ja nao posso viver sem isto...Lisboa nao me chega:D