terça-feira, 6 de abril de 2010

Diz que estou no fundo da caixa às flores pirosas que a Margarida tem lá em casa
Foi a primeira vez que senti aquelas coisas. Aquelas coisas esquisitas de novas. Tremores. Sorrisos. Suores. Vontades. De fazer coisas, dar coisas, mostrar coisas, partilhar coisas, ver coisas, estar presente em coisas, querer que estivesses em coisas, sei lá, o normal nestas coisas. Tu na minha cabeça à noite, tu na minha cabeça de manhã, à hora de almoço e antes de jantar, nas aulas, no intervalo, no caminho de casa e a caminho de tua casa, nas mixtapes e nas cartas — isto já foi há quanto tempo? Dizem que são esses os sintomas. Pelo menos foi assim que me explicaram. O Rui é que sabe. O Rui deixou de ter pressa quando lhe roubaram o relógio. O relógio e o Dom Quixote encadernação de capa dura, azul escura, na lombada as letras douradas, meia francesa. Ladrões de corações com as unhas pintadas de vermelho e saias curtas. Já leste o poema que te escreveu? A estória repete-se de cada vez que apareces. A minha parece que também. Esta primavera que não chega. E eu sonhando ou com aviões cheios de gente a cair até amarar no Sena, Paris, claro, ou com beijos, aos beijos. Aos beijos!, imagina. Aos beijos, aos olhares, às mãos a viajar, às coisas ditas ao ouvido no calor, aos sorrisos envergonhados... É que tenho dormido pouco e muito tarde. Farto-me de despejar cinzeiros cá em casa. Castanho, verde, azul, rosa, laranja e castanho outra vez — os da outra metade já os comemos. Isto serei só eu a ver? Um dia compro um megafone e aí é que ninguém prega olho! Aos quatro ventos, às quatro esquinas, às quatro colinas, internem-me se quiserem!, apanhem-me se conseguirem!, se me esconder num dos sete quartos da casa do Rui ninguém me encontra, vão todos tropeçar nas guitas que vou estender atadas aos rodapés das portas, podem continuar a tentar, sairei só à noite, de fininho, que todos os gatos são pardos menos a Alice, um bolo de chocolate debaixo do braço e uma garrafa de vinho na mão, passo no Luís e no Carlos só para comprar tabaco e dar as boas noites ao senhor Simões, não não, deixe estar, não preciso de boleia, ó homem mas eu levo-o lá e não precisa pagar!, deixe estar senhor Simões que isto é uma hora de caminho e é quase sempre a descer, ora quase homem, pois ora que quase senhor Simões, mas obrigado na mesma, então e vale a pena?, (sério) ó senhor Simões: perguntas com rasteira é que não, e lá irei, avenida abaixo, avenida acima, avenida abaixo, avenida acim... afinal fiz mal as contas: é a descer se for daqui de casa. Ó senhor Simõõõões! Agora é tarde. É tarde? Então o bolo de chocolate debaixo do braço e a garrafa de vinho na mão... Vou mesmo ter de beber sozinho?

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