segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Sem referente
Tudo começa com este dilema permanente em mim, entre dormir quando é noite ou fintar a cama e seguir em pé, como que perdido, vagueando de pensamento em ideia ou nota de post-it que ficou por apontar, de tentar sentar-me à mesa ou, como hoje, na cama, e escrever. Tentar escrever. Fazer o exercício que digo ser-me violento e caro, de tentar vomitar o que se me revolve no estômago, dias e dias a fio. Iludir o cansaço, flagrante quando for manhã, seja nos olhos ou no sinal de meio-dia que me assustará para fora do colchão, vencido que fui pela extinção temporária do ser que é o sono, então enfurecido por ter perdido horas, o tempo que o coelho da Alice tanto perseguia, perdido luz e sobretudo por reconhecer-me incapaz de controlar o meu corpo. Se pudesse, não dormia. E logo depois dormia toda a dívida acumulada. E não morria, ausência total de sentir, de me sentir, de consciência, que é isso que me assusta na morte.

Acho que nunca entrei naquela livraria ainda de dia. Hoje, novamente, os carros lá fora já circulavam de luzes acesas, o alcatrão estava ainda mais escuro e cheio do brilho dos reflexos na água da chuva, além do frio que nos torna a todos pequenas chaminés de caldeira ambulantes. Fui lá passar tempo, olhar lombadas coloridas, folhear livros de fotografias, anotar.

«Quem és tu? Como és tu? O que és tu? O que há dentro de ti?

A tua cara é redonda. Não digo que seja bolachuda, e rio-me disto. O teu cabelo é bonito. Os teus olhos parecem-me cansados, sempre, desde que te vi pela primeira vez. As tuas mãos são pequeninas, os teus dedos arredondados. O teu sorriso é esplêndido, assim como o teu olhar, que se transforma quando sorris.»

E levantei-me de um salto para me esconder, envergonhado não sei bem por quê, entre as Farpas e álbuns de fotografias, como quem elenca uma lista de Natal, que nunca faço. Passei pelos títulos mais óbvios, interessadíssimo, como se tentando iludir alguém. Que raio.

sábado, 26 de novembro de 2005

Eu não quero pagar o aeroporto da Ota
«...toda esta questão da Ota cheira mal à distância: cheira a voluntarismo político (...), que tanto dinheiro custou e continua a custar ao país, e a troca de favores com a clientela empresarial partidária, a que costumam chamar "iniciativa privada". Para esse peditório já demos. Já demos demais, já demos tudo o que tínhamos para dar. O país está cheio de fortunas acumuladas com negócios feitos com o Estado e pagos com o dinheiro dos impostos de quem trabalha, em investimentos cuja utilidade pública foi nula ou pior ainda...»
Miguel Sousa Tavares, in Público, 25Nov2005
(sublinhado meu)

sábado, 19 de novembro de 2005

O Pudim faz dois anos :)

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Quinze euros paga-se por um livro
Eu gastei-os numa agenda. Comprei um diário Moleskine, de formato A5, muito pseudo-intelectual, para anotar tarefas, ideias para textos [sim, que pretensioso], pensamentos e outras coisas. Encaro-o como o ponto de partida para uma nova etapa. Tal como a música que ouço agora me sugere, hunted by a freak, de Mogwai. A primeira página é em 2006, mas comecei hoje.

Os produtos Moleskine vendem a imagem de Hemingway, a preço alto. É-me indiferente. O que gosto neste diário começa na encadernação, porque detesto argolas, e termina na côr do papel, amarelada. Uma agenda tem que ter capa dura, como esta, que é preta, e ser grande o suficiente para entre páginas guardar bilhetes de cinema, cartões de visita, postais, folhas com anotações ou mapas de museus, até CDs e seja mais o que for que chegado a Dezembro lhe dê o dobro da espessura. Como esta.

O elástico que a envolve a todo o comprimento é dispensável, mas é uma marca. A fita marcadora interior é útil, mas prefiro o que a Vanessa me fez, já não sei há quanto tempo, e que me tem acompanhado desde então.

As páginas reservadas a endereços não me fazem falta. O envelope colado no verso da contracapa é útil.

Gosto da ideia de oferecer uma recompensa a quem encontrar este caderno perdido, uma das originalidades dos produtos da marca, e que é o que reforça a ligação entre o usufruente e o produto, uma vez que reconhece a importância e o valor que este tem para o seu dono — não é uma agenda; é um pedaço de si.

