domingo, 31 de julho de 2005

«Eles comem quase tudo»
«Portugal já foi anexado no mapa dos investimentos espanhóis. Em cinco anos, as mais de 2.000 empresas espanholas a operar em Portugal investiram 10 mil milhões de euros no país, que deixou de ser visto como um mercado externo para passar a fazer parte das regiões da Ibéria. “Nuestros hermanos” não param. O próximo passo desta invasão será a abertura de um novo armazém da cadeia El Corte Inglês. Depois de Lisboa e Gaia, segue-se Évora. Na banca, os nervos estão em franja, com receio de uma megaofensiva do BBVA. É que o sistema financeiro nacional foi abalado quando o Santander comprou o Totta de António Champalimaud e agora os dedos apontam para a aquisição do BPI e para as compras que o Popular quer fazer em Portugal. Tudo uma semana após a aquisição do Grupo Media apital pela Prisa do Jornal El País. Os espanhóis marcam presença em quase todos os sectores da actividade e nem a segurança foge à regra: a Prosegur ganhou o concurso dos aeroportos portugueses.»
Expresso, 30 Jul 2005, Economia & Internacional


Nem mesmo uma área de actividade desqualificada como a segurança as nossas empresas conseguem/querem agarrar? Mas, e os ‘tugas? Ah, claro, andam a construir [obviamente... saberão fazer mais alguma coisa?] em África e no Brasil, onde há dinheiro fácil. Mais fácil ainda que o nosso.

Como escreve, e bem, Nicolau Santos, os espanhóis estão a tomar posições em cinco áreas bem definidas: telecomunicações, energia, água, banca e media. «Perceberam ou é preciso explicar?» As páginas do Expresso deste fim-de-semana fazem o retrato.

Banca
A banca espanhola controla directamente cerca de 15% do sector financeiro português (Santander comprou o Totta a Champalimaud; Banco Popular comprou o BNC a Américo Amorim; BBVA analisa compra de um banco português de «média dimensão») e indirectamente a catalã La Caixa detém 16% do BPI e o Banco Sabadell é o maior accionista do Millenium BCP.

Construção
As construtoras espanholas controlam cerca de 30% do mercado português. A Sacyr comprou a Somague; ACS, número-um em Espanha, detém 10% do Grupo A. Silva&Silva e 45% da Sopol e da CME; Ferrovial detém a Ramalho Rosa; FCC é dona da Cobetar.

Imobiliário e Hotelaria
O Grupo Prasa tem interesses no Algarve e em Loures, além de ter comprado interesses da Lusotur em Vilamoura. No imobiliário português operam ainda as espanholas Hercesa, Aguirre Newmann, WLAR e Reália.
Na hotelaria, as cadeias NH e AC já têm unidades em Lisboa; a Sol Hott soma 11 unidades no país; a Hotusa já inaugurou o primeiro de três hotéis em Portugal, além de deter a gestão de cerca de uma centena de unidades; o Grupo Pransor controla os hotéis AS e as lojas de conveniência ARS.

Combustíveis
A Repsol é a segunda maior distribuidora em Portugal, depois da Galp e após ter comprado a rede Shell. A Cepsa, com 150 postos, está em quarto lugar.
[A Galp quer acabar com a refinação, para se dedicar ao gás natural (mais rentável, porque mais barato de operar - afinal, são só tubos, não é?). Se o fizer, deixa Portugal dependente não da matéria prima petróleo (como já é), mas também (e mais grave) do produto acabado!]

Energia
A Endesa está no capital da Tejo Energia e Central Termoeléctrica do Pego, além de ter comprado a Finerge (ramo eólico; comprou à Somague). A Iberdrola e a Gamesa são concorrentes (com a Galp) ao concurso de atribuição da energia eólica em Portugal. A Iberdrola detém 4% e 5,7% na Galp e na EDP.

Pronto-a-vestir
O Grupo Inditex controla a Zara, Massimu Dutti, Pull&Bear, Stradivarius, Oysho, Zara Home, somando 250 lojas. O Grupo Cortefiel, além das mega-lojas com o seu nome, detém as Springfield, Women's Secret, Pedro del Hierro, Douglas e Milano, totalizando mais de 50 unidades.

