Perdidos na cidade
A porta está colocada a meio da parede da sala rectangular. Em frente as janelas e portadas de madeira escura estão fechadas. O cheiro é húmido, a mofo, do tempo que tudo esteve fechado? O tecto de estuque bem acabado e à antiga está amarelecido e remendado. No soalho encontram-se, à esquerda e à direita, conjuntos de sapatos usados, dispostos em pares, geometricamente. De mulheres, homens e crianças. Nas paredes de topo, imagens. À esquerda um televisor mostra vídeos institucionais de promoção ao recrutamento militar — canadianos (os tipos que não trancam a porta de casa), israelitas, paquistaneses (ritmo marcha militar com arranjo bollywood), de empresas privadas de armamento norte-americanas, tudo sonorizado. À direita uma tela amarrotada reflecte sequências mudas de bombardeamentos, manobras de aviões, desembarques aéreos de tanques blindados, o icónico verde da CNN naqueles dias em 1991. À esquerda e à direita, o elogio do belicismo. No chão, as vítimas.
Encontrámos a Casa d’Os Dias da Água no final de um dia que me foi cinzento. O pretexto? “Teatros de Guerra”, de Thomas Walgrave, até 12 Nov. Da instalação de três salas, destaco — e acho que tu também — a segunda. Esta. Mas Walgrave também compõe «alguns dos paradoxos que decorrem das situações de guerra, utilizando para isso textos (convenções, resoluções da ONU, tratados de paz) e material de vídeo (spots publicitários do construtor aéreo Macdonald-Douglas, imagens de bombardeamentos de precisão), que depois relaciona com meios populares de marketing, como t-shirts.»
A Casa d’Os Dias da Água fica no n.º 175 da rua D. Estefânia e é um espaço de utilizações múltiplas pela companhia Sensurround e outras. Hoje teve problemas de energia e as luzes apagaram-se a espaços, mas não fez mal. Ao lado e nas traseiras, o Basta – café jardim, muito curioso.
A ti, gostava de lá te ter levado. Quando?
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