As folhas são finas e agradáveis ao toque, além de não nos roubarem espaço com coisas que não interessam, como as horas, impressas a corpo pequeno e discreto, como devem ser. Porque a hora é o que menos interessa, juntamente com linhas verticais, que não as há. Há apenas um jogo de linhas para ajudar a escrever direito. É a horizontalidade que faz sentido.

Preciso fechar portas. Tenho vivido neste eixo cartesiano de x e y, horizontal e vertical, procurando traçar-lhe uma linha de progressão geométrica. Este ciclo vicioso do “depois”, que faz depender o objectivo de um desejo do que se há-de ter e então sim, é totalmente errado.

Viver em antecipação não é sistema. O controlo total é impossível. O risco é necessário. O desconhecido não é sempre mau.
A senhora Puta vive
É favor confirmar aqui. E ler o editorial, no fundo da página.

domingo, 13 de novembro de 2005

Há uma garrafa de cerveja Sagres no pub londrino de “As Bonecas Russas”
Londres, Paris, Moscovo e outras cidades do nosso imaginário têm um rio, felizmente estreito, o que possibilita que cidade e rio existam em comunhão. Quem lá vive só ganha com isso. Lisboa tem um Tejo, evidentemente magnífico, mas largo por demais. E é acidentada. E a outra margem também. Se tudo isto é obra de um arquitecto superior, alguém me forneça o e-mail do gajo, porque quero contestar o projecto. Lisboa vive de costas para o rio. Eu vivo de costas para o rio.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Tanta coisa por aí e os dias continuam tendo só 24 horas. Xiça.

Dias de chuva
1) Num sábado que passou estive no DocLisboa 2005, na Culturgest, para ver “A Decent Factory”, documentário de Thomas Balmés que retrata as condições de trabalho em fábricas chinesas fornecedoras de equipamentos para a Nokia. O mote é a ética no trabalho, que preocupará uma finlandesa como a Nokia, e que não tem tradução prática na realidade das fábricas chinesas, nem mesmo quando o contratante é alemão. Turnos de 12 horas e semana de trabalho de seis dias, seja qual for o volume de encomendas; ausência de contratos de trabalho; escusado será dizer que seguros de qualquer tipo ou descontos para uma segurança social também não existem; a própria fábrica não está totalmente legal; manufactura em mais de 90 por cento das fases operacionais; 99 por cento dos operários são mulheres, ficando os homens com os cargos de supervisão, aproveitando para o enxovalhamento das primeiras; dormitórios nas imediações da empresa, horários rígidos de entrada, impossibilidade de saída, oito mulheres por cubículo, sem visitas, interdita a entrada de comida naquelas quatro paredes; gravidez é sinónimo de dispensa; as refeições fornecidas no refeitório não prestam — são as operárias quem o diz; falta de condições de higiéne e segurança, no trabalho e no dormitório; do salário é descontado um valor pelo alojamento e alimentação, o remanescente é quase metade do salário mínimo na província; os dois alemães representantes da empresa contratante, e os únicos residindo/trabalhando na fábrica, procuram um buraquinho onde se esconder, mas mesmo assim são sinceros e não têm pejo em pôr às claras os podres do negócio; etc.

Uma pergunta: a Nokia deixou de comprar aquele fornecedor? Um comentário: dizem-me que no comunismo era bem pior, nunca os chineses viveram tão bem e os que são explorados naquela fábrica preferem aquela vida à do campo, na aldeia onde nasceram, a mais de 10 horas de carro de qualquer centro urbano.

2) A edição de 2005 do Seixal Jazz já terminou e teve como ponto alto o concerto de Kurt Rosenwinkel.

3) Na noite passada caiu um telhado no Museu de História Natural, o que provocou uma ligeira inundação, contou-me o porteiro de serviço. O mesmo que me informou acerca do passe anual para o Jardim Botânico (por 7,5eur) e de como se contam pelos dedos de uma mão os portugueses — excluindo os velhinhos habitués — que visitam o Jardim diariamente, sendo que no Museu já teríamos que usar as duas mãos. Fui ver a exposição Fotógrafos da Natureza, da BBC Wildlife Magazine — disponível até 28 Nov. Fui o primeiro. Depois de mim chegou um casal de ingleses e dois casais de portugueses com os respectivos rebentos, com não mais de uns 7 anos, ele um bocado enfadado e ela verdadeiramente surpreendida e entusiasmada.