Alimentar
No sector alimentar os espanhóis têm uma quota não inferior a 15%. Panrico, Campofrio, Nutrexpa, La Menorquina e a líder mundial nos ultracongelados de peixe, Pescanova - são todas nossas conhecidas.

Media
O Grupo Prisa comprou a Media Capital (TVI; revistas Lux, Maxmen; jornal Metro; publicidade exterior e conteúdos para internet, como os portais Agência Financeira, Portugal Diário, Mais Futebol e IOL; rádios Comercial, Best Rock, Cidade e Rádio Clube Português). A Recoletos domina a imprensa económica, detendo o Diário Económico e o Semanário Económico. A Prensa-Ibérica fechou A Capital e O Comércio do Porto, na falta de comprador. Na distribuição, a Logista (ex-Midesa) reparte o mercado com a VASP - uma distribui o Público e outra o Expresso, por exemplo, além de dezenas de outros títulos.

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Ventilar
No DN, secção Media, edição de quarta-feira:
«Porém, as mesmas não chegaram a bom porto porque, segundo se ventilou na altura, o grupo espanhol terá colocado condições inadmissíveis...»

No DN, secção Media, edição de quinta-feira:
«Numa altura em que no mercado televisivo se ventila a hipótese de Francisco Penim vir a ocupar um alto cargo executivo...»

(o jornalista não é o mesmo, por isso será uma coincidência o termo aparecer no mesmo jornal e na mesma secção)

Os sublinhados são meus. O dicionário diz-me que ventilar significa, no figurativo, debater ou discutir. Olhando para o contexto dos excertos, eu diria que o uso do verbo está incorrecto, porquanto o sentido que lhe pretendem atribuir estará mais próximo de veicular, falar, dizer, conversar ou mesmo comentar. Assim: numa altura em que no mercado televisivo se fala/comenta a hipótese de etc e tal.

Vi/ouvi (sim, TV e rádio...) pela primeira vez esta aplicação do verbo ventilar nas notícias desportivas. E por preconceito, ri-me, desculpei, engoli. Agora, na imprensa de referência?

De resto, a palavra é... nojenta! Sai um dicionário de sinónimos prá redacção ali à Av. da Liberdade.

quarta-feira, 27 de julho de 2005

«Blitz, música e cultura jovem»
Passaram anos sem comprar, folhear ou sequer olhar a primeira-página do Blitz. Hoje larguei o meu euro e levei o jornal comigo para a mesa do café, com o único objectivo de “deixa-me cá ver como é que isto está de saúde”.

(sublinhados meus)
Página seis, com o título «Baile de finalistas», soltei o primeiro suspiro. «A primeira banda do reggae branco deleita um coliseu cheio de público nostálgico» era o sub-título ou super-lead (?), de um texto que passei à frente. Aparte o erro e a imprecisão do super-lead (?), pergunto ao Gonçalo Frota: não havia título mais vazio?

Na página oito, encimado pelo título vazio, morto e nada apelativo «A tua presença», e pelo super-lead «A verdadeira diva da MPB conquistou o Coliseu dos Recreios na primeira de três noites para lançar o novo álbum», estava um texto sobre um concerto de Maria Bethânia. Da peça destaco «…estava rendido a Bethânia desde que ela entra em palco ao som da…», além de duas referências a uma MPB não explicada – apesar de facilmente se conjecturar que seja Música Popular Brasileira – e de duas frases começadas por «E, …». Belo trabalho, Jorge Mourinha.

Na página 10 havia uma reportagem sobre o Festival Tejo. Um redundante «Noites do Tejo» abriu um trabalho de Tiago Carvalho, uma reportagem que tentou ser madura e focar o carácter inter-geracional dos festivais de música da época de Verão. Daí as imensas referências que o jornalista fez à idade dos veraneantes com quem falou: Alexandra, 40 anos; uma senhora de 61 anos; Francisco, 45; Rita, 17; Telma, 21. Pena que o texto não deite uma gota, quando espremido. Lá no meio, assim como que caída do céu, esta construção: «Antes da entrada em palco dos Xutos…».

Na página 20, com o título «O mundo num castelo», que já não comento, encontrei uma peça sobre o Festival Músicas do Mundo e no lead um FMM caído de pára-quedas, mais uma vez.

