A tragédia televisiva
1) É a sociedade que caracteriza os acontecimentos como trágicos, e não a televisão.
2) As tragédias são «factos sociais totais» (Mauss), fenómenos simultaneamente jurídicos, económicos, religiosos e mesmo estéticos, que abalam as instituições e instalam o conceito de crise, tudo isto numa unidade de tempo, acção e lugar.
[este conceito de «tragédia» aplica-se, então, aos acontecimentos de Timor em 1999, queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001, 11 de Setembro de 2001 e 11 de Março de 2003]
[os acontecimentos de 7 de Julho de 2005, em Londres, não foram analisados]
3) Esta situação de crise poderá ter expressão directa e clara no campo político: o ministro Jorge Coelho demitiu-se cinco horas depois da queda da ponte de Entre-os-Rios (e ainda há que pensar se o acontecimento não influenciou o mau resultado do PS nas autárquicas pouco tempo depois, após as quais o primeiro-ministro António Guterres se demitiu); nos EUA, porque o contexto sociocultural é diferente, Bush legitimou-se e reforçou-se (e foi re-eleito) após o 11 de Setembro.
4) O centro dos acontecimentos desloca-se: Entre-os-Rios passou a ser o centro, com o poder político, a Igreja e os media diariamente no local; a mesma lógica nos EUA, cujo centro se deslocou para Nova Iorque.
5) A sociedade transforma-se em comunidade.
6) As tragédias têm um desfecho: a portuguesa terminou com a imagem simbólica do primeiro-ministro vendo pelos binóculos o resgate do autocarro submerso; a norte-americana terminou com a missa religiosa proferida na sexta-feira seguinte ao acontecimento, na presença do Presidente Bush e restante poder político.
Desta forma se pode olhar para a queda da ponte de Entre-os-Rios, o 11 de Setembro de 2001 e o 11 de Março de 2003 como «tragédias televisivas».
Estes foram os ensinamentos que retirei da palestra hoje proferida por Eduardo Cintra Torres, na Universidade Católica Portuguesa (UCP) em Lisboa, sob o tema «A tragédia televisiva: um género dramático da informação audiovisual», tese de mestrado de Cintra Torres e o assunto do seu livro agora chegado aos escaparates.
O 2º Ciclo de Seminários de Investigação em Ciências da Comunicação da UCP vai-se revelando interessante.
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