Do Museu destaco as paredes cinzentas do reboco de cimento, sem pintura, contrastantes com o mármore branco das ombreiras de portas e janelas, buracos aqui e além, denunciando as tubagens de electricidade e canalizações. Um Museu de história que é parte da História e cujos responsáveis devem querer que o aspecto o demonstre — velho e pior conservado que os exemplares de crustáceos em frascos de formol. Percebo o aspecto que se pretende, e até posso considerar museulógico, à falta de melhor palavra. Mas aquele edifício do século XVIII (edificado pouco depois do Terramoto) merece melhor. E no final não há um folheto informativo, institucional, que satisfaça a curiosidade do visitante, esclarece-me o António, que agora já bebe um café, roubado à máquina na outra sala, tal é o fraco movimento. Adeusinho.

4) Wallace & Gromit and the The Curse of the Were-Rabbit. E tantos outros que ficaram pelo caminho, raios.


Espreitar, sff
1) Nasceu a Prisma.com, uma publicação online dedicada à comunicação, informação, tecnologia e artes, propriedade do Centro de Estudos em Tecnologias, Artes e Ciências da Comunicação (CETAC) da Universidade do Porto.

2) E está para nascer o jornal digital “Comum”, do Grupo dos Alunos de Comunicação Social da Universidade do Minho (ver aqui). [no sítio onde estudo continua havendo zero e isso é especialmente ridículo quando os vizinhos das economias e gestões estão a planear um jornal electrónico]

2) A Rascunho já tem algum tempo.

3) O BlogReporters já arrancou, e apresenta-se como um espaço no qual «poderá encontrar notícias, reportagens, entrevistas ou fotografias da autoria de qualquer pessoa interessada em fazer jornalismo profissional».


Esta agora…
Bem, eu já sabia que o Público não era um jornal português, a julgar pelo código de barras iniciado com 977. Mas que os tipos que lá escrevem não são jornalistas, essa apanhou-me de surpresa. «Eurico Reis tem entendimento distinto. “Sem carteira, não podem ser qualificados de jornalistas”, diz, lembrando a violação ao Estatuto do Jornalista.» Soube por aqui.


DNa em risco de acabar
Li, incrédulo, que está a ser ponderado o fim do DNa, o suplemento cultural do DN (aqui). E a Grande Reportagem já sabe que vai deixar de ser impressa (aqui).

Se a primeira notícia me abalou, a segunda é-me indiferente, porque sempre considerei um assassinato da publicação a sua passagem a semanal e todas as mudanças de formato que isso implicou.

O sr Joaquim Oliveira já começa a arrumar a casa, que comprou com os 300 milhões emprestados pelo amigo Ricardo Salgado.


Duas novas “económicas” nas bancas
«Duas novas revistas mensais das áreas de economia e gestão chegaram ontem às bancas: a Just Leader e a Ed. A primeira, do grupo da revista Prémio, é dirigida por Freddy Vinagre, privilegia a área de gestão e é vendida a três euros. A segunda, que incide na área de economia e negócios, é da empresa Lagonda, tem como director Fernando Vicente e custa 1,9 euros. O grupo da Just Leader, já responsável pela revista Prémio — que detém os direitos do título norte-americano Business Week —, estabeleceu um acordo para a utilização dos conteúdos das revistas brasileiras Veja e Exame Brasil, tanto nestas publicações como na Prémio Viagens, um projecto com lançamento previsto para Novembro.»
in Público, 29Out2005-11-02


“Nós, os media”
Terminado o livro de Dan Gillmor, “Nós, os media”, faço minhas as palavras de Eduardo Cintra Torres, um destes dias no Público: «…um daqueles livros americanos de estilo messiânico nos quais se vão repetindo até à exaustão do leitor as ideias principais…». O livro, que tanto alarido causou quando foi lançado em Portugal, é francamente mau. Não consegui extrair uma ideia interessante, uma linha de pensamento construtiva, algo que valesse a pena anotar e parar para pensar.