Parei no cinema, à página 29, num texto de Jorge Mourinha, bem redigido e interessante. Somente saltaram à vista o título rebuscadíssimo «Sexo, drogas e rock’n’roll» e – logo na primeira linha, isto é que é pontaria – uma «Antárctica». Nota positiva, pá. Mas, ou é Antártica ou Antárctida.

É esta a imprensa portuguesa de «música e cultura jovem». Oh dona Rosa, tome lá o jornal de volta e dê-me antes um pacote de pastilhas, se faz favor...

domingo, 24 de julho de 2005

TVI: lê-se "tê ubê i", em castelhano, por supuesto!
Em Portugal trabalha-se para sustentar Espanha. Olhe-se para Miguel Pais do Amaral, que vendeu os activos da Media Capital à espanhola Prisa.

Perguntem lá outra vez: porque é que o país não cresce?

sexta-feira, 22 de julho de 2005

Agenda-setting

Após ler no Lóbi isto...
«Estava a ver o Telejornal (RTP) quando surge uma reportagem que relatava uma investigação a 14 alunos que alegadamente copiaram no exame de Matemática. Como não queria acreditar que esta notícia tivesse a dimensão de uma notícia nacional, mudei. A TVI estava a acabar uma peça sobre fraude no desemprego e inicia, imediatamente, a reportagem sobre a hipótese de 14 alunos terem copiado o exame nacional de Matemática.Mudei novamente. No FOX está a dar Will & Grace. Estou-me nas tintas para o país.» (post aqui)

...perdi uns minutos, embora apressados, confesso, a alinhavar este comentário:
«Existem oito principais critérios de noticiabilidade, a saber: actualidade; proximidade; proeminência; curiosidade; conflito; suspense; emoção; consequência. Não obstante a forma, certa ou errada, adequada ou não, como certos acontecimentos são tratados pela imprensa televisiva (portuguesa ou não), tento aqui ajudar a perceber (e a perceber eu mesmo, com este exercício) a noticiabilidade desse evento, a suspeita de que 14 alunos de uma escola de Braga tenham copiado no exame nacional de matemática.

A actualidade resulta aqui essencialmente do factor de oportunidade do evento, no sentido da sua contemporaneidade para com o público.

A proximidade, que será temporal, geográfica, psico-afectiva e social, justifica-se neste caso tendo em conta o destinatário daquela notícia: um jovem estudante, sua família; todos os jovens estudantes que realizaram o exame (dezenas de milhares?), suas famílias. Temporalmente, porque é esta a altura dos exames nacionais (por si e por cá, motivo de notícias variadas); geograficamente, porque é um caso bem localizado (centralizado em Braga, envolvendo 14 pessoas), mas que, por outro lado, tem alcance nacional; socialmente porque, sendo sobre uma franja da sociedade (os estudantes do 12º ano), envolve dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares de pessoas, directa e indirectamente (alunos, famílias, professores, sistema de ensino).

A curiosidade compõe-se de o desejo de ver ou conhecer, estimulado por factos que têm algo de estranho ou raro. Este acontecimento não será, por si, raro, pois estou certo que todos os anos haverá dezenas de provas anuladas na hora por cábulas ou afins, que não são notícia. Posteriormente, quando o corrector detecta casos estranhos, é curioso que este se construa de 14 alunos de uma mesma escola. (Faz lembrar o caso dos alunos que meteram atestado médico para não fazer exame, aí há uns anos, caso esse também bastante centralizado)

O suspense entra aqui em cena porque se trata de um caso de suspeita. Ou seja, o desfecho é desconhecido e por si, é motivo de interesse.

Agora JCS, quantas outras notícias há, mais pobres que esta em motivos para serem emitidas, todos os dias nas TVs portuguesas? Nem tudo agrada a todos os públicos. E isto é a agenda mediática a trabalhar: conteúdos diversificados para públicos variados. E pelo menos esta notícia teve interesse para uns bons milhares de miudos. Eu mesmo, se fosse há uns anos, teria ficado muito curioso. Apetece dizer: “give the kids a break”.

Abraço

P.S.: não obstante, o Verão é a época mais pobre na imprensa nacional… ainda não começaram a aparecer os cães surfistas?»

domingo, 17 de julho de 2005

WORLD PRESS PHOTO
Chega a Lisboa dia 30 de Setembro.
www.worldpressphoto.nl

quinta-feira, 14 de julho de 2005

Nasceram duas publicações
Jazz.pt é uma nova tentativa de entrada no mercado de uma revista sobre jazz, em português. Bimestral, custa 5,00eur e encontra-se na Fnac, por exemplo. Propriedade do Jazz ao Centro Clube.



Fest Forward Magazine é pioneira no género: uma revista em forma de guia dedicada a festivais, sejam eles de música, dança, teatro, cinema, fotografia e demais correntes artísticas. Uma lufada de ar fresco no mercado. Aliás, qual mercado?! A Fest Forward Magazine custa nicles, é trimestral e o número-zero já anda a circular por aí, com a promessa do número-um para Setembro (abordando o trimestre Out/Nov/Dez). Procurem-na (para já, à porta do festival mais próximo), porque vale a pena.

Filipe Pedro é o Director, Gonçalo Guedes-Cardoso o Director-Adjunto e Ana Serafim a Editora, que dirigem um leque de jovens escribas.

terça-feira, 12 de julho de 2005

O choque [tecnológico] necessário
O país precisa de um choque tecnológico. Disse-o o Governo e digo eu, pese embora as minhas ideias diferirem um pouco das do Primeiro-Ministro, o Eng. José Sócrates – ou Socky, daqui em diante.

Em traços gerais, a estratégia do executivo é levar a banda larga a todo o país, a todo o tipo de serviços, dotando os públicos disso mesmo e facilitando (?) aos privados o acesso. Serviços de impostos, de justiça, de administração e gestão, local ou não, o Socky quer tudo online. Os hospitais em vídeo-conferência, para que não se perca no interior a oportunidade de ter um especialista do Santa Maria a ver um doente de caso bicudo. A criação de empresas numa hora. Pedir segundas-vias de livretes e registar veículos na DGV pela internet. E tudo o mais que se possa imaginar. Este é, grosso modo, o choque tecnológico do Socky e dos seus amiguinhos.

Já eu, assim a modos que vejo as coisas de forma diferente. E vou falar somente do tecido privado, supostamente – ou “preconceituosamente” – de melhor e mais longa formação, mais competitivo em todas as unidades da sua verticalidade e horizontalidade – porquanto está sujeito à concorrência, dos lugares e dos outros –, mais preparado e mais “século XXI”. Ora quando o tecido privado não sabe usar a internet, estamos bonitos. Quando um email demora dias a ser respondido (quando é), e quando a resposta não tem nada do que se solicitou, estamos um bocado verdes. Quando a internet deveria servir para diminuir custos e tempo, mas nos pedem que, ou «envie por correio ou por fax», ou ainda que telefonemos, estamos a achar pouca graça. Quanto, pronto ‘tá bem, optámos por telefonar e nos dão o «número directo» ao invés de passar a chamada, ou ainda quando se justificam que é melhor ligar e perguntar «porque senão eu tenho de procurar isso aqui no “sistema” e ‘tá a ver, não é?», então estamos… com cara de parvos, concerteza.

Por isto e muito mais, eu proponho o choque eléctrico. Sim, esse mesmo, em cadeira de carvalho ou pinho, à moda do Texas. Porque de outra forma não vamos lá. Ou melhor, vamos sim, e vão os que têm dois dedinhos de testa, para outro lado – leia-se, para um país civilizado. Portugal é o melhor sítio para se viver, sem dúvida. Mas se se quer trabalhar, é de fugir.

sábado, 9 de julho de 2005

24º Estoril Jazz, 2005
8 de Julho, JAPP – The Charlie Parker Legacy Band


E à quarta noite fez-se jazz
Charlie Parker Legacy Band – o nome, só por si, já augura bons momentos, não tivesse Parker deixado uma marca indelével naquilo a que chamamos jazz. E o que é isso, precisamente, de jazz? Que nem se perca tempo tentando delimitar um conceito, porque tal é impossível e a resposta é tão simples quanto complexa. Porquê? Porque jazz, meus senhores, jazz foi o que se ouviu ontem, na quarta noite do festival do Estoril.

Só pela aparência o sexteto já cumpria com a imagem habitualmente predefinida do que é jazz: músicos negros americanos, barrigudos quanto-baste, daqueles que têm jazz nas veias e por isso tocam de olhos fechados, bem-humorados, e no que aos saxofonistas diz respeito, expressivos nas caretas de esforço e prazer que todos os fotógrafos desejam poder registar, a preto-e-branco, obviamente.