O cidadão-jornalista de Eduardo Cintra Torres
«É certo que as novas tecnologias possibilitaram uma maior participação dos cidadãos nos media tradicionais e permitiram-lhes criar os seus próprios media, como os blogues. Isso contribui para aprofundar a democracia, para um alargamento do espaço público. Mas há uma forte deriva de determinismo tecnológico neste conceito que abarca ao mesmo tempo o jornalista dum jornal, o turista do telemóvel que filma o tsunami e o autor de um blogue diário. Não é por acaso que Gillmor escreve, com mais certeza do que um pastorinho em Fátima: "Não tenho dúvidas de que a tecnologia acabará por vencer" (p. 229). Mesmo o título do livro, Nós, os Media, faz do cidadão uma tecnologia (media) e não um autor de conteúdos, que é o que um jornalista é.Mas se é cidadão-jornalista aquele que enviou imagens do atentado no metro de Londres, como defendeu um dirigente da BBC (em 06/10), também o deveria ser o habitual informador verbal dos jornalistas. Por exemplo, a mulher que descreveu para a CBS o embate do primeiro avião nas Torres Gémeas ou a mulher que descreveu para a RTP o som da derrocada da ponte de Entre-os-Rios e os faróis acesos afundando-se no Douro. Essas pessoas usaram a velha palavra e uma tecnologia antiga - o telefone - para participar na informação. As pessoas que descrevem um incêndio para a câmara profissional ou para um bloco-de-notas dum jornalista também participam na feitura da notícia com a sua narrativa pessoal. Por que raio se chama jornalista ao transeunte que faz umas imagens no metro de Londres e não à velhota que telefona para a SIC a dizer que há mais um incêndio no seu concelho?
Se o nível de participação é diferente, a função do narrador in loco ou do indivíduo que grava um ataque terrorista no telemóvel é a mesma. O primeiro existe há séculos. O segundo há cinco anos. E todavia, porque o contributo de um é oral e do outro visual, são considerados diferentemente pelos teóricos do cidadão-jornalista.

E que dizer das máquinas de circuitos de vigilância da estação de Atocha no dia 11 de Março de 2004? Elas são tão "cidadãos-jornalistas" como os turistas que gravaram o maremoto na Tailândia ou na Indonésia em 2004.
Por captar imagens de água invadindo Pukhet o turista não é jornalista, da mesma forma que, ao atender o telefone, o Presidente da República não é telefonista. Quem compra tábuas no Ikea e monta o móvel em casa não é marceneiro, quem faz uma transferência bancária numa ATM não é empregado bancário e quem enche o depósito de combustível em auto-serviço não é gasolineiro. Quer dizer, não tem essa profissão.

(…)

O jornalismo não pode ser apenas a "tecnologização" da função do informador. A pessoa não se torna jornalista por participar no espaço público. O messianismo tecnológico e político dos Dan Gillmor que pululam pela Internet menoriza a actividade jornalística e contribui para a diluição do jornalismo (que, aliás, é desejada por Gillmor ou Outing) e para o apagamento das tarefas sem as quais não há notícias autênticas: estruturação, selecção, equilíbrio, factualidade objectiva, confirmação de fontes, estilo, responsabilidade, ética, serviço ao público.»
Eduardo Cintra Torres, in Público, dias 29Out e 1Nov de 2005 (artigo em duas partes)


O Ilharco foi beber o café ao bar da FCEE, viu aquele miudo que copiou o penteado a um tipo da TV, engasgou-se de riso, e “puf”, não se fez o Chocapic, mas surgiu o tema para a crónica quinzenal do Público
«Mas mais do que os D"ZRT parece ser a série "Morangos com Açúcar" que hoje em dia é uma espécie de critério comparativo, de modo de aferição e de valorização da vida de muitos adolescentes e sobretudo pré-adolescentes portugueses.»
(isto não interessa, mas é só pra contextualizar)

«Quando nos lembramos que numa sociedade tecnológica como a nossa o meio é a mensagem esquecemo-nos muitas vezes da conclusão óbvia de McLuhan: que o conteúdo são os utilizadores — somos nós. (…) Com a televisão em todas as divisões da casa, com a lógica de Hollywood, dos bons e dos maus, das marcas e dos produtos, em todos os écrãs do mundo, a realidade é hoje a imitação do universo digital em que vivemos.»
(isto sim, já interessa e é a sério)
Fernando Ilharco, in Público 31Out2005


Apontar na agenda
A edição de amanhã (hoje?) do Clube de Jornalistas, na Dois, é dedicada à questão da invasão da publicidade no espaço informativo. Mais info aqui.


«A malta é jovem… não explicam!...»
«O meu repórter era jovem, feliz com a sua juventude (feliz ou angustiado, o que vem a dar no mesmo). Não que eu tenha uma visão normativa da juventude não tolero tal atitude em relação à minha juventude, não a favoreço face à juventude dos outros. Seja como for, há um valor simbólico que as televisões instalaram no nosso quotidiano. Assim, a maior parte dos repórteres combina a ligeireza do olhar e a futilidade das observações com uma juventude que há muito deixou de ser um mero índice etário, para passar a funcionar como metáfora mediática: é jovem, logo tudo lhe pode ser permitido e desculpado.»
João Lopes, in DN 30Out2005


Ah pois é…