Logo aos primeiros acordes o público presente no Parque Palmela não conseguiu conter a satisfação. Porque o repertório de Parker é largamente conhecido, os comentários de fila de trás, daqueles que nos batem na nuca, foram uma constante entre os cavalheiros que, quixotescos, iniciavam suas donzelas no culto do jazz, quais booklet de CD, enquanto no palco os temas desfilavam alegres.

Como se tratou de interpretar pautas alheias, não houve espaço para improvisos ecletistas, somente para muita melodia. E nisso teve especial responsabilidade o trio de saxofonistas-alto, que bem aproveitou e muito agradou. Vincent Herring, repetente no Estoril, mais uma vez não deixou ninguém indiferente, porquanto o seu talento parecia sair em chamas do seu saxofone – admirável. Jesse Davis, natural do sítio onde tudo começou, Nova Orleães, também sobressaiu, apaixonado, cheio, estupendo. Wess Anderson, o mais jovem, foi porventura o mais fraco, contudo irrepreensível.

No conjunto, um nome saltava à vista. O veteraníssimo Jimmy Cobb, nascido no ano em que Wall Street “crashou”, baterista de formação que ao longo da sua carreira tocou com tantos e tão dotados músicos de jazz que só menciono um – Cobb é o último dos homens que gravaram o histórico Kind of Blue, de Miles Davis. Ontem, Cobb encantou e os seus solos fizeram-me perceber que até então eu vinha sendo intrujado por sucessivos bateristas. E confirmaram que o epíteto “lenda viva” serve, unicamente, aqueles que além de tocar há muito tempo, tocam muito, realmente muito bem.

A prestação de Ray Drummond, o baixista, foi a melhor que já vi no meu parco trajecto de jazz in loco. Nas mãos de Drummond – “lenda júnior”, nas palavras de Herring – o baixo não é um acessório, não está só lá no fundo, não passa despercebido e, acima de tudo, “percebe-se”.

Embora discreto, o pianista Ronnie Matthews foi peça essencial em todo o espectáculo, uma enorme bússola.

No final, era visível a satisfação estampada no rosto de quem descia o macadame rumo ao mar, ainda trauteando um “Quasimodo” ou “Parker’s Mood”. Que raio, nem o vento apareceu!

quarta-feira, 6 de julho de 2005

24º Estoril Jazz, 2005
1 de Julho, Quarteto de Von Freeman


Von Freeman, o maratonista do saxofone
Jazz em modo long play é a primeira ideia que ocorre sobre a prestação de Von Freeman e seu trio ontem à noite, no concerto inaugural do 24º Estoril Jazz/Jazz num dia de Verão. Isto porque o espectáculo, dividido em duas partes, ficou marcado pela longa duração dos temas tocados, uma vez que, quase sem excepções, Freeman e o seu trio solaram à vez. Apesar dos seus 83 anos, o saxofonista tenor correspondeu ao que se poderia esperar e nunca deixou esmorecer o público.

Ao agradável espaço do auditório do Parque Palmela, mesmo apesar do vento frio do mar, compareceu uma audiência capaz de compôr a casa, embora não tenha chegado à lotação máxima. A assistência pareceu heterogéna quanto-baste, ainda que se notassem muitos experimentados. Não, não digo que fossem velhos, que esses são os trapos. Mas sim que, para quem frequenta a época de espectáculos de jazz da grande Lisboa, havia muitas caras repetentes e cabeleiras grisalhas, o que, se por um lado é prova da consolidação destes eventos, por outro é imagem da dificuldade desta corrente musical em chegar a públicos mais jovens. O que será que falta fazer?...

Von Freeman, uma das velhas figuras da escola de Chicago, ali envergando uma singela camisola amarela, casaco de “fato-de-treino” e óculos escuros, apesar de não conseguir sprints dignos de registo olímpico, quando era hora de regressar à frente do palco – uma vez houve que o músico, depois de ter entregue o palco aos seus jovens acompanhantes, não conseguiu regressar a tempo e teve que começar a tocar sem estar perto da frente nem do microfone –, venceu na corrida da performance. Várias vezes gritou ao seu trio um irónico «go for it baby!», a fim de o mandar calar, pois era tempo de entregar todo o seu fôlego ao saxofone, em improvisos nuns momentos mais duros – Perrilo, o pianista, não disfarçou algumas caretas –, noutros mais melódicos e perceptíveis a ouvidos menos treinados.

As interpretações foram longas, como já se disse, mas variadas. Em Speak Like a Child, de Herbie Hancock, o trio Ron Perrillo (piano), Denis Carroll (baixo) e George Fludas (bateria) teve espaço para brilhar, com Perrillo conseguindo até arrancar do público a maior parte dos gritos e assobios de aplauso da noite. Tiveram ainda lugar Miles Davis, uma fenomenal e intensa versão de A Night in Tunisia, de Dizzie Gillespie, e quando as luzes já estavam acesas e a assistência aquecia só com a ideia de regressar ao interior dos seus automóveis, Freeman voltou para uma Yardbird Suite, de Charlie Parker. Se disser que tudo durou mais de duas horas e um quarto, com o devido desconto do intervalo para convívio e refrescar da garganta, certamente não estarei a exagerar.

Desempenhos aparte, outras duas coisas ficaram perceptíveis naquele espectáculo. Que o afamado crítico José Duarte se fez notar, mais uma vez, altercando com um espectador que não havia problema algum em estar ao telefone e que ele, o espectador, certamente não sabia quem ele, José Duarte, era – episódio triste, para dizer o mínimo. E também que entre Freeman e o seu trio existia um fosso, não de idade ou de talento, mas de maturidade – claramente foi um conjunto composto para a [última?] digressão europeia do velho saxofonista.

sábado, 2 de julho de 2005

Blogar requer tempo e disponibilidade mental. Coisas que têm faltado, por estes lados. Mas como me reconciliei com a vida durante umas horas, fui ao CCB espreitar umas coisas penduradas nas paredes.

A colecção da mostra “Lisboa Photo 2005” patente naquela sala, foi uma desilusão. «É arte, estúpido», dir-me-ão. A mim soube-me a falta de originalidade e pobreza. Um euro e setenta e cinco para o lixo e um arranque em tropeção que dificilmente me levará a visitar algumas das outras colecções, expostas algures na cidade.

A exposição “Espelho Meu, Portugal Visto por Fotógrafos da Magnum” é também – para usar um vocábulo agora muito na moda política cá do burgo – um embuste. As anunciadas três partes (de 1955 até à revolução de Abril, com imagens de Henri Cartier-Bresson, Inge Morath, Thomas Hoepker e Bruno Barbey; durante a própria revolução, com trabalhos de Guy Le Querrec, Jean Gaumy e Gilles Peress; e após 1976 e até à actualidade, com trabalhos de Bruce Gilden ou Martin Parr) de um conjunto de mil fotografias sobre Portugal esquecidas e agora encontradas nos arquivos da agência Magnum, mais não são que um conjunto de três fotos por autor. E as próprias imagens escolhidas não satisfazem. Ficamos à mingua…

Para compôr o ramalhete, «as comissárias decidiram complementar e actualizar esta visão através de novos projectos […] Susan Meiselas, Miguel Rio Branco e Josef Koudelka foram convidados, em 2004, a realizar missões em Portugal […] Meiselas, que nunca antes cá tinha estado, dedicou-se ao Bairro da Cova da Moura». Mas alguém se esqueceu de regar as flores e como por cá parece que vivemos tempos de seca, murchou. Francamente pobre.

O único aspecto verdadeiramente interessante desta exposição é o documentário em projecção na sala intermédia – que, aliás, já passou várias vezes no canal dois da RTP. Um filme que parte da tal descoberta de imagens arquivadas sobre Portugal, e que vai ao encontro daqueles que cá vieram fotografar e filmar, no período de 1974/75. Realmente agradável, rico, esclarecedor até, e importante na medida em que mostra excertos de documentários por demais elucidativos sobre o Portugal pequenino e dos pequeninos – da pequenez? –, mais visível naqueles anos.

Estes filmes, aliás, foram reunidos e editados em DVD pelo Público, aquando dos 30 anos do 25 de Abril. São documentos valiosos. E “Torre Bela”, de Thomas Harlan, deve ser visto.

Portanto, vou fingir que o bilhete que paguei se destinava ao visionamento deste documentário, e que as fotos lá expostas também se dispunham somente a embelezar e preencher o espaço envolvente. Mas vale a pena, então, por isto.